Sérgio Mallandro volta aos cinemas e relembra perrengues: "Fiz show com mais cachorros que pessoas"
"Mallandro: o errado que deu certo" chega às telas contando a história de Sérgio Mallandro
Em suas pouco mais de quatro décadas de carreira, Sérgio Mallandro, de 68 anos, já viveu de tudo um pouco.
Fez sucesso no cinema, na TV e na indústria musical, estrelou clássicos como “Lua de cristal” e vendeu milhões de discos com hits como “Vem fazer glu-glu”.
Na televisão, viu gerações crescerem. Mas também passou por momentos de crise. Contraiu dívidas e perdeu espaço na tela. Para se manter em evidência, mais uma vez, fez de tudo um pouco.
Pegou qualquer oportunidade que passava pela frente, do circo no interior à participação num reality show. Hoje, vive um novo momento em sua trajetória. Comanda um podcast de sucesso, o “Papagaio falante”, e lota teatros com o stand-up “Mallandro: o errado que deu certo”.
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A partir do show de humor, e da vontade da produtora Gláucia Camargos e do distribuidor Bruno Wainer, da Downton Filmes, que cobrava do artista uma volta ao cinema, Mallandro decidiu levar a história do stand-up para a tela grande. O resultado pode ser visto a partir de quinta-feira nos cinemas. Com direção de Marco Antonio Carvalho, “Mallandro: o errado que deu certo” acompanha Serginho Mallandro em busca de reinvenção. Após ser eliminado de um reality e cheio de dívidas, ele faz um teste para um novo programa de auditório. Querendo chamar a atenção dos responsáveis pelo programa, acaba se arriscando numa pegadinha, se vendo entre a vida e a morte.
— É um filme com fatos reais e um pouquinho de ficção — brinca Mallandro.
Em entrevista ao Globo, o ator, comediante e apresentador fala sobre a emoção de ver seu novo filme nas telas, sobre as dificuldades que passou e sobre o atual momento profissional. A seguir, os principais pontos da conversa.
Em cartaz nos cinemas
“Muito do que está no filme são coisas que aconteceram comigo. Mostra momentos difíceis da minha vida e como eu me reinventei, como voltei a ser o Sérgio Mallandro. Quando me falaram que eu ia filmar todos os dias, quase 35 dias sem parar, eu fiquei muito feliz, mas também foi muito difícil, porque sou um cara que dorme muito tarde. De manhã, eu não funciono. Aí, quando fui fazer o filme, tinha que acordar 6h da manhã. Mudei todo meu cotidiano em prol do filme, mas valeu a pena. Vem aí com certeza o ‘Mallandro: o errado que deu certo 2’. Se prepara, meu glu-glu. E vai vir o Oscar. Eu sonhei que recebia o Oscar. Só não sei se era o Troféu Imprensa.”
‘Eu era um cara da praia’
“Quando comecei a fazer cinema, eu nem era artista, era um cara da praia. Eu era brother do André De Biase e ele me indicou para fazer ‘Menino do Rio’ (1982). Ele falou para o (diretor) Antônio Calmon me dar uma oportunidade, disse que eu era um folclore da praia, que falava muitas gírias. E deu certo. Depois que eu já era um artista mais conhecido, fazia ‘O povo na TV’ e era jurado do Silvio Santos (no ‘Show de Calouros’), o Renato Aragão, no período em que separou dos Trapalhões, me chamou para ser meio que um outro Trapalhão em ‘O Trapalhão na Arca de Noé’ (1983), que foi um marco na minha carreira. Aí eu fui fazer ‘Garota dourada’ (1984) e ‘As aventuras de Sérgio Mallandro’ (1985). Eu estava na pegada do cinema. Depois, fiz ‘Lua de Cristal’ (1990), ‘Sonho de verão’ (1990) e ‘Inspetor Faustão e o Mallandro’ (1991).”
‘Perdi tudo’
“Eu saí do ar em 1996 e fiquei três anos fora da TV, em uma época em que, se a televisão não te contratasse, você não tinha para onde correr. Hoje, com as redes sociais, o artista é mais independente, tem mais oportunidades. Quando eu saí do ar, comecei a vender todo meu patrimônio. Perdi tudo que tinha juntado entre 1982 e 1995. Nesses três anos fora do ar, precisei vender tudo. Vendi minha casa de Búzios, casa aqui, casa lá, apartamento. Fui perdendo, fui perdendo, até que de repente eu vi que eu tinha R$ 7 na conta.”
‘Comecei a chorar muito’
“Quando um oficial de justiça bateu na minha porta para levar o meu último carro, ele me reconheceu, ficou surpreso e me disse que eu era ídolo do filho dele de 9 anos, que estava com câncer. Eu pedi para ele esperar e fui buscar um presentinho para ele. Achei um bonequinho que fazia glu-glu e dei para ele. Ele ficou sem jeito, perguntou: ‘Como vou levar seu carro embora?’ Mas eu disse que não era para confundir as coisas, que era para ele fazer o trabalho dele. Quando ele desceu a ladeira da minha rua com o carro, eu comecei a chorar muito. Mas não era porque estava levando o meu carro. Foi porque eu percebi que, dentro da minha casa, eu tinha os meus três filhos saudáveis. Percebi que não tinha problemas, mas apenas obstáculos. Problema é chegar no hospital e o médico falar que você vai perder a pessoa que você ama. Boleto pra pagar, geladeira vazia, briga com a esposa são obstáculos. Eu só tinha o obstáculo de ter que voltar a ser um artista.”
Sem plano B
“Nunca pensei em ir trabalhar num banco, num escritório. Nos meus momentos mais difíceis, fazia shows no interior do interior do interior. Teve uma vez que eu fui fazer um show num circo, no interior, que tinha mais cachorro do que pessoas. Eu sou um artista. O que eu sei fazer é isso, é contar histórias. Vou contar histórias nem que seja na rua. Eu estudava no Colégio Padre Antonio Vieira e, chegava na hora do recreio, eu ficava contando um monte de história. Chegava na praia e de repente tinha 20 pessoas ao meu redor ouvindo as histórias. Eu dava churrasco em casa e não colocava música, porque eu gosto de ficar falando com as pessoas. Eu não sou um produto inventado, eu sou isso aí.”
Xuxa, Zico e cia.
“Coloquei meus grandes amigos participando da minha história. Xuxa é uma grande irmã. Ela fez uma participação maravilhosa no filme. Coloquei ela para abrir a ‘Porta dos desesperados’. Quando ela aparece, as pessoas dão uma suspirada no cinema. Ela tem uma luz muito forte. Chamei também o Zico, que é o meu ídolo, Nanny People, Lúcio Mauro Filho e muitos outros.”
Para rir e chorar
“Não é um filme apenas para se divertir, mas também para se emocionar. Também serve como motivação. O filme mostra como você pode não desistir das suas coisas. O homem não morre, meu glu-glu, quando deixa de existir, ele morre quando deixa de sonhar. Vamos sonhar, meu ié-ié, a vida é um sonho.”
Bordões
“O glu-glu, ié-ié, para mim, é uma medalha, um marco. Nunca me incomodou (ficar preso nisso). Já fiz centenas de comerciais e sempre me pedem para usar os bordões, já vêm no roteiro. Não tem como eu achar isso ruim.”
Origem do glu-glu
“Em 1981, a RCA me chamou para gravar a música ‘Mas que ideia’, que era versão de uma música italiana (‘Ma quale idea’, de Pino D’Angiò). Aí, me falaram: ‘Do outro lado (do disco) você coloca qualquer coisa’. Eu nunca gostei dessa coisa de fazer versão, nunca gostei de copiar ninguém. Aí, uma vez, eu estava no aeroporto, vi uma aeromoça e falei: ‘vem meu amor, vem meu xuxu, vem bem pertinho’, aí não sabia bem o que falar e falei, ‘vem fazer glu-glu’. Virou essa música que lancei em 1982 e vendeu um milhão de discos. Aí nasceu o glu-glu, que tinha um duplo sentido, mas que a criançada abraçou. Acabei criando uma relação com o público infantil e fiquei na casa das pessoas fazendo programa para crianças por uns dez anos. Mas não foi de propósito, aconteceu por acaso.”
Patrono em universidades
“No período em que fiquei fora do ar, bati em várias portas até que uma se abriu, na CNT Gazeta, em 1999. Fui recuperando as minhas coisas na marra. Fiquei lá por cinco ou seis anos e fui me reinventando. Comecei a fazer as pegadinhas e inseri as malandrinhas no programa. O que aconteceu na minha carreira foi que o meu público foi crescendo e eu fui acompanhando. Aquele público infantil virou um público universitário. Fui patrono em várias universidades pelo Brasil, fiz muitos shows para universitários. Aí eles começaram a casar. E comecei a fazer shows em casamentos, com o sogro saindo da ‘Porta dos desesperados’. Aí eles começaram a ter filhos e ficar mais velhos, e foram para o teatro. Em 2009, comecei o stand-up comedy e não parei mais.”