Primeira atriz trans premiada em Cannes denuncia líder de extrema-direita da França por sexismo
Karla Sofía Gascón, de 52 anos, recebeu prêmio de melhor interpretação feminina; Marion Maréchal criticou o fato de se premiar, na sua opinião, "um homem"
A atriz trans espanhola Karla Sofía Gascón, de 52 anos, que recebeu o prêmio de melhor interpretação feminina em Cannes, denunciou por insultos “sexistas” a política de extrema-direita francesa Marion Maréchal, que criticou o fato de se premiar, na sua opinião, “um homem”.
A denúncia na França, confirmada nesta quarta-feira à AFP pelo advogado da intérprete de "Emilia Pérez", se soma à apresentada dois dias antes por seis associações de defesa do coletivo LGTB+ por insultos "transfóbicos" contra Maréchal por esse comentário.
Gascón, de 52 anos, recebeu junto com suas colegas de elenco — as americanas Selena Gómez e Zoé Saldaña e a mexicana Adriana Paz — o prêmio de melhor interpretação feminina e se tornou a primeira pessoa transgênero a conquistar esse prêmio em Cannes.
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Em reação ao prêmio, Maréchal, candidata do partido de extrema-direita ¡Reconquista! às eleições para o Parlamento Europeu de junho, criticou na rede social X a premiação a "um homem", algo que implicaria "o apagamento das mulheres".
"Devemos terminar com esse tipo de declarações", afirmou Karla Sofía Gascón em um comunicado enviado por seu advogado à AFP. A denúncia foi apresentada por insultos "sexistas motivados pela identidade de gênero".
O advogado da intérprete, Étienne Deshoulières, indicou que "a única pessoa objeto dos comentários pode tomar medidas", por isso Karla Sofía Gascón teve que fazer isso, além da denúncia das associações.
No musical "Emilia Pérez", a atriz espanhola interpreta um impiedoso narcotraficante mexicano e a mulher em que ele se transformou, e dedicou seu prêmio "a todas as mulheres trans que sofrem".
As declarações de Maréchal ocorrem em um contexto na França em que os setores conservadores têm nas pessoas trans um novo foco de batalha social, após sua oposição ao casamento igualitário e à adoção por casais do mesmo sexo.
Em 2023, as autoridades francesas registraram 2.870 crimes ou delitos como agressões, ameaças e assédio, entre outros, contra lésbicas, gays, bissexuais e transexuais, um aumento de 19% em relação a 2022.
Quem é Karla Sofía Gascón?
Consagrada a primeira atriz trans premiada no Festival de Cinema de Cannes, como parte do quarteto feminino protagonista do musical em espanhol "Emilia Pérez", Karla Sofía Gascón recebeu o prêmio coletivo de melhor interpretação feminina da mostra francesa.
Também integram o elenco estrelado as americanas Zoe Saldaña e Selena Gomez, e a mexicana Adriana Paz.
Karla dá vida a um chefão do narcotráfico no México que quer mudar de sexo e de vida. Ela mesma faz o papel do líder do cartel e da mulher depois da transição. Com a dupla atuação, tornou-se a primeira intérprete trans a conquistar este prêmio em Cannes.
Ela nasceu Carlos Gascón em Alcobendas (arredores de Madri), onde conheceu aos 19 anos aquela que seria sua esposa, Marisa, em uma boate. Com ela, teve uma filha, agora com 13 anos.
As três continuam próximas. Sua filha agora tem duas mães, o que não foi fácil de conseguir, apesar de a Espanha, onde ela mudou de sexo e identidade em 2018 após um doloroso processo, ser um dos países mais liberais do mundo neste tema.
Durante três décadas, Carlos Gascón foi um galã de cabelos loiros e olhos claros que interpretou papéis em pequenos telefilmes e séries na Espanha.
Estudou interpretação na Escola de Cinematografia de Madri (Ecam) e começou a carreira no final da década de 1980, com um papel em "El águila de fuego", uma revista musical em Madri.
Participou em seguida da série para a TV "El súper", da emissora Telecinco e em 2005, de "El pasado es mañana".
Em busca de novos horizontes profissionais, mudou-se para o México em 2009, onde interpretou um cigano na telenovela "Corazón salvaje". Seguiram-se papéis de galã até seu grande sucesso, em 2013, como um dos protagonistas do filme "Nosotros los nobles", um dos filmes de maior bilheteria do cinema mexicano.
Em 2018, para surpresa dos fãs, anunciou que havia mudado de identidade e que legalmente passou a se chamar Karla Sofía. Durante este processo, escreveu "Karsia", um romance de tom confessional no qual o protagonista acaba se suicidando.
— Foi um caminho muito difícil, muito complicado, para minha mulher sobretudo. Mas é maravilhoso o que está acontecendo —, comemora.