"Sex and the city": entenda por que jovens estão obcecados pela série, com memes e problematizações
Novo olhar sobre a produção traz implicância com Carrie e Samantha como 'loba', além de elogios por pioneirismo
As aventuras amorosas de quatro amigas nova-iorquinas na virada do milênio são um dos assuntos do momento entre jovens dos anos 2020. Vinte e seis anos após sua estreia na televisão, “Sex and the city” volta à pauta.
Desde o início deste mês, quando todas as seis temporadas da série (produzidas entre 1998 e 2004) chegaram à Netflix, ela não para de gerar debates, problematizações e memes, dando novo fôlego aos dramas de Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda.
Boa parte do hype vem de novas espectadoras, algumas sequer nascidas quando a série acabou (ela gerou dois filmes, em 2008 e 2010, e um reboot, “And just like that...”, de 2021). Para estas jovens da Geração Z, o contraste comportamental é fonte de surpresa e diversão.
Já o público na faixa dos 30, a Geração X (ou millennials), revê a série, disponível na Netflix, com outro olhar. Agora na mesma faixa etária das personagens, estas mulheres se identificam com as vivências retratadas, como encontros que dão errado e o difícil equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional.
É o caso da produtora de conteúdo Carol Barreiros, de 30 anos, de Belém. Após ter esnobado a série na adolescência, ela voltou a assistir a “Sex and the city”. Desta vez, ficou obcecada. Carol viralizou com um vídeo de humor que imagina como seria a produção na São Paulo de hoje. Tem até uma lista de lugares onde tomaria um Cosmopolitan, drinque popularizado pela série, como se fosse uma Carrie Bradshaw da Avenida Paulista.
— Agora bate diferente para mim, porque as questões delas são as das mulheres de 30 anos em grandes cidades — diz Barreiros, que reside há sete anos em São Paulo. — As pessoas ao seu redor estão casando e tendo filhos, enquanto você continua solteira. Se a gente abrir o TikTok agora, vai encontrar mulheres refletindo sobre o que elas enfrentam na série.
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A influencer e historiadora Debora Salvi, da arroba @Deborista, é outra que percebe esse sentimento em conversas com amigas.
— Quando eu era adolescente eu só achava as personagens engraçadas e fúteis. Agora eu penso: “putz, já passei por isso”. Coisas como sair com um cara mais novo, com menos de 30 anos, e a casa dele ser uma porquice. Ou começar a namorar e o cara não querer suas coisas na casa dele. São coisas pequenas, mas recorrentes na vida de uma mulher da minha idade — diz Salvi, de 29 anos. — Eu nem consigo ver muitos episódios seguidos de tanto “gatilho” que dá.
Homem problemático
Enquanto millennials se veem refletidos nas histórias, seus sucessores, os zennials, tiram sarro. Algumas antigas críticas à série voltaram com força, como a falta de representatividade racial e supostos preconceitos com a bissexualidade. Além disso, a obsessão das personagens por transar, aliás, é motivo de piada entre a Geração Z — faixa etária que, de acordo com diversas pesquisas, se interessa bem menos por sexo do que as anteriores.
Mas não para por aí. O público na faixa dos 20 anos não romantiza mais as idas e vindas de Carrie com Mr. Big, seu mais frequente par romântico. Pelo contrário: definem a relação como “tóxica”. Carrie, por sinal, é tema de muitos memes que a criticam por passar o tempo todo “correndo atrás de homens”, mas também por seu egocentrismo e consumismo.
A onda anti-Carrie é tamanha que a criadora de conteúdo Hana Khalil (@khalilhana) criou um vídeo, publicado na quinta-feira (25), no qual contextualiza a personagem para novos fãs (ou seriam haters?). “A Carrie é egoísta, autocentrada, uma péssima amiga, e é por isso que ‘Sex and the city’ é demais. (...) Certas narrativas servem para refletir e não para idolatrar”, diz.
A implicância com a protagonista estaria ligada à velocidade com que as novas gerações assistem a séries e filmes, de acordo com a socióloga Ana Carolina de Oliveira, de 30 anos. Para a pesquisadora de gênero do Iesp-Uerj, os zennials não conseguem mais acompanhar a lenta evolução das personagens. No caso, as protagonistas de “Sex and the city” foram ficando mais complexas ao longo das temporadas.
— Espera-se de heroínas femininas sempre um comportamento de retidão, na qual ela é uma fortaleza — diz Oliveira. — Acho que o fascínio pela Carrie, e principalmente em falar mal dela, acontece muito porque a Geração Z não tem paciência pra consumir a série toda. Ao longo de seis anos, as personagens mudam muito, erram muito. E se consertam muito também.
Ana Carolina de Oliveira, porém, diz que vê mais mulheres interessadas nos conflitos das personagens de “Sex and the city” e atentas à forma como elas constroem suas vidas amorosas, sociais e profissionais.
— Antigamente, escutava que era inadmissível gostar da série por ela representar um estilo de vida elitista, mas, quando você perguntava se a pessoa já tinha visto, a resposta era sempre não — diz a socióloga, que assiste à produção desde que era criança. — A série sempre esteve disponível no streaming, mas nunca as gerações mais jovens falaram ou se interessaram tanto quanto agora. Nesse sentido, é um fenômeno.
‘Não fosse a Samantha, já tinha parado’
Problematizando ou não, é fato que as zennials foram cativadas por Carrie e companhia. Muitos comentários nas redes reconhecem que a série estava à frente do seu tempo, especialmente pela liberdade como abordou a vida sexual das mulheres e outros temas ainda tabus no audiovisual da época. Mulher liberal, confiante, que namora homens — e mulheres — simultaneamente, Samantha é tratada como uma verdadeira “loba” pelos mais jovens.
— Para mim e minhas amigas, a figura mais “meu Deus, eu quero ser assim” é a Samantha — diz a estudante de Relações Internacionais Beatriz Corcino, de 23 anos, que começou a ver a série este mês e já está na terceira temporada. — Confesso que, se não fosse ela, talvez já tivesse parado, porque as outras personagens são meio chatas. Tem umas coisas problemáticas, mas fui assistir já esperando por isso. Sabia que era uma série sobre mulheres ricas em Manhattan, vivendo por futilidade, então consigo ver com certo distanciamento.
A roteirista Tatá Lopes, de 46 anos, está reassistindo todos os episódios de “Sex and the city” pela terceira vez. A carioca, que diz ter tido a sua personalidade formada pela série, lembra que as personagens são mulheres “arquétipas”. Samantha é a libertária; Charlotte, a romântica e conservadora; e Miranda, a racional e pragmática. Já Carrie seria uma mistura de todas as três.
— Mesmo que alguns temas não sejam mais tão relevantes para as novas gerações, como a busca pelo casamento, todas as mulheres podem se identificar com esses arquétipos femininos, todo mundo tem alguma coisa de cada uma — diz Tatá, que tinha a foto de Sarah Jessica Parker, a atriz que encarna Carrie Bradshaw, colada em seu closet. — Além disso, como elas são diferentes, cada uma das personagens está sempre aprendendo com a outra. Aliás, vendo a série hoje, fica claro como as mulheres evoluíram muito desde então, enquanto os homens continuam atrasados, com os mesmos problemas.
Aula de flerte analógico
Outra razão para o sucesso atual, acredita Tatá, é a série apresentar às novas gerações uma dinâmica de flerte e de encontro cada vez mais rara. Afinal, na época não existia aplicativo de relacionamentos nem redes sociais, e o primeiro contato costumava acontecer olho no olho, ao vivo.
— Outro dia flertei com um cara gato passeando com cachorro na rua e pensei: “Cadê isso? Onde estão as pessoas que antigamente flertavam em festa?” — diz a roteirista. — Por mais que tenha mudado a forma de paquerar, o ser humano ainda busca por encontro, e relacionamentos continuam difíceis. Esse desejo pela conexão permanece.
A atriz e roteirista Dadá Coelho, de 48 anos, tem uma visão menos entusiasmada com a série. Para ela, “Sex and the city” é “onde os problemas são resolvidos com sapatos que a gente não pode pagar”. Uma referência, é claro, à compulsão consumista de Carrie por calçados caros. A troca entre as amigas da série, aliás, não a impressiona.
— Sororidade eu via quando morava no Piauí numa casa com outras dez mulheres — diz Coelho. — O que a mulher pobre, preta e fora do padrão brasileira aprende com esse feminismo de elite?