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O Caminho já é o destino. Por que a jornada do Herói faz tanto sucesso?

Foto: Freepik.com

Um mecanismo muito comum de narrativa, que passa quase imperceptível nas histórias de qualquer mídia, é a obstaculização proposital de coisas simples. 

Aquela máxima de que o que vale é a jornada e não o destino é levada à exaustão quando se conta uma história.

Seja em livros de romance, filmes, contos ou até em desenhos, percorrer o caminho mais longo é sempre a decisão narrativa mais corriqueira, e, diga-se de passagem, a mais acertada.

Quantos filmes já não vimos em que era só o protagonista abrir um site de passagens aéreas como voegol, 123 milhas ou qualquer outro semelhante, que conseguiria comprar uma passagem em dois minutos, mas a trama se desenrola como se a viagem fosse algo quase impossível?

Duas horas poderiam se tornar 10 minutos de história. Mas, você pagaria para ver um filme de 10 minutos no cinema? O destino realmente é o objetivo?

Definitivamente, a ideia de pular etapas não parece muito atraente.

Na verdade, isso é uma estratégia de narrativa, que muito se espelha na experiência antropológica do ser.

Vamos supor um cenário: Você chega em sua casa e liga sua TV conectada em um receptor de tv via internet, seu computador ou até sua Tv Smart.

Acessa seu serviço de Streaming preferido e coloca um filme aleatório para assistir.

O roteiro é “bobinho”.

Um jovem excluído que toca em uma banda de garagem e anda de skate, ganha super poderes.

De uma hora para outra, esse jovem comum tem o destino do universo em suas mãos. Mas, como isso ocorreu? E por que ele tem de se importar com o destino do universo, se ele é só um jovem normal com uma vida normal?

É aí que entra o valor das técnicas narrativas, e a mais comum e maleável delas é a jornada do herói, muitíssimo presente em nossas vidas.

A Jornada do Herói
A jornada do herói é a receita de bolo mais recorrente das produções literárias e audiovisuais.

O herói é apresentado com sua rotina, seu mundo, seus interesses, amigos e desafetos. Nos familiarizamos com ele, nos vemos nele...

A partir daí, vivemos ele nos nossos pensamentos, relacionamos ele a nossas memórias, e pronto. Estamos colocados dentro da história.

Depois vem o momento da ruptura, quando o personagem  fica diante do inacreditável, fora da zona de conforto, tendo que lidar com poderes, seres, mundos e ameaças que, até 20 ou 30 minutos de filme atrás, nunca nem ao menos havíamos ouvido falar. Coisa que, de forma menos lúdica, também acontece conosco.

Durante a jornada, haverá momentos de alegria, descontração, desesperança, perdas e dores aparentemente irremediáveis, e dependendo do estilo da obra, se for uma saga ou até um seriado, provavelmente haverá algo que prenda o expectador ou leitor até o grande retorno, onde tudo será resolvido (ou não).

O antagonista
Outro ponto importante que é trabalhado em obras de maior qualidade é a motivação do antagonista.

O mundo da fantasia entendeu que querer destruir o mundo porque estava entediado deixou de ser cativante há algum tempo.

Então, muitas vezes, os problemas dos antagonistas não serão à toa, fazendo com que eles possam ser até compreendidos por alguns, e que a motivação do herói possa ser questionada por outros.

O heroísmo (?)
Existem diversas concepções de heróis, e a maioria delas é baseada nas personas dos arquétipos desenvolvidos pelo psiquiatra sueco Carl G. Jung.

O mais comum, sem escusa ao óbvio, é o herói, seguido do protagonista (quando estes dois não estão no mesmo personagem).

Mas, o ponto aqui é a similaridade que pode ser despendida entre essas personas e o homem comum.

Entender as nuances das decisões e dos passos que o protagonista toma em sua jornada é muito mais fácil do que aceitar nossas próprias decisões difíceis, e da necessidade que temos às vezes de sermos injustos ou justos demais.

Nunca nos vemos como heróis, embora sempre nos vejamos como protagonistas.

Sempre é mais fácil pensar que o problema todo está em nós, em nossas ações e escolhas.

Isso se dá quando não temos, conosco, o zêlo e carinho que temos pelos outros.

O espelho quebrado
Sim, definitivamente é mais difícil ver em terceira pessoa quando tudo que temos é nossa perspectiva.

Olhar do lado de fora nos dá mais ângulo de visão e, por mais que nos relacionemos com algum personagem, suas falhas sempre serão justificáveis, enquanto as nossas podem ser, aos nossos próprios olhos, imperdoáveis.

A distância que existe entre o espectador e o objeto de identificação torna a tolerância mais fácil.

O afeto que empenhamos em um personagem em quem nos vemos também é fruto de uma idealização de nós mesmos, do que gostaríamos de ser.

A jornada cotidiana se assemelha mais do que admitimos à jornada do herói, e embora nossa ansiedade social e a nossa pressão interna e externa nos façam almejar os finais felizes, é interessante se conduzir à percepção de que já somos a realização de um trabalho passado, e estamos apenas nos preparando para um trabalho futuro.

O alcançar o pico de uma montanha somente serve para nos dar a vista de uma montanha maior ainda.

O caminho já é o destino.

Parece óbvio que a ansiedade imposta pelo ritmo de nossas vidas não nos deixe perceber o valor dos passos.

Todavia, fechar os olhos e sentir nos arredores as minúcias de estar vivo, pode ser, deveras, gratificante.

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