Quem foi Jean Boghici, colecionador que teve obras de arte roubadas pela filha
Pioneiro no mercado de arte no Brasil, marchand começou a comprar peças de nomes consagrados nos anos 1960
Romeno que passou a maior parte da vida no Brasil, Jean Boghici (1928-2015) tratava como filhas as obras de arte pelas quais se apaixonava. Parte dos quadros que ele guardava com esmero, no apartamento onde morava com a família em Copacabana, no Rio de Janeiro, é agora desvelada pela polícia.
Está tudo lá nos registros feitos pelas autoridades da Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade: telas com assinaturas de nomes como Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti e Cícero Dias foram roubadas pela filha do marchand dentro da própria residência onde ela vivia com a mãe, a francesa Geneviève Boghici, de 82 anos.
O golpe milionário contra a idosa incluiu falsas videntes, e teve início há cerca de três anos. A vítima teve roubados obras de arte, joias e dinheiro, por meio de transferência bancária, num prejuízo que ultrapassou R$ 724 milhões.
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A coleção valiosa de Jean Boghici figurava nas paredes do apartamento. "Cada vez que adentramos, fica a sensação de que, na noite anterior, os quadros se amaram, se multiplicaram, se engalfinharam. São centenas deles, num festival de linguagens, propostas, ideias, escolas, épocas", escreveu o curador Leonel Kaz, em artigo publicado no GLOBO em 2015.
Boghici costumava brincar que era o único comerciante bem-sucedido que resistia em se desfazer dos próprios bens. Ele amava garimpar obras de arte — e venerava tudo o que encontrava. Num dia qualquer, na praia de Copacabana, trombou com um sujeito cuja mulher queria se desfazer de um tríptico de Antônio Bandeira. Deixou as areias rumo ao apartamento do homem e, de calção de banho, acertou um valor e arrematou a obra de proporções imensas. Por décadas, o tríptico ficou instalado sobre a cama onde ele dormia.
Pioneiro no mercado da arte brasileira, ele começou a comprar obras nos anos 1960, quando abriu a galeria Relevo (fechada em 1969). O espaço investiu em artistas que já tinham galeria, comprando obras de Alfredo Volpi, Di Cavalcanti, Pancetti e Guignard, mas também apostou nos novos nomes de então, como Antonio Dias, Rubens Gerchman e Wanda Pimentel.
A galeria foi cenário de importantes exposições, como a coletiva da Escola de Paris, em 1964, que mais tarde deu origem à histórica mostra “Opinião 65”, no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio.
Incêndio destruiu obras
Há uma década, parte desse acervo valioso foi destruído por um incêndio em seu apartamento. Os quadros "Samba" (1925), de Di Cavalcanti, e "Floresta Tropical" (1938), foram as principais pinturas que se perderam com o fogo, em Copacabana.
Apesar da tragédia, muitas obras foram salvas. Em entrevista ao Globo publicada à época, Geneviève contou que o incêndio começou no ar-condicionado do quarto da filha de forma "brutal" e que se alastrou rapidamente. A mulher do marchand afirmou que o aparelho havia sido o foco do incêndio, apesar de permanecer desligado e sem ser usado há pelo menos dois meses, naquele período.
Quando o incêndio aconteceu, a prioridade da família foi salvar os 12 gatos. Jean morreu em 2015, vítima de embolia pulmonar
— Não sabemos como aconteceu porque o aparelho não estava ligado. Minha filha saiu do banho e já vimos muita fumaça tomando conta do apartamento. O fogo começou no quarto dela foi muito brutal e rápido. Mal tive tempo de ligar para a brigada de incêndio. Nossa preocupação era salvar nossos 12 gatos. Corremos para colocá-los na área de serviço e no terraço. Infelizmente, os dois mais velhinhos, que ficavam num outro cômodo, acabaram morrendo. Perdemos dois membros da nossa família — lamentou Geneviève, à época.