Retorno do Selo Passa Disco é resistência em meio ao universo da música digital
Novidade do selo reforça desejo de Fábio Passa Disco, dono da loja que leva o mesmo sobrenome, de seguir no desafio de competir com plataformas digitais de música
Haja veia analógica para dispensar um celular e viver (muito bem) em meio a um telefone fixo e e-mail como meios de comunicar-se com o “lado de cá” do mundo. “Pois é, até parece mentira”, respondeu Fábio Cabral – que também atende por Fábio Passa Disco, sobrenome que lhe dá aporte para seguir à frente de uma das resistências mais longevas do mercado fonográfico do País, a loja Passa Disco, na Zona Norte recifense e à beira de celebrar duas décadas no universo dos vinis, CD’s e boa música, recentemente voltou a abrigar o Selo homônimo para assinar produções locais e nacionais, e assim resistir às sonoridades digitais.
“O Selo, de 2006, foi criado porque eu percebia que clientes, também de outros estados, procuravam por um apanhado da música local contemporânea. A retomada veio por notar que títulos locais estavam apenas nas plataformas”, contou Fábio, em conversa com a Folha de Pernambuco.
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Já lançados pela boa-nova do Selo estão os trabalhos de Zé Manoel ("Do Meu Coração Nu") e Alessandra Leão ("Acesa"). Em maio é a vez de DJ Dolores e seu "Recife 19" e de "Sabiás, Jardins e Arrebóis", de Xico Bizerra e, em junho, para arrematar o regresso, será lançado “Quem Mandou Chamar”, primeiro álbum solo de Jader.
Efervescência inspiradora
Fábio, Cabral ou Passadisco, é um só e tem a música como alimento. “Respiro música desde quando acordo até quando vou dormir, e sempre foi assim.”Desde criança para ser mais precisa essa prosa, e nos idos de 1990, após ter conhecido Lenine, Josildo Sá, Silvério Pessoa e Mestre Salustiano, entre outros, a inspiração para criar a loja estava pronta.
“Toda a efervescência da época me inspirou”, conta ele, que detém na loja títulos raros de artistas locais e nacionais, ambientados junto ao colorido de objetos o tanto quanto memoráveis, como um quadro de Luiz Gonzaga, imagens de padre Cícero e rádios vintage.
“Tinha passado o ‘boom’ do manguebeat, mas a música pernambucana continuava ditando regras”, recorda-se Fábio, ao ser indagado sobre o cenário musical quando a Passa Disco foi aberta. “Sempre teve dominância da nossa música, e com o passar do tempo os artistas, principalmente os independentes, perceberam que ali seria um local de difusão dos seus trabalhos”.
K7 e primeiro som
Fábio estreou sua audição mais particular com “Gita” (Raul Seixas), quando ganhou o primeiro K7 aos 10 anos de idade. No mesmo dia veio também o primeiro som. “Não tínhamos aparelho de som, meu pai não gostava de música, não tinha nem radinho de pilha e eu ouvia música dos vizinhos”, recorda.
Obstinado, ele assumiu a loja em 2003 e o desafio de manter um mercado concorrendo com outro mercado (de peso), o digital. “Não a abri enganado. Mesmo com as carrocinhas de CDs piratas na época, depois as músicas ‘nas nuvens’, sempre terá o colecionador das mídias físicas e assim como houve o retorno do vinil, haverá o retorno do CD.”
Dos visitantes ilustres que já passaram pela Passa Disco Fábio cita Elba Ramalho, Chico César, Jessier Quirino e o Boca Livre. Já dos autógrafos raros que detém estão o de João Cabral de Melo Neto, Belchior, Nara Leão e Chico Science, entre outros. Questionado sobre desejos que ainda pretende realizar, manter a loja até o fim dos seus dias é um deles.
“E ainda quero fazer muitos títulos pelo Selo, edições da Feira de Vinil, lançamentos de discos, homenagear artistas”, revela. E como Fábio Passa Disco apresentaria relíquias da loja a quem, sequer, passou perto de uma vitrola?
“Na vitrine tem um móvel de 1963, que é radiola e rádio. Quase todo dia alguém fotografa e percebo que são os jovens os mais curiosos pelo antigo, são eles os culpados pela volta do vinil e serão eles os responsáveis pela volta dos CDs. As pessoas de mais idade se contentam com o som virtual saído de um celular. Eles se acomodam com pouco, os jovens não.”