“Todas as cartas” traz textos inéditos de Clarice Lispector, em setembro
Dos lançamentos mais aguardados de 2020, o livro traz quase 300 correspondências escritas por Clarice que ajudam a compreender o itinerário literário da escritora e o seu universo
Como parte das comemorações do centenário de Clarice Lispector, a Editora Rocco lança o livro “Todas as cartas”, reunindo correspondências escritas pela patrona da Literatura de Pernambuco ao longo de sua vida. A seleção de cartas, das quais cerca de meia centena é inédita para o público, configura um acervo fundamental para compreender a trajetória literária da escritora.
O conjunto de correspondências inéditas para amigos ilustres é o ponto alto da obra, escritores como João Cabral de Melo Neto, Rubem Braga, Lêdo Ivo, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles, Natércia Freire e Mário de Andrade são destinatários dos escritos da autora. As correspondências foram organizadas por décadas – dos anos 1940 a 1970 – e contam com 510 notas da biógrafa Teresa Montero, que contextualizam o material no tempo, no espaço e nas inúmeras citações a personalidades e referências culturais.
Segundo Teresa as cartas demonstram traços fortes da personalidade da autora. “Temos a oportunidade de acompanhar quatro décadas do itinerário da escritora cuja rara sensibilidade fala aos seus destinatários sobre diversos ângulos da vida. As angústias que acompanharam a penosa formação de uma jovem que abraça o destino de ser uma escritora. A de ser mulher em um tempo no qual os caminhos do universo feminino eram extremamente áridos: a Academia Brasileira de Letras, por exemplo, ainda não ousava mudar seus estatutos para permitir o ingresso das mulheres.
Leia também
• Clarice Lispector é tema de encontro virtual nesta quinta-feira
• Evento sobre Clarice Lispector realiza segundo encontro digital
• Clarice Lispector é declarada patrona da literatura de Pernambuco
Clarice mostra-se sempre sensível e aberta para respeitar aquilo que nos é mais caro: a nossa essência”, disse já no prefácio da obra. “Todas as cartas é um caminho para renovar nosso afeto com o mundo através de Clarice Lispector. O que Clarice diria sobre o que estamos vivendo em 2020?”.“Todas as cartas é um caminho para renovar nosso afeto com o mundo através de Clarice Lispector. O que Clarice diria sobre o que estamos vivendo em 2020?”, completa questionando.
De acordo com Pedro Karp Vasquez, editor da obra de Clarice Lispector na Rocco e autor do posfácio de “Todas as cartas”, todos os escritos foram mantidos tal como a autora escreveu. Clarice tinha um estilo único e peculiar, que não se curvava aos ditames gramaticais e obedecia ao que ela designava de sua ‘respiração’, que ela sempre solicitava que fosse respeitada pelos revisores dos jornais ou pelos editores de seus livros”, conta. “Se a correspondência de Clarice é avara em termos de confidências e confissões, é riquíssima no que diz respeito ao processo de escrita e sobre as reais motivações que nortearam a produção de sua obra literária. Nesse sentido é uma fonte preciosa e incontornável para os estudiosos assim como um manancial de boas surpresas para os leitores em geral, já que suas cartas fornecem múltiplas chaves para a compreensão de seus escritos”, conclui.
Com vasto material inédito, o volume resultou de longa pesquisa realizada pela jornalista Larissa Vaz, sob orientação de biógrafos e da família, para trazer uma visão integral de Clarice.
A publicação da correspondência de grandes escritores constitui-se um importante acontecimento literário, pois o autor não perde a inspiração, o lirismo e o humor ao escrever cartas, que chegam a ser tão fascinantes e criativas quanto seus próprios livros.
Apesar de afirmar que “não sabia escrever cartas”, as correspondências de Clarice são tão interessantes quanto seus romances, contos e crônicas. A autora viveu quase duas décadas no exterior não deixou de escrever neste período, para cultivar o afeto da família e dos amigos e para tratar da publicação dos seus livros.
Algumas revelações são extraídas das cartas, como eu uma enviada ao jovem escritor Augusto Ferraz – a quem Clarice ajudava-, ela fala sobre como se descobriu artista. “’Perto do coração (o 1º) selvagem’ foi escrito quando eu era por assim dizer uma adolescente. Tinha já passado a adolescência e eu estava espantada. Com o mundo mesmo e comigo mesma. A chamada ‘angústia existencial’ despertou em mim muito cedo. E muito cedo descobri a morte. Mas não se preocupe: estou muito mais apaziguada e, agora, habituada com o meu sempre inesperado modo de ser. E eu rezo muito. Nem peço favores: é mais um louvor a Deus. Acontece, que eu não sabia que era artista e sofria com a diferença entre mim e os outros”, escreveu.
Para o livro, foram selecionadas cartas relevantes, com interesse literário ou biográfico, sendo excluídos missivas comerciais, bilhetes e recados de caráter efêmero. A editora manterá as futuras edições abertas à inclusão de textos que possam surgir a partir da publicação desta obra.
A autora comemora 100 anos em 10 de dezembro de 2020.