Qual o segredo de "Smooth", a música de rock de maior sucesso de todos os tempos?
Para se ter uma ideia: criada 25 anos atrás, recentemente a canção da lendária banda Santana, em apenas uma semana, foi ouvida nas ondas do rádio por cinco milhões de pessoas
"Para apreciar de verdade a canção 'Smooth', você tem de aceitar que ela é brega, isso é fato", disse o cantor Rob Thomas. A voz dele é a de um barítono suave, como se estivesse imitando um locutor publicitário ou um DJ noturno de uma rádio qualquer.
"Man, it's a hot one" (Cara, isso é quente), ele cantarolou, recitando com dramaticidade os primeiros versos da canção.
"Smooth", de 1999, foi a música de trabalho de "Supernatural", o álbum de retorno de Santana e de seu líder, Carlos Santana. A banda do guitarrista nascido no México sempre foi tratada com reverência, chamada de uma força inovadora na música, desde sua estreia em 1969.
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Tinha, em seu repertório, vários sucessos nas rádios de rock, incluindo "Evil ways", "Black magic woman" e "Oye como va". Mas Santana não emplacava um single no Top 40 desde 1982, e, com Britney Spears, Backstreet Boys e Christina Aguilera dominando as paradas, não parecia haver muito espaço para um ídolo da guitarra com 51 anos, na época.
O chefe da Arista Records, Clive Davis, planejou "Supernatural" de modo a obter o máximo efeito comercial, e trouxe para a banda artistas mais jovens, incluindo Lauryn Hill, Dave Matthews e, claro, Rob Thomas, cuja banda de pop-rock, Matchbox Twenty, tinha acabado de lançar quatro singles que fizeram muito sucesso já no primeiro álbum, "Yourself or someone like you".
As maquinações de Davis funcionaram: em 2000, "Smooth" alcançou o primeiro lugar em outubro e manteve a posição durante 12 semanas. Mas a vida depois da morte dos zumbis da faixa é o que mais distingue "Smooth".
Isso gerou um meme inexplicavelmente engraçado por meio de camisetas que traziam estampadas a enorme frase: "Eu preferiria estar ouvindo o hit de Santana 'Smooth', de 1999, vencedor do Grammy, com participação de Rob Thomas, do Matchbox Twenty, que está no álbum multi-platina 'Supernatural'."
Até o fim do mês passado, a canção tinha sido tocada um milhão de vezes nas rádios americanas, traduzindo-se em um alcance de audiência de 13,2 bilhões, segundo dados da Luminate, a principal plataforma analítica de tendências sobre comportamentos, filmes, televisão e música. Recentemente, em apenas uma semana, "Smooth" foi ouvida nas ondas do rádio por cinco milhões de pessoas.
Você pode comprar bonecos de ação de Thomas e Santana no Etsy (loja de produtos vintage) ou encontrar um vídeo de "Smooth" cantado no estilo da banda B-52.
Quando o sol explodir, a vida humana expirar e apenas as baratas permanecerem na Terra, estas vão construir uma estação de rádio e manter "Smooth" tocando na mesma frequência.
— Gravamos em uma tomada, e no meio dela o tempo congelou e entrei em um vórtice. E eu dizia a mim mesmo: "Nossa! Isso é grande" — recorda Santana.
A revista "Billboard" a classificou como a terceira música mais popular desde 1958, conforme medido pelas posições ponderadas nas paradas de sucesso.
Vem atrás de "Blinding lights", faixa de R&B contemporâneo dos anos 1980 do grupo Weeknd, e "The Twist", de 1960, cantada por Chubby Checker, que (me desculpe, Checker) é uma música cômica. Em outras palavras, quero dizer que "Smooth" é a música de rock de maior sucesso. De todos os tempos.
Por quê?
— O assunto está sempre fora do tempo. É o amante e o amado. O amor é uma coisa de que precisamos muito no rádio. Porque, para onde quer que você olhe, há mais filmes de exorcistas, mais Satanás, mais Lúcifer — afirmou Santana em entrevista por telefone de Las Vegas, onde faz uma temporada de longa data no House of Blues.
A bioengenharia da canção foi escrita por um ex-músico de acid jazz chamado Itaal Shur, mas Santana não gostou da letra, por isso Thomas "ficou um pouco chapado", contou ele, e escreveu novas palavras e melodias. Então, ele e Shur a reformularam, colocando um gancho depois do outro.
Thomas sempre disse que escreveu "Smooth" pensando em Marisol Maldonado, modelo nascida no Queens, de ascendência porto-riquenha, com quem é casado desde 1999.
— Há algo mágico em nosso relacionamento. Somos uma grande história de amor — disse Thomas sobre sua esposa durante uma animada videoentrevista em sua casa no condado de Westchester.
O cantor revelou que começou a escrever a letra não sobre Maldonado, mas sobre o próprio Carlos Santana. Grande parte do refrão — "You're so smooth" e "It's just like the ocean under the moon" (algo como "Você é tão suave" e "É como o oceano sob a lua") — foi inspirada na maneira como ele via o guitarrista:
— Era tudo a respeito de Carlos. Mas, como não queria fazer uma música em que eu cantasse para ele, eu a reformulei. "Smooth" foi escrita para ser colocada em um cartaz dizendo: "Este é o amor que tenho."
Quase todas as músicas de "Supernatural" são do gênero guajira, ritmo afro-cubano "elaborado para fazer os amantes se divertirem. Não há nada mais sensual ou delicioso do que uma guajira. Deixa as mulheres loucas", comentou Santana.
O arranjo de "Smooth" inclui congas, timbales, chocalho e guiro, instrumentos amplamente associados à música latina. Mas Santana zombou da sugestão de que a música tenha um toque latino:
— "Latino" é uma palavra que veio de Hollywood, cunhada para qualificar amantes latinos como Fernando Lamas e Cesar Romero. Para nós, são apenas ritmos africanos. Minha música é 90% africana.
Embora "Smooth" tenha se beneficiado do vento favorável soprado pelo sucesso de estrelas como Ricky Martin, Jennifer Lopez e Marc Anthony, uma das razões pelas quais ela tem sido ouvida ao longo de tanto tempo é sua peça central: a guitarra.
A faixa salta quase imediatamente de uma pequena ideia musical que dá origem ao solo: um lick serpenteante e distorcido de Santana que fica no primeiro plano da mixagem.
— Está estruturado em torno da estrela da música, que é Carlos. Sua guitarra é o evento principal — disse Thomas.
Entre outras coisas, "Smooth" é um dos últimos vestígios de como as músicas foram escritas na era do rock.
— Vinte e cinco anos atrás, a estrutura das músicas era muito diferente das que as rádios pop tocam agora. Hoje as músicas são mais curtas, não há muitas pontes nem solos de guitarra — acrescentou.
A frase de Thomas no primeiro refrão ("Se você disser que esta vida não é bastante boa") é maliciosa e convincente porque é quase uma frase dobrada. Sua reprise sincopada é incomum.
Thomas disse que ela se parece mais com uma linha de metais do que com um vocal, e faz com que a voz dele saia sem fôlego, como a de alguém que acaba de correr. O efeito é ardente e sincero, em vez de suave.
— Sou alimentado pelo que não é suave — confirmou.
Santana e Thomas se beneficiaram tremendamente de "Smooth". O álbum "Supernatural" vendeu mais de 15 milhões de cópias nos Estados Unidos e ganhou nove Grammys, recorde que superou até mesmo "Thriller", de Michael Jackson. E, disse Thomas, as pessoas pararam de confundi-lo nas ruas. Antes o paravam perguntando, com o olhar confuso, se ele era o cantor dos Goo Goo Dolls ou do Third Eye Blind.
Os dois parceiros, nascidos com 25 anos de diferença, têm personalidade muito distinta. Santana é um transcendentalista que fala em metáforas poéticas e diz coisas como "Deus é meu agente" e "Desde que nasci, fui ordenado e ungido".
— Tudo que Carlos diz parece letra de música — observou Thomas.
Por outro lado, Thomas é um sentimentalista de espírito livre e risada pronta que conta histórias sobre o dia em que cantou "Smooth" no karaokê ou com uma banda em uma festa de casamento. No que diz respeito às estrelas do rock, ele é o Mick Jagger que tira sarro de si mesmo, e até conta uma anedota sobre a vez em que Jagger sugeriu que ele trocasse a camisa azul feia que estava vestindo, mas Thomas não entendeu imediatamente a dica.
Thomas e Santana mantêm contato por telefone e discutem outras colaborações.
— Conversamos o tempo todo sobre fazer uma turnê juntos. Há pelo menos cinco ou seis álbuns diferentes que ele quer que façamos — comentou Thomas. O próximo passo será visitar Santana, no Havaí, e escrever as canções.
— Podemos sentar na praia, beber tequila, fumar haxixe e inventar músicas pop medíocres que durarão para sempre — disse ele com uma risada marota.