Ômicron: Escritores africanos são contra suspensão de viagens
OMS advertiu que nova cepa do vírus da Covid-19 representa 'risco muito elevado' para o planeta; José Eduardo Agualusa e Mia Couto chamaram de egoísmo
Patrimônio Mundial da Humanidade, a Ilha de Moçambique, no litoral do país africano, viu sua principal fonte de receitas, o turismo, minguar após o início da pandemia. A situação melhorou um pouco nos últimos meses, mas deve voltar a piorar devido ao fechamento das fronteiras europeias a países africanos para conter a expansão da variamente Ômicron, identificada na África do Sul. Os escritores Mia Couto (moçambicano) e José Eduardo Agualusa (angolano) manifestaram publicamente que não concordam com as medidas; na opinião deles, contrária ao fechamento para conter a Covid-19, mais do que uma tentativa de controlar a pandemia, a decisão da União Europeia é “egoísmo”.
Numa carta divulgada nas redes sociais e republicada no Blog de Afonso Borges, no site do GLOBO, os autores alertam para o impacto negativo do fechamento das fronteiras para os países africanos. “Não se fecham fronteiras, fecham-se pessoas. Fecham-se economias, sociedades, caminhos para o progresso. A penalização que agora somos sujeitos vai agravar o terrível empobrecimento que os cidadãos destes países estão sendo sujeitos devido ao isolamento imposto pela pandemia”, diz a carta.
"A Europa tomou uma decisão à revelia dos cientistas. Ainda não se sabe se a variante Ômicron é mais perigosa" acredita Agualusa, colunista do GLOBO que vive na Ilha de Moçambique. "Aqui na Ilha, as pessoas estão a passar fome e ninguém se preocupa com elas. Os números da pandemia são muito melhores na África do que na Europa. Em Moçambique, os mortos não chegaram a 2 mil. Na Nigéria, cuja população é do tamanho da do Brasil, foram 3 mil".
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Há dúvidas se as atuais vacinas vão conseguir combater a variante Ômicron. A mistura de mutações na nova cepa preocupa cientistas, que correm contra o tempo para tentar reunir informações. Classificada como “variante de preocupação” pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a Ômicron, com 50 mutações, pode ser mais transmissível e capaz de escapar das respostas imunológicas do corpo, tanto para quem se vacinou quanto para quem já teve a infecção, e é hoje considerada como de impacto desconhecido.
A carta dos escritores lembra ainda que, enquanto nos países mais ricos a população já toma a terceira dose da vacina, a maioria dos africanos ainda não tomou sequer a primeira. “Países africanos, como Botsuana, que pagaram pelas vacinas, verificaram, com espanto, que essas vacinas foram desviadas para as nações mais ricas”, afirma a carta. “Os países africanos foram uma vez mais discriminados. As implicações econômicas e sociais destas recentes medidas são fáceis de imaginar. Mas a África Austral está longe, demasiado longe. Já não se trata apenas de falta de solidariedade. Trata-se de agir contra a ciência e contra a humanidade.”
A UE, assim como o Brasil e os Estados Unidos, já suspendeu voos de países do sul do continente africano onde casos da variante já foram confirmados, como África do Sul, Botsuana, Essuatíni, Lesoto, Moçambique, Namíbia e Zimbábue. Angola também já fechou as fronteiras. O ministro da Saúde brasileiro, Marcelo Queiroga, defendeu a medida para conter a disseminação da nova cepa no país.
Anteontem, a OMS afirmou que o fechamento das fronteiras representa “um grande fardo para vidas e meios de subsistência” dos países africanos e pediu que os países as mantenham abertas até que se saiba mais sobre a variante. No entanto, a própria OMS advertiu ontem que a Ômicron representa um “risco muito elevado” para o planeta. Segundo a OMS, ainda não está claro se a nova cepa é mais transmissível ou provoca casos mais graves de Covid-19 do que outras variantes, como a Delta. Evidências preliminares sugerem que a nova variante aumenta o risco de reinfecção, é mais transmissível e menos suscetível às defesas geradas pelas vacinas que, segundo especialistas, ainda assim deverão garantir boa proteção contra casos graves e mortes.
Agualusa afirma que, após a divulgação da carta, ele e Couto têm recebido respostas solidárias de leitores na África, na Europa e no Brasil. O objetivo, explica ele, é conscientizar as pessoas e torcer para que elas pressionem os governos a reabrir as fronteiras.