Podcasts se popularizam entre os brasileiros em 2019
Com investimento de plataformas de streaming de áudio e grandes empresas de comunicação, consumo do formato cresceu 67% no Brasil
O estudante de direito pernambucano Guilherme Mendes, 21 anos, ouviu um podcast pela primeira vez em janeiro deste ano. Desde então, sua rotina diária inclui ouvir seus programas favoritos nos tempos livres ou enquanto executa qualquer atividade repetitiva. Ao todo, foram mais de 5 mil minutos dedicados a essa forma de entretenimento. E o rapaz não é um caso isolado. Diferentes pesquisas mostram que o consumo de podcasts vem aumentando cada vez mais no País e já configura um novo hábito entre boa parcela dos brasileiros.
Embora já esteja disponível no Brasil pelo menos desde 2004, os podcasts nunca tiveram tantos adeptos quanto em 2019. Essa notável popularização entre os ouvintes despertou o interesse de grandes veículos de Imprensa, como a Globo e a Folha de S. Paulo, que vêm produzindo conteúdos específicos para o formato. De acordo com um levantamento realizado pela Deezer, uma das principais plataformas globais de streaming de áudio, esse aumento foi de 67% nos últimos doze meses. A empresa tem investido em estratégias para atingir esse público.
"Lançamos uma aba especial no menu apenas para conteúdo em podcast nesse ano. A gente também aposta na produção de conteúdo original. Temos um estúdio em São Paulo onde a gente grava, edita e disponibiliza esses programas com exclusividade para os nossos assinantes", afirma Gabriel Lupi, Head of Content and Artist Marketing da Deezer, que prevê a continuidade dessa expansão em 2020. Essa crença encontra apoio em dados de outras pesquisas, como a da plataforma Spotify, que aponta um aumento de 21% ao mês desde janeiro de 2018 no acesso a esse tipo de produto no Brasil. Segundo o Ibope, 40% dos cerca de 120 milhões de internautas brasileiros já escutaram podcast.
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Os números positivos não são uma surpresa para quem está há anos produzindo conteúdo para a podosfera nacional. O jornalista Celso Ishigami, um dos fundadores e apresentadores do podcast futebolístico pernambucano "45 Minutos", nota uma diversificação no perfil do público que o acompanha, além de melhores resultados comerciais. "Hoje eu sou abordado por mulheres que escutam a gente, o que antes era pouco comum. Essa ampliação na nossa audiência foi um sinal para o mercado e agora começamos a ser procurados por agências de publicidade interessadas em fechar parcerias", conta.
O "45 Minutos" surgiu em 2014, encabeçado por Celso, Fred Figueiroa, João de Andrade Neto, Cassio Zirpoli e Rafael Brasileiro. A intenção era conversar sobre futebol, mas logo outros temas entraram em pauta. A recepção dos ouvintes foi tão boa que deu origem a outro podcast, o "Agamenon", voltado a discutir assuntos variados, como cinema, tecnologia, política e comportamento. Outros produtos, como o "Prova dos Nove" e o "45 Jardas", vieram depois e agora integram um selo próprio, o Córtex Digital.
Para Celso, a entrada de empresas tradicionais de mídia como concorrentes diretos dos podcasters tradicionais é positiva. "Quando a Globo passa a falar de podcast no 'Jornal Nacional' e no 'Fantástico', apresenta o formato para um público que antes não conhecia, trazendo um volume de audiência que a gente levaria décadas para conquistar. E quando essas pessoas começarem a procurar nas plataformas, elas encontrarão como referências quem já está produzindo há mais tempo. Conseguir converter esses ouvintes é tarefa nossa", declara. É esse mesmo pensamento que defende Carlos Merigo, um dos sócios da B9 Company, produtora de podcasts de sucesso, como o "Mamilos" e o "Braincast".
"É obvio que a chegada desses grandes grupos acaba sendo um desafio. Como não temos o mesmo poder de divulgação, precisamos investir em conteúdo que possa fazer frente. Mas acredito que quem trabalha pensando em criar conexões com os ouvintes vai sobreviver. Apesar de toda essa efervescência, o podcast ainda tem muito espaço para conquistar", diz o apresentador e editor-chefe, que começou a produzir podcasts em 2006. Enxergando o potencial deste mercado, a B9 decidiu focar no podcast como seu principal formato, oficializando uma sociedade com Cris Bartis e Juliana Wallauer, apresentadoras do "Mamilos".
"Atualmente, estamos com 18 shows no ar. No começo, nosso alvo era um público de nicho. Com a criação do 'Mamilos', há cinco anos, isso mudou e nosso alcance expandiu. Acho que o principal objetivo do B9 é criar um conteúdo que cause impacto na vida das pessoas", diz Carlos. O potencial dos podcasts de fomentar discussões antes invisibilizadas é também o que interessa o artista visual e performer pernambucano Aslan Cabral. Co-fundador e ex-integrante do coletivo "Saquinho de Lixo", famoso por criar memes para as redes sociais, ele vem abraçando um novo projeto. O podcast "Departameme", coordenado em parceira com Rabih Aidar, aprofunda o debate sobre cultura de internet.
O programa conta com dois episódios disponíveis, mas outros quatro já foram gravados e devem entrar no ar no próximo ano. A proposta é tentar se desprender dos padrões que rondam o formato no Brasil. "Acho que os podcasts ainda reproduzem quase que o mesmo tipo de lugar que era ocupado por uma rádio antigamente. A ideia é ir tentando quebrar com o que é compreendido normativamente como podcast a cada novo episódio", promete Aslan, que vê no formato uma ferramenta democrática de produção de conteúdo.
"Quando você pode fazer seu podcast, subir numa plataforma e qualquer pessoa do Brasil e do mundo escutar aquilo, você está tendo praticamente o mesmo direito de mídia de uma grande empresa de comunicação. Acho que esse processo é mais sobre uma nova cultura pop que dá lugar às vozes emergentes", conclui o artista.