O cinema abre as portas para ‘Danças Negras’
A partir desta quinta-feira (9), documentário que trata a presença da cultura negra na contemporaneidade traz declarações de artistas, pesquisadores e cenas de dança
Gerações marcadas por terem suas culturas, artes, talentos e corpos segregados pela sua cor. Uma coleção de depoimentos abre o documentário “Danças Negras” que chega ao cinema nesta quinta-feira (9). A obra de João Nascimento e Firmino Pitanga alinha uma trama revestida no viés artístico e com uma forte perspectiva política, antropológica e cultural.
Ponto de partida
A ideia do documentário surgiu há́ cerca de seis anos, quando João protagonizou ao lado do Fórum de Artes Negras e Periféricas a luta antirracista e democrática em torno de políticas públicas voltadas à dança na cidade de São Paulo, somada à experiência junto a Cia de Dança Negra Treme Terra, onde iniciou a parceria com Firmino na construção de projetos e espetáculos juntos.
Dentre as diversas vivências trazidas no filme, como de profissionais que trabalham com as artes do corpo, a capoeira, terreiros de candomblé́, do movimento negro e ambiente acadêmico, vale ressaltar a exposição de entrevistas exclusivas de Raquel Trindade (falecida em abril de 2018) e Makota Valdina (falecida em março de 2019).
“O processo de escolha dos entrevistados nasce das experiências, vivências e discussões artísticas suscitadas nos encontros, ensaios e movimentos políticos articulados pela Cia Treme Terra. Muitos personagens foram selecionados partindo das histórias que nós, diretores, compreendemos. Envolve a ancestralidade, a linhagem cultural e a abordagem política antirracista, atrelada ao ambiente de criação e pensamentos em arte negra contemporânea”, explicou Nascimento.
Diálogos da dança
Em seu depoimento ao documentário, a dançarina, professora e pesquisadora Suzana Martins ressalta que “não tem como separar o rebolado do resto do corpo”, frisando que a expressividade da dança negra é, sem dúvidas, através da energia corporal. E, por demarcar movimentos com o quadril, este tipo de dança sempre foi tido como vulgar e marginalizada, seja pela sociedade e até mesmo pelo espaço acadêmico.
Mesclando testemunhos e recortes de apresentações dos entrevistados, o longa mergulha em pontos que, apesar do século atual, ainda precisam ser abordados. É o caso de transcender o significado da dança para além do balé ou música clássica e enxergar uma nova história do Brasil contada por meio de expressões da cultura africana, seja por seus instrumentos, músicas ou rituais.
“Produzir o filme 'Danças Negras' já é uma grande conquista, um impacto simbólico que subverte a lógica sociocultural da indústria cinematográfica, uma área estruturada no histórico racista, que demanda muito dinheiro para a realização de um projeto, devido à tecnologia atrelada aos equipamentos e serviços nas diversas etapas da cadeia produtiva do setor audiovisual, dificultando o acesso às camadas da sociedade que não possuem poder econômico”, contou João em entrevista à Folha de Pernambuco.
Outras histórias
Esse relato não é estático, dizem os autores, uma continuação está à vista. “Em 2018, o filme ganhou formato média-metragem, posteriormente foi transformado em longa e, ainda hoje quando assistimos, sentimos a necessidade de continuar documentando. É sobre uma temática tão diversa, dinâmica, plural e rica de conteúdos e personagens, muitos que não foram possíveis contemplar, deixando os caminhos abertos para outros desdobramentos do filme ‘Danças Negras’, em um futuro que já vivemos”, completou o diretor.