Faixa de Gaza

Quem é o documentarista brasileiro que acompanha in loco o conflito entre Israel e Hamas

Com coberturas em países como Irã e Ucrânia, Gabriel Chaim tem dois prêmios Emmy e se divide entre o trabalho e os dois filhos em São Paulo: 'Morro de saudade deles'

Gabriel Chaim em helicóptero com soldados: "Não sou um viciado que corre atrás de adrenalina e me recuso a ser qualificado assim, mas no meu trabalho conheço uma realidade que as pessoas fechadas em apartamentos não veem"Gabriel Chaim em helicóptero com soldados: "Não sou um viciado que corre atrás de adrenalina e me recuso a ser qualificado assim, mas no meu trabalho conheço uma realidade que as pessoas fechadas em apartamentos não veem" - Foto: Arquivo pessoal

Numa cena da série “The morning show”, a produtora executiva de TV Mia (Karen Pittman) discute com seu namorado, Andre (Clive Standen), repórter que tinha ficado desaparecido durante semanas na Ucrânia sem dar notícias: “Você é um viciado em adrenalina que prefere ir de uma guerra a outra a ter um endereço certo”, acusa ela.

Quem assiste pode acreditar que o personagem é meramente ficcional, sem base na realidade. Mas, guardadas as diferenças que a fantasia sempre impõe às tramas, há muitos profissionais como ele hoje no campo de batalha, arriscando a vida em Israel, em Gaza e na Ucrânia, para que o mundo possa se informar sobre o que está acontecendo.

É o caso de Gabriel Chaim, que nos últimos dez anos cobriu a Guerra Civil na Síria, o Estado islâmico no Iraque e a Ucrânia. Ele também entrevistou do ex-presidente do Irã Mahmoud Ahmadinejad (em 2019, para a RTL alemã) a Volodymyr Zelensky, da Ucrânia (para a GloboNews).

— Não sou um viciado que corre atrás de adrenalina e me recuso a ser qualificado assim, mas no meu trabalho conheço uma realidade que as pessoas fechadas em seus apartamentos não veem — diz o fotógrafo e documentarista de 41 anos, em entrevista por chamada de vídeo. — Me realizo mostrando isso para o mundo. Acho que esse impacto que o público sente gera solidariedade. Eu procuro retratar o que as pessoas não querem enxergar: a maldade e a falta de esperança.
 

Destaque internacional
Gabriel fala inglês, italiano, “um pouco de árabe e de curdo”. A vida nômade rendeu tatuagens que vão até o pescoço (“só na Ucrânia, fiz 18”). E ele viaja tanto que precisa renovar o passaporte duas vezes por ano, tamanho o número de carimbos. Contudo, o vínculo com o Brasil é forte e constante. Conversa todos os dias por telefone com o casal de filhos, Gabriela, de 14 anos, e Miguel, de 8, que vivem em São Paulo com a mãe (“sou reservado e não quero falar da família”):

— Morro de saudade deles. Quando estamos juntos, levo na escola, ajudo com o dever de casa, faço as coisas normais de pai. Mas, sempre que volto para a vida cotidiana por muito tempo, me sinto inútil.

Desde o início de outubro, está em Tel Aviv, sua base. De lá, produz reportagens diárias para a TV Globo e a GloboNews. Ele conheceu a região em 2012, quando fez um documentário para a televisão francesa sobre crianças em Gaza. De lá para cá, dois de seus trabalhos para a CNN americana levaram o Emmy de jornalismo. O primeiro, em 2018, sobre a queda do Estado Islâmico, e o outro, em Mossul, no Iraque.

Outros tantos prêmios importantes vieram como resultado de sua dupla com a editora Marita Graça, para a GloboNews. No New York Festivals & Film Awards, “Abrigo — Inocentes sob ataque” ganhou prata este ano; “Aliados”, ouro; “Margens de uma guerra: heróis e vítimas em Mossul”, prata em 2018, assim como “Trincheiras no deserto”. Um ano antes foi “Síria em fuga” que conquistou ouro e, em 2016, “Kobani vive — A cidade que derrotou o Estado Islâmico” abocanhou a prata. Três trabalhos da dupla chegaram à final do Emmy, “Síria em fuga”, “Aliados” e “Abrigo — Inocentes sob ataque”. Não é pouco.

Antes de 2012, Gabriel já tinha tentado vários caminhos profissionais. O vestibular, em 2000, foi para Economia, em Belém, no Pará, onde nasceu e cresceu. Mas logo veio para o Rio, cursar Direito, que, em seguida, trocou pela Publicidade e depois pelo Cinema. Mais tarde, foi morar em Goiânia, onde abriu uma sorveteria, que quebrou. Investiu então num bar, que chamou de Imprensa Gourmet. Também não deu certo.

— Fui para São Paulo, estudar Gastronomia. No último semestre, larguei tudo, porque um amigo que morava em Spello, na Itália, me chamou para trabalhar num restaurante. Passei seis meses lá, e o emprego era ruim — recorda Chaim. — Mas eu já era fotógrafo amador, uma atividade que eu conheci com meu pai. Aí, soube de uma vaga num restaurante em Dubai, mandei meu currículo e fui chamado. O salário era ótimo. E comecei a viajar para longe. Fui de trem para Turquia, Hungria, Sérvia e Bulgária. Passei pelo Irã. Conheci um campo de refugiados no Afeganistão, e aquela realidade atraiu meu olhar.

"Saí da Síria outra pessoa"
Chaim passou menos de um ano em Dubai, onde, no fim, além de trabalhar na cozinha, fotografava comida profissionalmente:

—Juntei uma grana e fui para a Jordânia. Cheguei ao campo de refugiados de Zaatari. Para entrar lá, foi difícil, mas consegui e passei dois meses fotografando. Em seguida, comecei também a filmar. Foi um passo para fazer entrevistas. Entendi que aquilo era um trabalho.

Veio 2013, e Gabriel Chaim estava no Egito quando aconteceu o golpe que depôs Mohamed Mursi.

— Cobri o golpe para uma revista e rolava a guerra civil na Síria. Ninguém entrava lá. E eu consegui chegar a Aleppo. Fiquei abrigado dentro de um ambulatório. Me deslocava atravessando os postos de controle do Estado Islâmico. Foi minha primeira experiência exposto aos horrores de uma guerra de forma brutal. Depois de três meses muito significativos, saí de lá outra pessoa. Vendi material para a TV americana. E, em 2013, o “Fantástico” comprou minha produção.

Nesse momento, a então diretora de programas da GloboNews Renée Castelo Branco prestou atenção ao trabalho dele, que começou a produzir regularmente para lá.

—Gabriel é, entre outras coisas, um feminista — aponta Renée. — Nem sei se ele se reconhece assim, mas nunca vou esquecer do material que ele mandou quando se interessou por acompanhar um exército de mulheres curdas, em vez de registrar a movimentação do exército de homens, que também atuava lá ao mesmo tempo. Ele tem um olhar sensível e é um excelente fotógrafo.

Marita, dupla constante dele desde 2016, conta, com humor, que os dois se conheceram em Nova York, quando foram indicados ao Emmy juntos, por “Síria em fuga”:

—Até ali, só falávamos pelo telefone. E, no café da manhã, quando recebemos as medalhas, ele se virou para mim e disse: “Cola em mim que você vai se dar bem”. Eu ri e pensei: ‘Mas que audácia!’ E formamos até hoje uma dupla. Virou uma amizade, uma daquelas parcerias fortes que esse trabalho nos dá. Ele, além de grande profissional, é uma pessoa muito doce.

Nesse caminho longo, houve ainda a pandemia. Quando ela chegou, ele estava no Iraque. Sem poder sair de lá, ele passou cinco meses acompanhando o cotidiano dentro de um hospital de Bagdá. O material virou um documentário para a BBC.

Perguntado se sente medo, Gabriel faz uma pausa e lembra:

—Olha, já passei tanta coisa... Fiquei muitas vezes perto da morte e vi coisas chocantes. Mas acho esse trabalho importante. E não sei dizer quantas guerras já cobri, porque há guerras dentro das guerras também. É uma outra realidade. Quando estou em campo, sinto também a vida pulsando.

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