Paulo Vanzolini dá 'volta por cima' como tema de novela e de exposição que marca seu centenário
Sambista autor de "Ronda", morto em 2013, foi também zoólogo de renome internacional
“Reconhece a queda/ E não desanima/ Levanta, sacode a poeira/ É dá a volta por cima.” Estes versos consagrados têm sido ouvidos, nas vozes de Alcione e Ludmilla, na abertura da novela das 19h da TV Globo, exatamente chamada “Volta por cima”. Nem todos sabem que o autor da música é Paulo Vanzolini, cujo centenário se completou em 25 de abril e que é tema de uma grande exposição em São Paulo.
O samba que dá título à novela foi gravado em 1963 pelo cantor Noite Ilustrada (nome artístico de Mário de Souza Marques Filho). Dez anos antes, Inezita Barroso lançara aquela que se tornaria a composição mais conhecida do paulistano Vanzolini: “Ronda”, a da “cena de sangue num bar da Avenida São João”.
Daniela Thomas, curadora da exposição em cartaz no Sesc Ipiranga, recorda que, na adolescência, tocava “Ronda” no violão.
— É um filme cantado. As letras dele têm qualidade de cinema — exalta Daniela. — Era um cérebro privilegiado. Com a morte dele (em 2013) se foi um pouco do século XX.
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Répteis e anfíbios
A artista não está se referindo apenas ao compositor. Vanzolini foi um zoólogo de renome internacional, dedicado aos répteis e anfíbios. Na mostra, por exemplo, há 51 exemplares de espécies identificadas e catalogadas por ele. Ao longo de três décadas, Vanzolini dirigiu o Museu de Zoologia da USP (Universidade de São Paulo), que fica muito próximo do Sesc Ipiranga.
A exposição se chama “100 anos de Paulo Vanzolini, o cientista boêmio”, tomando emprestada a definição que o crítico literário Antonio Candido deu para o amigo.
— Eu me lembro de um cara que saía muito cedo de casa, passava o dia inteiro trabalhando e ia à noite curtir com os amigos — conta Toni Vanzolini, o caçula dos seis filhos, dos quais quatro estão vivos.
Toni, que é diretor de arte e cineasta, e sua irmã Maria Eugênia, psicóloga, idealizaram a exposição. Um dos módulos faz referência às expedições que Vanzolini fazia à Amazônia — pelo menos uma por ano. Outro reproduz um laboratório.
O compositor Eduardo Gudin conheceu Vanzolini em 1969, no bar Jogral. Apesar da diferença de idade (Gudin, hoje com 73 anos, tinha 19; Vanzolini, 45), tornaram-se amigos e parceiros musicais. Encontravam-se apenas depois do expediente no Museu de Zoologia.
— Quando estava vestido de professor, não conversava sobre música — recorda Gudin, classificando como “falsa modéstia” Vanzolini dizer que não gostava de “Ronda” e desmistificando a imagem de um autor descompromissado. — Ele levava a sério fazer música. Burilava bastante. Mas não ficava atrás de cantor para gravar.
Gudin ainda toca numa conhecida característica do amigo: a sinceridade.
— Falava o que pensava. Uma pessoa disse que “Volta por cima” tinha mudado a vida dela. Ele respondeu: “Não faço música para mudar a vida de ninguém. Não sou psiquiatra” — conta.
Adorava conversar, nos bares de São Paulo e nas casas de amigos. Um deles era Sérgio Buarque de Holanda. As filhas do historiador narram que Vanzolini passava horas na casa, de cachimbo e tomando cachaça.
— Ele era ligado a intelectuais e artistas. Ia encontrar papai para jogar conversa fora — lembra Ana de Hollanda. — Ele fazia músicas que tinham a ver com o cotidiano de São Paulo, mas não o cotidiano de um professor universitário, e sim de um boêmio.
Ela diz que começou a ir ao Jogral ainda adolescente, graças a Vanzolini. Ele tinha especial afeto por Cristina Buarque. Convenceu a mãe dela, Maria Amélia, a deixá-la cantar aos 16 anos no disco “Onze sambas e uma capoeira”, lançado em 1967 — e do qual também participou, em duas faixas, Chico Buarque, já famoso por causa de “A banda”.
— Não tocava instrumento e era completamente desafinado. Tinha a melodia na cabeça e o (violonista e cantor) Adauto Santos traduzia — diz ela, que deu a um de seus filhos o nome de Paulo Emílio por causa de Paulo Emílio Vanzolini.
O boêmio cientista parou de compor nos últimos anos de vida, mas não se afastou da música. Ia aos sábados no Bar do Alemão, que pertencia a Gudin, ver sua companheira Ana Bernardo cantar. À sua maneira, continuava boêmio. E, para sempre, consagrado como cientista.