Tarantino fala sobre violência nos EUA: 'Não precisamos de tantas armas, mas eu tenho uma pistola'
Em turnê de divulgação de seu livro na Europa, o cineasta americano fala sobre o debate sobre o armamento
No domingo (9), Quentin Tarantino reuniu 1.500 pessoas fãs entusiasmados no teatro Coliseu, em Barcelona, para falar sobre seu livro "Meditações sobre Cinema". O cineasta americano está em maio a uma turnê europeia de divulgação do livro, que terminará em Berlim. Após festejar o sucesso da noite no teatro Coliseum, emendando num bar até altas horas, o cineasta apareceu um pouco cansado, mas satisfeito para a entrevista com "El País".
Sua presença, com aquele rosto forte e de traços icônicos, é imponente: afinal, Tarantino é o homem que filmou algumas das cenas mais marcantes do cinema recente e dirigiu muitos dos mais populares atores. Na entrevista, ele fala sobre seu próximo (e último?) filme, sua relação com o cinema, a questão de armas nos EUA e a violência em seus filmes e no clássico infantil "Bambi", da Disney.
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Confira entrevista:
Como foi a experiência de ontem?
Muito divertido! Você estava? Sim? Você gosta de mim? Estou muito feliz em ouvi-lo. Foi genial. Eu amei!
Nos preocupa muito o fato de que você vai parar de fazer filmes. Depois do filme que está produzindo sobre um crítico de cinema, não vai ter mais outro?
Essa é a intenção.
Não teremos um filme seu de ficção científica? Falta esse gênero.
Possivelmente não. Mas vamos deixar passar um tempo.
Você tem uma boa katana? Uma espada de samurai, certo?
Tenho, sim, são as que guardei de Kill Bill.
A coisa sobre as espadas vem do fato de citar Steve McQueen em seu livro? Você elogia muito ele, especialmente por Bullitt e La huida. Por mais que só leia revistas sobre carros, as armas que seus personagens carregam também é uma preocupação?
Sim, ele era um especialista em armas. Escolher a arma certa é muito importante em um filme de ação.
O que você prefere: uma katana, uma Magnum 44, espingarda serrada, metralhadora Gatlin usada por Warren Oates ou um lança-chamas?
Em geral, no cinema moderno, quando tenho que escolher uma arma, uso uma 9 mm, porque parece uma pistola automática 45, mas não emperra.
O que você acha do acidente de Alec Baldwin no set de 'Rust', que acabou tirando a vida de Halyna Hutchins?
Foi uma tragédia. Não sei como isso pode acontecer. Nas filmagens, existem muitas medidas de segurança. Somos muito cuidadosos.
Qual é a sua posição no debate sobre a posse de armas nos Estados Unidos?
Há sempre os dois lados. Certamente não precisamos de tantas armas automáticas quanto existem. Deveria haver leis mais precisas, mas eu tenho uma arma em casa.
Uma pistola?
Sim, para proteção.
Há alguns anos o pai de Uma Thurman, um promotor do budismo tibetano nos EUA, amigo do Dalai Lama e ex-monge, defendeu seu tipo de cinema e disse que devemos distinguir entre a violência real e aquela na tela. Qual a sua opinião?
Robert, sim. Eu não posso falar melhor do que isso. Não existe violência real nos filmes.
Você está cansado do debate sobre violência em seus filmes?
Sim, muito. Na verdade, espero que você pare de perguntar sobre isso (risos).
Mas você fala sobre a insuportável violência de Bambi em seu livro, como isso o perturbou, e ontem tocou no assunto também.
Bambi… horrível. E quando eu disse isso, o público reagiu mostrando que sabia exatamente do que eu estava falando. Grande parte da minha geração ficou muito traumatizada com o filme. Todo mundo se lembra disso.
Você fala muito em seu livro sobre "Amargo pesadelo", de John Boorman, que tem uma cena de estupro selvagem de um dos protagonistas.
A análise desse filme é uma das minhas partes favoritas do livro.
Como você teve a ideia de matar Hitler em "Bastardos Inglórios"?
Boa pergunta. Eu estava escrevendo o roteiro e me vi com um certo bloqueio. Eu estava pensando: “Ok, parece que os bastardos e a resistência vão conseguir o que querem, e agora?” Eu não sabia como continuar e nenhuma ideia estava surgindo. Então pensei: “E se eu apenas acabar com Hitler e o matar?” Eu disse a mim mesmo: "Posso fazer isso?" E eu me respondia: “Claro, o filme é meu, eu faço o que eu quiser”. Então, escrevi a ideia em um pedaço de papel e, vendo-a na manhã seguinte, decidi: "Aqui vou eu".
Como você consegue realizar um clima de tensão nessas sequências tão características, como a da taverna La Louisiane em "Bastardos Inglórios" que termina em um grande tiroteio?
Não sei como explicar, acho que eu tenho talento para isso. Para mim é fácil criar essas situações em que os personagens começam a falar e as coisas se encaixam e há um clímax. Você joga a ideia para os atores e eles a pegam.
Qual é o seu momento tenso favorito?
No cinema? Aquele com a fazenda no início de "Bastardos Inglórios" . Com o oficial nazista Hans Landa conversando com o dono da fazenda que esconde judeus debaixo da casa.
O humor desempenha um papel importante na sua criação. Um momento inesquecível a esse respeito é o dos patéticos cavaleiros Klu Klux Klan em "Django Livre" . A propósito, você já viu alguma procissão com capuz hoje em dia?
Não, mas sei que não têm nada a ver com a KKK.
A sequência dos cavaleiros foi improvisada?
De jeito nenhum, está escrito no roteiro, todo o diálogo, do começo ao fim. O objetivo era fazer com que parecesse real.
Nos seus filmes há momentos antológicos de dança. Aquele com a reviravolta de 'Pulp Fiction', e aquele com a dança de Michael Madsen, em 'Cães de aluguel' . Você tem um interesse especial pela dança?
Uma sequência de dança pode funcionar muito bem em um filme, mas os dois casos que você mencionou são muito diferentes. O de 'Cães de aluguel' é estranho, uma dança de tortura, já o com John e Uma é dança real. E também havia John Travolta!
No livro você confirma seu apreço pelo cinema espanhol. A sua avaliação do "Matador" é algo surpreendente , já que aqui nunca foi considerado o melhor do Almodóvar.
Não estou dizendo que é o melhor filme, mas gosto muito. Ontem à noite, conversando no bar, lembramos que Orson Welles também gostava de "Matador" , que também valorizava muito os filmes de Antonio Isasi. O que é muito relevante é o que nos surpreendeu nos anos 80 nos EUA, quando o cinema era tão tímido, sequências tão corajosas como a estarrecedora de Almodóvar se masturbando com filmes de terror de psicopatas assassinos.
De Antonio Isasi-Isasmendi cita em seu livro "Um verão para matar"
Sou fã de Isasi. E esse filme é um gênero com tema de vingança, sobre o qual eu falo muito. Um grande Christopher Mitchum estava surgindo.
Qual sua relação com as plataformas de streaming?
Eu não assisto Netflix. Em casa prefiro assistir filmes em DVD do que em plataformas. Eu realmente prefiro os DVDs.
A sua Arcádia pessoal é a antiga locadora de vídeo em Manhattan onde você trabalhava como balconista?
Sim, quando eles fecharam eu comprei todo o estoque deles, não queria que se perdesse, tenho a coleção inteira.
Os atores são pessoas muito especiais?
Sim, eles são. Até agora sempre me dei muito bem com eles. Tivemos um ótimo tempo juntos. Meu trabalho é trazer o melhor em filmá-los em ação. Sempre digo a eles que espero que pensem que, depois de trabalhar comigo, o próximo filme deles será uma porcaria. Prefiro que pensem: “como eu fui bom no último filme que fiz com Tarantino”.
Seu entusiasmo por "Rocky" é um tanto surpreendente.
Acho que vi na idade ideal, com 13 anos. Sylvester Stallone é um ótimo ator.
'Rambo - Programado Para Matar' é pior do que o romance de David Morrell, 'First Blood', que é ótimo. Concorda?
É verdade. Eu realmente gosto de Morrell e li o romance antes. Eu gosto do Stallone, mas o personagem Rambo está muito melhor no livro.