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Música

Vitor Ramil lança álbum com poemas musicados de Paulo Leminski

O músico, compositor e escritor gaúcho Vitor Ramil destrincha camadas da obra do curitibano em 15 faixas de 'Mantra concreto'

Vitor Ramil musicou poemas de Leminski durante o confinamento da Covid-19Vitor Ramil musicou poemas de Leminski durante o confinamento da Covid-19 - Foto: Marcelo Soares / Divulgação

Tudo aquilo entre o rigor e a informalidade que virou marca da poesia de Paulo Leminski (1944-1989) — a conjugação do erudito com a mesa de bar, o sofisticadamente simples — sempre chamou a atenção de Vitor Ramil, músico, compositor e escritor gaúcho de 62 anos.

O poeta curitibano, que faria 80 anos em agosto, sempre esteve entre as referências de Ramil, desde sua adolescência em Pelotas. E foi pela música, recentemente, que ele explorou novas camadas da poesia leminskiana.

Vitor Ramil musicou 15 poemas de Leminski e reuniu as canções no recém-lançado disco “Mantra concreto”.

"O que sempre me atraiu foi essa comunicabilidade da poesia que combina alta cultura com algo pop" diz Vitor Ramil ao GLOBO por telefone. 

"Ele mesmo dizia que ele tinha cuidado de uma ampla formação, se preparou pra ser poeta, e a gente percebe isso. Mas o poema dele te bate na hora. Sempre almejei essa leveza, essa clareza na comunicação, mas também essa densidade que tinha por trás"

Projeto pandêmico
Trata-se de mais um daqueles projetos nascidos sob o confinamento imposto pela pandemia da Covid-19. Trancado em casa, em 2021, Vitor Ramil “passou a mão” em uma antologia de poesia de Paulo Leminski.

Lá pelas tantas, se deparou com “Sujeito indireto”, um poema alexandrino publicado no último livro de Leminski, “Distraídos venceremos”, de 1989.

“Quem dera eu visse o outro lado, / o lado de lá, lado meio,/ onde o triângulo é quadrado/ e o torto parece direito”, escreveu o curitibano. Foi o primeiro poema musicado por Vitor Ramil.

"Li 1 Sujeito indireto', estava com o violão ao lado, e fui cantando a canção. Foram cerca de 15 minutos compondo, tudo muito rápido. Achei legal, massa, gravei e mandei pra Alice Ruiz (poeta, viúva de Leminski). Ela gostou, achou lindo" recorda Ramil.

"No outro dia, voltei a ler aquela antologia e musiquei outro poema. Fiz isso consecutivamente durante dias, uma situação muito especial. Hoje eu estava me dando conta, nem tenho muito o que dizer, não existe uma história, comecei a musicar e não parei mais. Nasceram canções muito consistentes em poucos dias, se criou uma unidade muito grande pro repertório"

Com produção de Alex Fonseca e Edu Martin, além do próprio Ramil, “Mantra concreto” às vezes soa como um neo-folk dos pampas, com um ar intimista norteado pelo violão sulista presente ao longo das 15 faixas.

Vitor Ramil também experimenta — como vem experimentando desde seu álbum de estreia, “Estrela estrela” (1981), chegando à maturidade em trabalhos como o influente “Ramilonga — A estética do frio” (1997).

Em “Teu vulto”, segunda música de “Mantra concreto”, utiliza o som de gotas de absinto. Alex Fonseca captou para a mesma faixa batidas feitas em esculturas metálicas do artista Rogério Botelho.

Em “Sujeito indireto”, a percussão é marcada pelo som de uma máquina de escrever. Em “Administério”, foram gravadas duas baterias, sugestão do filho do artista, Ian — mais um músico na família que inclui os irmãos de Vitor Ramil, Kleiton & Kledir.

"Eu sempre experimentei, transito muito, Leminski fazia muito isso também. Fica difícil de definir a poesia dele. Era um cara muito livre, e os malucos assim são mais difíceis de se rotular" explica.

Musicar poemas
Esta não é a primeira vez que Vitor Ramil mergulha na aventura de musicar poemas alheios. Em “Délibáb” (2010), ele apresentava milongas compostas a partir de poemas do argentino Jorge Luis Borges e do gaúcho João da Cunha Vargas.

Mais recentemente, em 2022, ele lançou “Avenida Angélica”, um disco inteiro com versos da poeta (e também pelotense) Angélica Freitas. Tampouco foi a primeira vez que Leminski foi musicado, tendo já virado canção de nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Itamar Assumpção e Arnaldo Antunes.

“Mantra concreto”, no entanto, aspira ser mais que uma homenagem póstuma, mas um encontro entre dois artistas que se propõem a falar a mesma língua:

"Era um cara pop, doido, talvez num primeiro momento não fosse o poeta que as pessoas esperariam" diz Ramil. "Ele tirou uma roupa mofada de cima da poesia, tirou o excesso de intelectualismo"

Escute o álbum"Mantra Concreto"

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