"Super Mario Bros" virou poesia: morte da mãe do autor gerou livro que mistura narrativa tradicional
O premiado irlandês Stephen Sexton escreveu "Se o mundo e o amor fossem jovens"
O jogo literário do poeta irlandês Stephen Sexton começou quando ele tinha 23 anos.
O ano era 2012 e, depois de perder a mãe para um câncer, ele foi se refugiar em fotografias antigas quando descobriu uma imagem sua, bem menino, jogando Super Nintendo no quarto de hóspedes em sua casa, na Irlanda do Norte.
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O clique foi feito pela mãe: o garoto, de costas, mantinha atenção redobrada em uma tela de Super Mario World, fenômeno da década de 1990.
Mas o flash, disparado contra o vidro da televisão de tubo, deixou a tela em branco, e era impossível determinar seu progresso no jogo. Em qual fase ele estava?
Já em 2019, Sexton vence o Foward, o mais importante prêmio para jovens poetas da Grã-Bretanha, com “Se o mundo e o amor fossem jovens”, publicado agora no Brasil pela editora Círculo de Poemas com tradução de Ana Guadalupe.
O título do livro evoca um poema do explorador inglês Sir Walter Raleigh (1552-1618), “The Nymph’s reply to the shepherd”, écloga que mostra uma ninfa tentada a viver com um pastor, mas atormentada pelos obstáculos que o amor proibido reservará aos dois.
Esmero
Em seu livro, Sexton traz elementos característicos da poesia pastoral inglesa — a natureza bucólica, os sentimentos rocambolescos e vastos, as paisagens carregadas de emoção — para ambientar cenários pixelados, típicos de videogames.
O esmero em dar um contorno factível para um mundo imaginário é resquício do que foi feito em um de seus primeiros plaquetes, “Oils”, que o autor escreveu inspirado em pinturas famosas, como o céu estrelado criado pelo holandês Vincent Van Gogh (1853-1890).
A iminência da morte nos jogos de videogame é um ponto trazido pelo autor. A vida, extremamente frágil, pode ser levada em questão de segundos por uma rajada de vento ou um comando errado.
No primeiro bloco de poemas, “Yoshi’s Island”, Sexton narra um mundo em erupção, onde as planícies queimam e as “montanhas cedem ao cenário e tristemente há beleza”.
Neste lugar, claro, surgem os elementos clássicos do jogo do Super Mario: plantas carnívoras autônomas, lava e dinossauros — o próprio Yoshi, mas sem a tez simpática criada pelo designer gráfico Shigefumi Hino, da Nintendo.
No caminho do eu-lírico pela ilha de Yoshi, tudo é pixelado.
O heroico protagonista está entorpecido, com uma névoa onipresente em suas paisagens. Adiante, em “Donut plains”, Sexton faz menção à geografia de seu país — que, segundo ele, se assemelha a uma rosquinha mordida.
As lembranças, ora doces, remetem a um passado distante familiar. Mas amargam quando a figura da mãe debilitada surge, como em “Donut Secret 2”:
“Seu cabelo está ralo e a cirurgia será discutida enquanto máquinas limpam a neve das grandes artérias”.
Adiante, no bloco “Forest of illusion”, Sexton faz referência a um ser criado por J. R. R. Tolkien (1892-1973) no primeiro poema:
“A língua que as árvores falarem no templo da floresta: a mancha que parece um olho de um só lado do salgueiro”.
O “ent”, árvore com traços humanos e inteligência secular, é apenas um dos monstros que figuram em seu livro.
Em determinado momento, surge também a figura mitológica japonesa do Kappa, o homem peixe perigoso que também é associado a um demônio, muito popular em mangás.
Em “Se o mundo e o amor fossem jovens”, cada bloco de poemas é construído como se fosse a fase de um jogo.
Nesta lógica, conforme o fim se aproxima, a dificuldade (também para o leitor) aumenta. Os caminhos são mais tortuosos e a atenção periga se dissipar entre tantas citações literárias e artísticas.
Sexton não chega a ser pedante, mas gasta o verbo indo de Petrarca a Shakespeare, de Albrecht Dürer a Goya, de Dante Alighieri, e seu inferno, a Charles Baudelaire, passando por Rainer Maria Rilke, Anne Sexton, John Keats e grande elenco — todos devidamente creditados no fim do livro, com os sinceros agradecimentos do autor.
Para vencer todas as fases do Super Mario e estrelar no pódio da poesia, Sexton contou com o luxuoso auxílio de suas referências.
Ao colocar em pé de igualdade a observação frugal de ondas no mar com o sentimento estupefato de contemplação de paisagem icônicas, como o Grand Canyon, nos EUA, estes poemas, escritos em dois meses, mostram que só a dor é capaz de impressionar um homem.
E haja fôlego para tanto.