vandalismo cultural

Venda de cartas de George Orwell a colecionadores privados alarma especialistas

Antiga editora do escritor alegou falta de espaço ao solicitar que livreiro desse novo destino ao acervo

George Orwell com um microfone da BBC, em 1943: "A leitura é um dos entretenimentos mais baratos", escreveu George Orwell com um microfone da BBC, em 1943: "A leitura é um dos entretenimentos mais baratos", escreveu  - Foto: Effigie / Leemage via AFP

A venda da correspondência de George Orwell, autor de “1984”, a diversos colecionadores privados têm causado revolta no meio cultural britânico, reportou o jornal The Guardian.

As cartas trocadas entre Orwell e seu editor, Victor Gollancz, foram colocadas à venda em 2018, porque não havia mais espaço nos depósitos da editora, que hoje pertence ao Grupo Orion (que integra a Hachette, um dos maiores conglomerados editoriais do mundo).

Os documentos que compunham os arquivos da editora estão espalhados por aí. Um antiquário, Peter Harrington, está pedindo £75.000 (cerca de R$ 528 mil) por papéis referentes ao segundo romance de Orwell, “A filha do reverendo” (1935), que incluem o contrato de publicação, uma carta com correções, um relatório do editor de jornal Gerald Gould e notas de Gollancz.

Há outros documentos relativos a “A filha do reverendo” no mercado, como uma carta que esclarece que nenhum dos personagens do livro é explicitamente inspirado em figuras reais.

O mesmo Peter Harrington está vendendo, por £50.000 (R$ 352 mil), cartas sobre o terceiro romance de Orwell, “A flor da Inglaterra”, de 1936. Essas cartas trazem preocupações do editor que levaram a modificações importantes no texto.

Orwell não gostou das mudanças, mas fez o que pôde para atender as exigências de Gollancz, “desde que não arruínem completamente o livro”.

A Jonkers Rare Books, loja de livros raros, está vendendo documentos relacionados ao livro “O caminho para Wigan Pier”, relato da experiência de Orwell junto aos trabalhadores das minas de carvão da Inglaterra nos anos 1930.

Entre esses papéis, está uma longa carta a Gollancz na qual o escritor afirma não ser um esnobe pequeno-burguês e pede que o editor vá à Justiça contra seus detratores.

Também circulam no mercado cartas sobre a rejeição à sátira “A revolução dos bichos” devido ao clima pró-soviético da esquerda britânica no pós-guerra.

Filho de Orwell, Richard Blair disse ao Guardian que a situação é “terrivelmente triste”. “Assim que o material de Gollancz for comprado por um colecionador privado, ele pode desparecer para sempre”, lamentou.

Liz Thomson, jornalista que cobriu o mercado editorial durante 35 anos, afirmou que a liquidação da correspondência de Orwell é “vandalismo cultural”. “A herança cultural britânica estava sendo vendida a preço de banana. O que podem esperar os biógrafos e historiadores do futuro?”, protestou.

O antiquário Rick Gekoski, nomeado pela editora para dar um destino ao acervo, rebateu as críticas como “equivocadas”. “Tudo foi autorizado por Malcolm Edwards, diretor editorial da Orion, e foi vendido a pedido do conselho”.

Ele disse que ninguém no conselho se importava com os manuscritos de Orwell, que estavam alocados em depósitos empoeirados e armário onde ninguém mexia havia meio século.

O livreiro afirmou ainda ter tentado vender o arquivo a várias instituições por cerca de £1 milhão (R$ 7 milhões), mas precisou desmembrá-lo e distribui-lo a uma dúzia de livreiros.

Diretor da Fundação Orwell, Jean Seaton declarou que “se ninguém mexeu nesses arquivos por 50 anos é porque são uns idiotas que não entenderam o valor deles”.

“Por que o conselho não consultou especialistas e historiadores, que teriam entendido que eles talvez precisassem gerar alguma renda com isso e também qual é o valor público desse acervo? Em vez disso, eles dispersaram por aí um arquivo nacional”, completou.

Fundação Orwell e o biógrafo DJ Taylor tentaram arrecadar dinheiro para arrematar o acervo, mas não foram bem-sucedidos. “Nós estávamos preocupados que esse arquivo simplesmente fosse vendido em partes”, disse Taylor. O que eles temiam de fato aconteceu.

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