Logo Folha de Pernambuco

Cinema

Série sobre músicos nordestinos perseguidos pela ditadura disputa o Emmy 2023

"O Silêncio que Canta por Liberdade" conta as memórias de 33 vítimas da censura

Série "O Silêncio que Canta por Liberdade" disputa o Emmy 2023Série "O Silêncio que Canta por Liberdade" disputa o Emmy 2023 - Foto: Divulgação

Quase quatro décadas depois do fim da ditadura militar, o período de maior repressão da música nordestina é revisitado na série “O Silêncio que Canta por Liberdade”, idealizada pelo produtor cultural Omar Marzagão, o herdeiro do Festival Internacional da Canção Popular (FIC), junto com a atriz Úrsula Corona, que também assina a direção. O audiovisual entra na disputa pela categoria de melhor documentário do prêmio Emmy Internacional de 2023, cujos finalistas serão conhecidos em setembro.

Em 1964, o Brasil sofreu um golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart, que governava sob o regime socialista. Após sua destituição, o país ficou sob o comando de uma ditadura militar que durou até 1985. Essas duas décadas foram marcadas por forte censura à mídia, que logo se espalhou também para a indústria do entretenimento. Acreditando que suas músicas iam contra os valores nacionais e incitavam o comunismo, compositores e intérpretes da música oriunda do Nordeste brasileiro foram perseguidos, presos e torturados e até levados ao exílio.

Série documental
Em oito episódios gravados na Bahia, no Ceará, na Paraíba e em Pernambuco, “O Silêncio que Canta por Liberdade” mergulha nas memórias de 33 músicos perseguidos pelo regime opressor. Trata-se de personagens que não prestaram depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), que teve o seu retorno anunciado recentemente pelo Governo Brasileiro.

O elenco principal do filme é composto por Moraes Moreira (1947-2020), Gal Costa (1945-2022), Gilberto Gil e José Carlos Capinan, representantes da Tropicália, o movimento artístico surgido na década de 1960 durante da ditadura militar, que despertou a consciência política na Música Popular Brasileira, por meio de uma discografia que protestava contra a realidade vivida. Também participam da série Ednardo, Chico César e Alceu Valença além do cineasta Cacá Diegues.

O primeiro episódio reúne relatos sobre as diferentes formas de torturas físicas e psicológicas sofridas por músicos que protestavam em discos e em apresentações nos concursos musicais em festivais e na televisão contra o sistema vigente. Os depoimentos também se aprofundam na discriminação regional da ditadura, em especial contra a produção musical de artistas oriundos da região Nordeste do Brasil.

Isso em um período em que grandes cantores, compositores e instrumentistas nordestinos ascendiam para todo o país, como o cantor, compositor e sanfoneiro pernambucano Luiz Gonzaga e do cantor, compositor e multi-instrumentista paraibano Jackson do Pandeiro.

A série também discute a influência dos povos africanos na formação da música brasileira. Músicos como Gilberto Gil, oriundos do estado da Bahia, tema do segundo episódio, relembram o racismo perpetuado pela ditadura brasileira. No terceiro episódio, ainda sobre a Bahia, esses artistas também contam histórias inéditas e corajosas sobre o uso de figuras de linguagem, para conseguir autorização da censura da época para gravar, tocar e distribuir a música afro-brasileira de protesto.

As metáforas possibilitaram que os músicos expressassem suas opiniões acerca do contexto vivido sem colocar em risco suas obras. Mesmo assim, algumas composições consideradas subversivas foram impedidas pelos militares brasileiros de serem musicadas.

Já no Ceará, o quarto episódio registra casos de músicos que não deixaram de manifestar seu descontentamento contra as barbáries da época apesar de estarem submetidos à prisão. O quinto episódio se concentra nos embates enfrentados por diferentes manifestações da música popular de Pernambuco, que influenciaram a cultura brasileira, sob a regência de Luiz Gonzaga.

O “Woodstock Nordestino”, uma celebração à música experimental psicodélica, que se opõe aos costumes conservadores da ditadura, é tema do sexto episódio. É como ficou conhecido o evento estudantil Feira Experimental de Música, sediada no enorme teatro ao ar livre Nova Jerusalém, localizado no distrito de Fazenda Nova, município de Brejo da Madre de Deus, a 202 km do Recife.

A resistência dos artistas da Paraíba ganha espaço no sétimo episódio. A narrativa captura a tomada dos espaços públicos como um ato de resistência, que culminou no nascimento da identidade da música nacional paraibana.  O último episódio da série promove o encontro da geração que viveu a ditadura militar e a nova geração de artistas nordestinos. 

O seriado entrevistou povos indígenas, que também foram perseguidos pelo sistema opressor, ao refletir sobre o impacto da riqueza musical de origem indígena na diversidade da música popular brasileira. “O Silêncio que Canta por Liberdade” é assinada pela Sete Artes Produções e tem trilha sonora do cantor, compositor e instrumentista Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha e neto de Luiz Gonzaga.

Sobre Omar Marzagão
Omar Marzagão é produtor cultural atuante na indústria criativa há mais de 20 anos. Foi forçado a fugir do Brasil ainda durante a infância em 1971 de mudança com a família para o México, onde mais tarde iniciou a carreira como produtor da novela “Maria do Bairro”, exibida pela Televisa, a maior rede de televisão do México.

É filho de Augusto Marzagão, vice-presidente da Televisa por 20 anos, entre as décadas de 1971 e 1991, e criador do Festival Internacional da Canção Popular (FIC), concurso anual que premiava as melhores músicas brasileiras e estrangeiras, realizado no Rio de Janeiro entre 1966 e 1972 com transmissão nacional da TV Globo. Os candidatos brasileiros aproveitavam as apresentações no festival para protestar contra a ditadura militar.

Omar Marzagão idealizou e produziu o concerto-tributo no Carnegie Hall, em 2017, que homenageou a sala de espetáculos nova-iorquina que abrigou o show original que lançou a Bossa Nova para o mundo em 1962. O profissional é diretor para a América Latina da World Cities Culture Forum (WCCF), organização criada pela cidade de Londres, que compartilha pesquisas e inteligência com líderes de 32 cidades-chave para embasar políticas e explorar o papel vital da cultura para grandes centros urbanos.

Sobre Úrsula Corona
Úrsula Corona é diretora e roteirista especializada em documentários sobre a música popular brasileira. Como artista, iniciou a carreira de atriz aos oito anos de idade, possui mais de 15 trabalhos em novelas e programas ficcionais na televisão brasileira, tem passagens pela emissora brasileira TV Globo e as portuguesas SIC, TVI e RTP.

Úrsula Corona já foi jurada do Emmy Internacional em 2020 e acumula personagens em duas telenovelas vencedoras dessa premiação: “Ouro Verde” (TVI / 2018) e “O Astro” (TV Globo/2012).

 

 

 

Veja também

''Você pode tirar todo o resto de mim. Nada mais importa'', diz Angelina Jolie sobre maternidade
DECLARAÇÃO

''Você pode tirar todo o resto de mim. Nada mais importa'', diz Angelina Jolie sobre maternidade

Circo Experimental Negro apresenta a 2ª edição da mostra DNA Afro
arte circense

Circo Experimental Negro apresenta a 2ª edição da mostra DNA Afro

Newsletter