Sebo Casa Azul se despede das ladeiras de Olinda
Reduto cultural e literário da cidade anunciou o encerramento de suas atividades no último dia 5
“Literatura, encontro e lentidão”. Foi sob esse lema que no dia 7 de abril de 2017 nasceu o Sebo Casa Azul, espaço que durante três anos foi um bastião literário e cultural nas ladeiras do Sítio Histórico de Olinda. A casa anunciou o encerramento de suas atividades, em consequência da crise causada pela pandemia do novo coronavírus.
E como último ato do já saudoso estabelecimento, o jornalista, poeta e escritor Samarone Lima, responsável pelo lugar, promove um saldão de livros neste fim de semana apenas. As obras podem ser adquiridas no sebo - das 10h às 20h, no sábado, e de 10h às 15h, no domingo.
Além de reunir diversidade literária nas estantes, ao longo de sua trajetória, o sebo também abrigou a realização de diversos eventos artísticos e culturais na cidade histórica. A Casa Azul promovia saraus religiosamente todas as sextas-feiras. Também contava com uma programação sazonal de exposições de arte e fotografia, shows, peças de teatro e, claro, lançamentos de livro.
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“Antes da pandemia já dava pra perceber que as coisas estavam meio difíceis, mas a organização dos eventos viabilizava a casa”, relata Samarone. “Quando veio a pandemia e tivemos que fechar, percebemos que reabrir no novo formato pós-Covid, sem os encontros, fugindo até da proposta da casa, não teríamos como manter”, conta. Com o cenário atual, sem perspectiva para o retorno das atividades culturais que compunham a renda mensal do Sebo, Samarone tem que lidar com limitações no orçamento e sem condições de manter o espaço.
O mercado editorial brasileiro já amarga uma queda vertiginosa no número das vendas desde 2018, o que incidiu no pedido de recuperação judicial e no fechamento de grandes redes de livrarias. Elas foram ainda as mais diretamente afetadas do setor editorial pelo cenário de pandemia. Dados relatam que as livrarias tiveram queda de 70% nas vendas durante os meses de quarentena. Dados da última edição da Pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, o mais amplo estudo sobre o tema no País, realizado pelo Instituto Pró-Livro em 2020, revela que o Brasil perdeu nos últimos quatro anos mais de 4,5 milhões de leitores.
O baixo índice de leitura é uma das mazelas históricas do Brasil, e isso influencia diretamente na qualidade do debate público e da educação nacional. Historicamente, o livro no Brasil já é mal acessado e há certas especificidades do público de sebos, como a preferência em visitar os locais, fato que obstaculizou a atividade do empreendimento. “Eu não podia correr o risco de me endividar em um momento como esse que vivemos, então a decisão foi fechar”, explica o jornalista.
Fato é que o momento também não é dos mais favoráveis para os leitores. Desde meados de agosto tramita no Congresso Nacional a primeira parte da Reforma Tributária, um projeto de lei do Ministério da Economia que, dentre outros aspectos, propõe a volta da taxação do livro – com uma alíquota de 12%. Voltando a investigação do Instituto Pró-Livro,ela ainda demonstrou que a maioria da população segue dando preferência à leitura de papel (67%), em detrimento do formato digital. Caso a proposta do governo seja aprovada e essa isenção de contribuição deixe de existir, consequentemente, o valor das obras para o consumidor se tornaria mais alto.
Um dos argumentos do Ministro da Economia Paulo Guedes, numa leitura muito própria, para a taxação dos livros é que o mesmo é um artigo de luxo, logo quem adquire pode arcar com os altos custos do produto. Pois bem, a mesma ‘Retratos da Leitura’ também demonstrou que cerca de 27 milhões de brasileiros das classes C, D e E consomem livros, contrariando tal tese. Em artigo publicado na Folha de São Paulo, o fundador da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz, pontua que na última Flup (Festa Literária das Periferias), os dados foram ainda mais eloquentes: do público total do evento, 97% se declararam leitores frequentes de livros, 51% têm entre 10 e 29 anos, 72% são de não brancos e 68% pertencem às classes C,D e E.
Principal ferramenta de acesso e disseminação de informação, conhecimento, cultura e transformação social, os livros não podem ficar restritos a uma suposta elite, para dessa maneira colaborar com o agravamento da enorme discrepância social que já vigora no país. É falsa a noção de que as classes mais baixas não se interessam por leitura, e todos que querem ler, deveriam ter o direito de escolha sobre o que vão ler. Aumentando o custo das obras, afasta-se toda uma geração de leitores da simples possibilidade de escolha sobre o que ler.
Talvez por isso, a importância de sebos na cidade seja tão grande e o porquê do anúncio da despedida da Casa Azul causar tanta comoção nos poetas, escritores, colecionadores e antigos frequentadores do espaço, além de atrair uma gama de novos clientes. “Foi uma repercussão muito grande e foi uma decisão muito acertada porque 90% das pessoas que vieram depois que reabrimos não conheciam o sebo”, conta Samarone. “E isso tem sido fundamental, porque se fosse no funcionamento normal, já estaríamos numa situação complicada”.
Com uma carência nesse setor, Olinda acolheu a Casa Azul de braços abertos. “A cidade foi muito receptiva. No balanço final, valeu muito a pena! Foram três anos muito intensos. O meu sentimento é de gratidão”, despede-se o poeta. Porém, engana-se quem pensa que o fim desse ciclo afastará Samarone dos livros. “Agora, vou voltar a escrever mais, continuar me dedicando aos livros”, conclui. A conta no Instagram (@sebocasaazul) continua como um espaço literário afetivo e canal de divulgação dos cursos do escritor.
Sebo da Torre recorre ao on-line
Descentralizando o comércio de livros usados na Cidade, na Zona Oeste, há 15 anos está o Sebo da Torre. Vanguardista da atividade de vendas de livros o-nline, Amauri Mapa, o proprietário, logo enxergou a internet uma grande ferramenta de auxílio para sua atividade.
Mapa realizou a primeira venda do prestigiado site Estante Virtual. Mesmo assim, no período da pandemia, o livreiro se surpreendeu com a força do ambiente digital. “Observei que as minhas vendas na internet aumentaram bastante e conseguiram suprir a ausência do cliente físico”, relata. De acordo com Amauri, seus 3 melhores meses de venda foram durante a pandemia e as vendas on-line aumentaram quase 50%.
Com a quarentena, todas as vendas se concentraram no espaço virtual. “O comércio do País estava fechado, então a alternativa desse pessoal foi o ambiente digital. Eu percebi que eu vendi livros que, normalmente, eu não vendia porque são publicados nos sebos das suas localidades”, explicou o sebista. Amauri também começou a atender por Whatsapp. “O WhatsApp não encanta tanto o consumidor do sebo porque perde-se um pouco da descoberta da visita ao espaço”, esclareceu.
Mesmo conseguindo se manter equilibrado durante um período tão difícil, Mapa tem ciência da dificuldade que é manter o negócio viável. “Eu me mantenho porque eu trabalho sozinho e o imóvel é próprio, aqui é a minha casa, então o custo é menor, mas não é um negócio fácil”. O livreiro cita o fechamento do maior sebo do Recife, o Brandão, e o sumiço das livrarias de rua como sintomas da complexidade do ramo. Fechado desde março, o Sebo da Torre se prepara para a reabertura gradual a partir da segunda quinzena de outubro.
Em um recente Manifesto em Defesa do Livro diversas associações do setor como a ABDL (Associação Brasileira de Difusão do Livro), a ANL (Associação Nacional das Livrarias), a CBL (Câmara Brasileiro do Livro) lembram também um fator muito importante: restringir o acesso aos livros a longo prazo impacta diretamente no desenvolvimento intelectual de seus cidadãos, afinal de contas, o que é a realidade senão a leitura que fazemos dela?