Teatro se adapta à pandemia com peças encenadas pelo Zoom
Espetáculos como "Muribeca - Algo sobre viver" e "Parece loucura mas há método" são encenados online
Reinvenção tem sido uma palavra-chave para quem vive do teatro nestes dias de isolamento social. Sem a possibilidade de encontrar o público fisicamente, companhias e atores independentes vêm buscando auxílio na tecnologia para pensarem em novas formas de trabalho. Os espetáculos agora são montados dentro das casas dos próprios artistas e transmitidos por meio de plataformas digitais.
Os palcos da vez têm sido os aplicativos de teleconferência, como o Zoom, que permitem mais interação com o público. A peça “Parece loucura mas há método”, do Armazém Cia de Teatro, vem utilizando esse recurso desde julho. Com a pandemia, o grupo carioca passou a explorar as possibilidades de encenação virtual, primeiro disponibilizando vídeos de apresentações gravadas e realizando lives de leituras dramatizadas pelo Instagram, até chegar ao formato atual.
“A gente queria tentar produzir um espetáculo que fosse pensado especialmente para essas ferramentas que temos no momento”, explica o diretor Paulo de Moraes. A montagem toma emprestado nove personagens das obras dramatúrgicas de William Shakespeare. Conduzidos por um mestre de cerimônias, eles participam de um jogo cênico semelhante a um reality show. O público é intimado a eliminar um jogador a cada nova etapa, até sobrarem apenas dois na disputa. A estrutura é também uma crítica à “cultura do cancelamento”, tão em voga nas redes sociais.
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O elenco conta com Isabel Pacheco, Jopa Moraes, Marcos Martins, Patrícia Selonk, integrantes da companhia, e os atores convidados Charles Fricks, Kelzy Ecard, Liliana de Castro, Luis Lobianco, Sérgio Machado e Vilma Melo. As sessões acontecem nas sextas-feiras e sábados, às 20h, e nos domingos, às 18h, com ingressos vendidos pelo Sympla.
Interação
Para tentar suprir a ausência física do público, alguns artistas abrem bate-papos após as sessões. É o que ocorre em “Muribeca - Algo sobre viver”, solo que vem sendo apresentado através do Zoom pelo ator pernambucano Reinaldo Patrício, todos os sábados de agosto, sempre às 21h. Os ingressos podem ser adquiridos pelo Sympla.
“Sinto muita falta de perceber as sensações que eu estou causando no público, de ouvir as respirações e ver olhares. Essa conversa no final me permite saber o que eles acharam da obra. Vem uma enxurrada de amor e carinho que é muito gratificante”, compartilha o artista, que desde 2014 mora no Rio de Janeiro. O monólogo virtual é baseado no conto do escritor pernambucano Marcelino Freire e tem direção de Breno Fittipaldi.
Reinaldo Patrício encena texto de Marcelino Freire (Foto: Divulgação)
Segundo Patrício, apesar das dificuldades, a pandemia trouxe a oportunidade de alcançar mais espectadores. "Provavelmente, eu não teria dinheiro para montar esse espetáculo de forma convencional e circular com ele. No virtual, o mundo inteiro pode acessar. Estou sendo visto por pessoas de cidades e estados que nunca visitei no Brasil”, aponta. O mesmo acontece com “Parece loucura mas há método”, que já foi vista em 10 países diferentes e mais de 80 municípios brasileiros. O Armazém já está negociando uma versão da peça em outra idioma.
É teatro?
Com a multiplicação das encenações on-line, também vieram as críticas de quem discorda em classificar a prática como teatro. Reinaldo Patrício acredita que essa é uma linguagem diferente, mas que remete em muito aspectos à arte teatral. “Há todo um ritual de preparação, assim como no teatro convencional. Eu preciso me concentrar horas antes, vestir o figurino e preparar a minha casa com iluminação e cenário. A ideia é que as pessoas sintam ao menos um gostinho do que é ir ao teatro”, diz.
Nesta nova plataforma explorada pelos artistas, há diversas variáveis que podem atrapalhar o ator, desde problemas com a conexão de internet até interrupções próprias de um ambiente domiciliar, como um vizinho barulhento ou um animal de estimação que pede atenção. Para a atriz Patrícia Selonk, não é algo tão distante do que pode ocorrer em uma apresentação presencial. “No palco, às vezes acontece de um refletor dar defeito ou um ator não conseguir entrar em cena no momento certo. Aí, os atores têm que dar um jeito e continuar. Seja no presencial ou no digital, a gente precisa estar aberto ao improviso”, declara.