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IA

Uso de inteligência artificial para traduzir vozes em outras línguas acende alerta entre dubladores

Ferramentas simulam a voz original numa outra língua com supervisão humana

Inteligência artificial acende alerta em dubladoresInteligência artificial acende alerta em dubladores - Foto: Reprodução

Quem acompanha o Lex Friedman Podcast no Spotify, apresentado pelo famoso pesquisador de inteligência artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT), pode ouvir, desde o fim de setembro, o episódio em que ele recebeu Yuval Noah Harari, autor do best-seller “Sapiens”, todo falado em espanhol. Não que eles sejam fluentes na língua latina, longe disso. Mas a voz dele e de Harari foram recriadas por inteligência artificial, aviso dado antes do início do episódio.

Este experimento faz parte de uma iniciativa ainda em testes da plataforma de streaming chamada Voice Translation, em parceria com a OpenIA, criadora do ChatGPT. Ao simular a voz original numa outra língua (francês e alemão são as próximas), a plataforma diz querer “construir conexões mais profundas entre ouvintes e criadores” com supervisão humana.

Em meados de setembro, o Google apresentou formalmente para o mundo em Nova York uma iniciativa semelhante: o Aloud, ferramenta de dublagem que também imita a voz de um youtuber em outro idioma. O português está contemplado nos testes, assim como o espanhol e o inglês. Nenhuma das empresas respondeu às perguntas da reportagem.

Os investimentos de duas grandes potências de tecnologia em dublagem são exemplos claros de que a área de voz é um prato cheio para a IA. E o alerta já está aceso em dubladores do mundo inteiro. Se hoje há esforços para se reproduzir vozes de podcasters e youtubers, o que pode acontecer com atores e seus dubladores, principalmente em mercados como o nosso, que recebe muito material de fora?

— Filmes, séries, nada disso é dublado por inteligência artificial ainda, mas sabemos que um dia pode acontecer porque a tecnologia está avançando para isso — diz o dublador Sérgio Cantu, a voz no Brasil de Sheldon Cooper, da série “The Big Bang Theory”.

Ele é um dos articuladores do movimento Dublagem Viva, que defende a regulamentação do uso da inteligência artificial no setor. O manifesto, que segundo Sérgio é apoiado por cerca de 1.500 profissionais do mercado e por empresas de dublagem, alerta que a “IA não deve ser usada para reproduzir vozes de atores em outros idiomas para Língua Portuguesa Brasileira com a finalidade de substituir os dubladores.” O movimento é uma forma de se adiantar ao futuro, visto que hoje, no Brasil, não há em contratos ainda a expressão “inteligência artificial”. Mas a categoria está atenta.

— A gente quer ouvir o ser humano ou uma cópia do ser humano? — questiona Fábio Azevedo, a voz do Doutor Estranho, personagem da Marvel, no Brasil, que redigiu o manifesto e está na linha de frente do Dublagem Viva também. — Isso já foi abordado pela literatura e chama-se “Frankenstein”. Duvido que ela vá ter a naturalidade e espontaneidade de um ator no estúdio.

Fábio e Sérgio dizem estar, com o grupo, tentando em Brasília o apoio político para essa regulação, em conversas com deputados e representantes do Ministério da Cultura.

—Nosso movimento é uma representação da cultura do povo brasileiro — diz Sérgio. — A dublagem, como toda manifestação cultural, também representa o momento em que o povo está vivendo e isso uma IA nunca vai conseguir emular. Então, é mais do que simplesmente manter trabalhos, é manter a representação da nossa cultura.

Grandes projetos
Pode ainda não haver um programa traduzindo a voz de Benedict Cumberbatch, o Doutor Estranho, ou Jim Parsons, o Sheldon Cooper, para diversas línguas, mas já existe muita inteligência artificial na área de voz no mercado audiovisual. E eles envolvem, principalmente, pessoas mortas. Alguns casos famosos giram em torno de Andy Warhol, que teve sua voz recriada na série da Netflix “Diários de Andy Warhol”, lançada ano passado, e Richard Nixon, no curta-metragem “In event of moon disaster” (“No caso de um desastre na Lua”, de 2019). Na produção, o presidente americano “lê” o documento preparado para caso a missão Apolo 11, que levou o homem à Lua, desse errado.

Um grande projeto recente, no entanto, envolveu um ator vivo. Em “The Mandalorian”, série do universo Star Wars do Disney+, estava programada a aparição de uma versão jovem de Luke Skywalker, mas o ator Mark Hamill, que interpreta o personagem, já estava com quase 70 anos na época. Coube à IA rejuvenescer sua voz.

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