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CINEMA

Sebastian Stan e Jeremy Strong dizem que filme sobre Trump é uma tragédia, não uma piada

Destaque na programação do Festival do Rio, "O Aprendiz" chega aos cinemas na quinta-feira (17)

Sebastian Stan interpreta Donald Trump em  "O Aprendiz"Sebastian Stan interpreta Donald Trump em "O Aprendiz" - Foto: Divulgação

É natural ficar nervoso antes de apresentar seu filme em um grande festival de cinema. Mas no final de agosto, quando o diretor Ali Abbasi embarcou em um voo para o Telluride Film Festival, ele nem tinha certeza se seu novo filme "O Aprendiz" — um olhar ficcional sobre o vínculo maquiavélico entre o jovem Donald Trump (Sebastian Stan) e o advogado Roy Cohn (Jeremy Strong) — teria permissão para ser exibido.

— Foi realmente uma loucura o que aconteceu, e poupei Jeremy e Sebastian um pouco disso, mas é um sentimento desmoralizante — Abbasi admitiu durante uma videochamada recente ao lado dos dois atores do filme. O ex-presidente vinha ameaçando uma ação judicial contra "O Aprendiz" desde sua estreia no Festival de Cannes, o que esfriou o interesse dos distribuidores no filme por meses e o tornou uma aposta arriscada para outros festivais.

— Se um filme sai e as pessoas acham que é ruim ou tem falhas, posso lidar com isso — disse Abbasi. — Mas quando ele vai para um cofre por tempo indeterminado, aí é difícil.

No fim, Trump não cumpriu suas ameaças, Telluride exibiu o filme sem incidentes, "O Aprendiz" encontrou um distribuidor e chega aos cinemas nos EUA nesta sexta-feira — quando também será exibido por aqui, no Festival do Rio. Ainda assim, Strong ficou perturbado com a quantidade de grandes estúdios que não estavam dispostos a assumir o filme e correr o risco de irritar o candidato presidencial.

— Você acha que as coisas podem ser proibidas na Coreia do Norte ou na Rússia, mas não acha que isso vai acontecer aqui — disse Strong. — É um prenúncio sombrio que quase tenha acontecido.

Escrito por Gabriel Sherman, "O Aprendiz" começa com Trump na casa dos 20 anos, trabalhando sob o comando do pai, um magnata imobiliário, e planejando se tornar uma figura importante por si mesmo. Ainda assim, a ambição dele excede sua capacidade até conhecer o astuto Cohn, que coloca o jovem sob sua proteção e transmite regras implacáveis para o sucesso que eventualmente lançarão Trump ao palco mais alto imaginável.

''O Aprendiz'' pode colocar Sebastian Stan e Mark Strong entre os candidatos ao Oscar. Mas especialistas questionam se o fervor político do filme pode ajudar ou prejudicar nessas propostas.

— O mais louco é o seguinte: não acho que este filme seja controverso — disse Abbasi. — Ele conta informações disponíveis livres, de fácil acesso e verificadas triplamente. Então, minha grande pergunta é: qual é o problema?

Aqui estão trechos editados de nossa conversa.

Sebastian, no começo do filme você interpreta Trump de forma muito mais suave e envergonhada do que estamos acostumados a vê-lo.

SEBASTIAN STAN: Assista novamente a série documental "An American Dream", da Netflix. Veja todas as primeiras cenas dele em pé na frente de um comitê com uma gravata amarela gigante dos anos 70 e tentando encontrar as palavras certas para se expressar. Observe-o no tribunal quando ele está com Roy esperando para obter a redução de impostos: você está vendo um garoto de olhos brilhantes que está fazendo o melhor para manter a cabeça erguida e fingir confiança. Precisamos parar de falar sobre ele como se fosse um ser do espaço sideral. Ele foi feito neste planeta como o resto de nós.

ALI ABBASI: Você pode interpretar como o surgimento de um monstro, mas também também há outra versão, que é essa tragédia humana: haveria outras possibilidades para essas pessoas se todo o seu universo não fosse reduzido a vencer e conquistar?

JEREMY STRONG: Eu entendo 100% como uma tragédia humana, da mesma forma que via "Succession" como uma tragédia do capitalismo tardio. Na época da série, estávamos em uma festa na casa de Adam McKay (produtor de "Succession") na noite da eleição em 2016, e tivemos nossa primeira leitura de mesa na manhã (seguinte). Então Trump foi eleito, e isso mudou todo o conteúdo da série e a maneira como ela falava com o país. Há uma ideia em que penso muito que se aplica a ambas as coisas, algo que Jung disse: "Onde o amor está ausente, o poder preenche o vácuo".

O que é emocionante sobre esse filme é que ele toca no terceiro trilho de todas essas coisas, o que poucos trabalhos fazem hoje em dia, francamente. O mundo está pegando fogo, e parece que muitos dos nossos negócios se voltam cada vez mais para o conteúdo de dobrar roupa e coisas que são relativamente seguras.

Algumas pessoas, sem ver, acusaram o filme de "humanizar" Trump. Qual é sua resposta a isso?

STRONG: É um interrogatório e investigação humanística desse tipo de pessoa. Ali não está fazendo "O Grande Ditador" — não é uma farsa, não é um desenho animado. Estamos tentando segurar um espelho para este mundo e esses indivíduos e tentar entender como chegamos aqui.

ABBASI: Acho que é perigoso começar a pensar: "Ah, você humaniza alguém demais". Por que isso seria um problema?

Em filmes independentes, sempre há o risco do trabalho não ser amplamente visto. Este é um caso incomum em que um indie de alto perfil corria o risco de nunca ser visto.

ABBASI: Há alguns meses, quando as pessoas diziam que havia uma chance de não ser exibido, fiquei bravo. Pensava: "Ah, eles vão me roubar, vão vender e não me dar dinheiro". Sinceramente, não conseguia acreditar e ficava perguntando a pessoas diferentes: "Como isso é possível?". Venho do Irã e estou acostumado a ditadores e governos autoritários, mas sempre pensei que, seja qual for a falha na sociedade americana, a liberdade de expressão não é um dos problemas.

STRONG: Vivemos em uma época tão binária. Há um pensamento tão preto e branco e uma falha real em conter complexidades ou dualidades, e acho que isso é parte do que causa os problemas da nossa sociedade.

Embora o filme esteja saindo apenas algumas semanas antes da eleição presidencial, ele vem sendo desenvolvido há anos.

ABBASI: Tentamos fazer esse filme muitas vezes. Me lembro de uma tentativa logo depois de 6 de janeiro, era como olhar para uma quebra da bolsa de valores no dia seguinte: todo mundo dizia "Não, obrigado, não, obrigado". Finalmente, quando Jeremy entrou a bordo, finalmente pudemos ver o filme por completo.

STRONG: Em nenhum momento houve a intenção de lançar no meio de uma eleição. Não foi construído para isso. Nunca houve um plano para fazer disso um ato político ou uma granada de mão a ser lançada no meio da eleição. Acabou sendo, eu acho, incrivelmente fortuito que ele possa sair num momento em que tem o potencial de iluminar algo sobre o funcionamento interno desse homem, mas ele se sustenta apenas como um filme.

Sebastian, o que seus amigos e familiares disseram quando você contou que interpretaria Trump?

STAN: Minha mãe disse: "Pelo menos você vai se barbear". Mas eu perguntei a muitas pessoas sobre isso, na verdade. Um CEO de um estúdio me disse para não fazer porque eu iria alienar metade do país, e um diretor de elenco que eu respeito muito disse: "Não precisamos de outro filme sobre Trump, você nunca vai receber nenhum aplauso por isso". E havia outras pessoas dizendo: "Você vai se preocupar com sua segurança?" Mas, por algum motivo, toda vez que alguém dizia: "Não faça isso", me fazia querer fazer mais.

Cohn assume Trump como seu protegido, mas o filme sugere um componente sexual oculto no interesse do homem mais velho.

ABBASI: Se você olhar quem era o tipo de Roy, eram caras jovens, altos e loiros. Quer dizer, Donald Trump era basicamente o tipo dele. Agora, significa que foi por isso que eles se conheceram e desenvolveram um relacionamento? Não somente, não necessariamente. Jeremy vai me derrubar agora, mas parecia que ele era alguém que estava um pouco excitado pela ideia de amor impossível, e Donald, de certa forma, era um amor impossível.

STRONG: Não discordo de Ali sobre isso, embora eu estivesse interessado em explorar o que eu percebia como uma forma de amor bastante casta e platônica que existe entre homens, que é a amizade. Mas o que ele viu nele? Roy cultivou influência. Isso permitiu que ele se sentisse acima da multidão, e ele viu algo em Donald que o espelhava. Há também aquela ideia de que quando um aluno está pronto, um professor aparece. Eles simplesmente se encontraram naquele momento em que ele (Cohn) poderia ser Iago e soprar veneno em seu ouvido.

Ali, quando o filme estreou em Cannes e Trump ameaçou entrar com um processo, você disse: "Todo mundo fala que ele processa muitas pessoas, mas não falam sobre sua taxa de sucesso." Você pareceu despreocupado, mas como realmente se sentiu?

ABBASI: Aprendi uma lição quando fiz "Holy Spider", meu último filme. Eu sabia que seria controverso e não agradaria o governo iraniano, então um teaser saiu e o presidente do Parlamento disse que era uma blasfêmia. Você percebe que está lidando com forças muito maiores do que você como ser humano ou como artista, mas o que posso fazer? Vou pegar o próximo voo, falar com o presidente do Parlamento e dizer: "Não, não é uma blasfêmia"?

Assim, é como se estivéssemos cavalgando nas costas do dragão, gostando ou não. Além disso, acho que muito do que está acontecendo agora é uma reação impulsiva de pessoas que ainda não assistiram ao filme. Para mim, essa conversa se torna real quando o filme for lançado, quando as pessoas realmente o tiverem visto, quando Trump tiver visto. Eu estou superinteressado em saber o que ele pensa. Ele pode aprender alguma coisa. Não estou dizendo isso de forma condescendente, mas ele pode.

Embora o momento do lançamento seja tenso, quais são as vantagens dele sair tão perto da eleição?

ABBASI: Para mim, seria tão relevante em dezembro ou janeiro do ano que vem quanto é agora. Não acho que precisamos da eleição para nos tornar relevantes, mas fico animado de estar nas costas do dragão? Eu mentiria para você se disse que não.

STRONG: É uma exibição obrigatória para qualquer ser senciente que se importa com o que está acontecendo neste país, e acho que oferece uma visão vital, que pode mover a agulha de uma forma real. Neste momento em que estamos cercados por retórica de ódio e divisão, acho que a arte tem um lugar e o cinema tem um lugar.

STAN: Me preocupo que as pessoas estejam desesperadas por respostas e orientação. Elas querem que alguém diga como devem se sentir, o que é certo e o que é errado. Todo esse desconforto com o filme só reflete por que ele é importante: não é só o que você está aprendendo sobre Trump, é também o que você está aprendendo sobre si mesmo com Trump.

Me preocupa que a gente não esteja mais se aprofundando na forma como abordamos as coisas. Estamos apenas lendo páginas da Wikipédia. Se é isso que você vai fazer, então vai apenas flutuar entre o resto dos fantasmas do Natal passado. Mas o resto de nós, pelo menos, vai tentar chegar ao fundo de algumas coisas.

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