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"A minha vida está toda dentro desse disco", diz Xande de Pilares; confira entrevista exclusiva

O cantor é uma das atrações do Baile da Macuca e traz, pela primeira vez, ao Recife o show "Xande Canta Caetano"

Xande de Pilares lançou, em 2023, o álbum "Xande Canta Caetano"Xande de Pilares lançou, em 2023, o álbum "Xande Canta Caetano" - Foto: Fernando Young/Divulgação

Quando tinha em torno de sete anos e ouviu, pela primeira vez, a música "Alegria Alegria", tocada na trilha da novela "Sem Lenço, Sem Documento", o menino Alexandre Silva de Assis sequer imaginaria que, décadas depois, a canção – e mais um punhado de outras, do mesmo autor – faria parte de um álbum que ganharia o mundo e a aclamação de público e crítica. Muito menos, que esse álbum levaria seu nome. Ou melhor, seu apelido.

"Xande Canta Caetano", lançado em 4 de agosto de 2023, elevou o nome de Xande Pilares – sambista carioca que iniciou sua trajetória nos anos 1990, no Grupo Revelação, e, desde 2014, está em carreira solo – a outro patamar.

Com produção musical de Pretinho da Serrinha, direção executiva de Paula Lavigne e sob as bênçãos (e lágrimas) do próprio Caetano Veloso, o álbum teve uma prodigiosa repercussão, com 35 milhões de plays nas plataformas digitais e ganhou um Grammy Latino de "Álbum de Samba/Pagode" em 2023 (por mais que seja além de um disco de samba/pagode).

É com esse trabalho que Xande chega ao Recife, para show nesta sexta (24), no Baile da Macuca, que também terá Rachel Reis, Gilson, Orquestra do Maestro Oseás e o DJ 440. Ingressos completamente esgotados.

Em conversa com a reportagem da Folha de Pernambuco, Xande abriu o coração sobre como foi encarar o desafio de cantar a obra de um ídolo e adianta: vem desdobramento de "Xande Canta Caetano" por aí. Confira a entrevista, a seguir:

Em primeiro lugar, Xande, quer dizer que devemos a existência desse disco, em grande parte, à persistência de Pretinho da Serrinha de te levar até a casa de Caetano Veloso e Paula Lavigne? Procede?

É 1000% de verdade! Pretinho foi o cara que teve a coragem de atravessar o túnel, né? Atravessar o túnel Rebouças, ou Santa Bárbara, ou seja qual for… Dois Irmãos… e ir até aquela turma da Zona Sul, na casa do Caetano, onde praticamente ele criou as cantorias que acontecem lá.

E ele insistia muito para que eu fosse e tal, e eu tava sempre… pra dizer a verdade, correndo de lá, né? Muitas das vezes, eu não estava preparado para ir. E quando ele conseguiu, aí foi todo mundo. E a gente acabou tendo a oportunidade, ele produzindo o disco, com a supervisão do Caetano, e eu tive oportunidade de poder revisitar obra do Caetano, já cantando.

Você não estava preparado em que sentido?

Sabe… tem gente que tem mais coragem, tem gente que tem coragem, mas, eu fico meio assim, tipo… ‘Será que vai ser legal? Será que eu vou ser bem recebido? Será que eu não vou tá bancando o entrão?’, sei lá…

Era um mundo que eu conhecia, mas eu não sabia… sabe quando você conhece um mundo, mas você ainda não pisou nele, entendeu? Quando você conhece um cenário, você tem vontade de estar ali, mas você não sabe por onde começar. É mais ou menos por aí.

E, pelo visto, você foi muito bem recebido. Tanto é que deu no disco, que conquistou o que conquistou até hoje.

Graças a Deus, fui muito bem recebido. Em uma dessas cantorias na casa da Paula, que o Pretinho me levou para participar – sempre quando terminava, obviamente, a maioria das pessoas ia embora, e ficavam os músicos, batendo papo. 

E em uma dessas conversas, eu peguei o violão e fiquei cantarolando uma música do Caetano, chamada “Ela e Eu”, que a Bethânia gravou naquele disco “Mel” (1979), e isso chamou atenção dele, ele nunca tinha visto ninguém cantar essa música em samba. 

Aí, expliquei para ele, falando que lá em casa, para aprender a tocar, a gente precisava improvisar. Então, tudo que tinha de informação de violão eu passava cavaquinho. Obviamente, eu tinha que cantar em ritmo de samba, e ele achou interessante e falou: “Eu queria dirigir um show seu, no teatro. Mas, eu eu queria saber se você tem coragem, de só você e o cavaquinho”.

Entrei em desespero, aí falei: “Não, Caetano”. Aí, sumi da casa dele, sumi da casa da Paula. Fiquei mais um tempo sem ir. Aí, quando eu apareci, ele: “Você se assustou”. Falei: “Pô, Caetano, voz e cavaquinho? Voz e violão, tudo bem… cavaquinho é um instrumento agudo, é um instrumento percussivo, ele pede sempre um acompanhamento”.

Aí ele: “Então, vamos fazer um disco, você cantando minhas músicas que não sejam os sambas que eu gravei. Você cantando as minhas músicas em samba”. O Pretinho já tava presente, se colocou logo à disposição para produzir. E ele tava iluminadíssimo quando produziu esse disco, com a supervisão. E em uma das observâncias dele, ele acabou chorando quando escutou “Gente”.

Pois é. Essa cena viralizou.Todo mundo ficou, também, emocionado. Quando aquilo ali aconteceu na tua frente, Caetano, o autor daquela obra que você estava cantando, que você gravou, quando ele estava chorando, o que é que passou na tua cabeça, o que você pensou naquele momento?

Primeiro, a emoção começou comigo dentro do aquário. Caetano ainda não havia descido para ouvir a música, e eu ainda tava vendo a maneira que eu ia interpretar a música. E o Caetano ainda me deu a liberdade de alterar os nomes, “se você quiser colocar pessoas, que essas pessoas têm uma ligação comigo”, eu  falei:  

“Não, Caetano. Primeiro, acho que eu não vou me sentir bem mexendo no que você fez. E, segundo lugar, eu tenho uma coincidência muito grande, quando você fala da Zezé Mota e fala do José Agripino… a minha tia lá do morro, que ainda é viva, lá de Guadalupe – onde o Caetano morou – se chama Zezé, e o meu tio falecido se chama Agripino. Então, acho que não… E ainda tem o Gilberto, que você cita, que também tem na minha família”, e aí, eu começo a cantar e a imagem do meu tio fica muito presente e eu acabo me emocionando.

Então, eu dou uma disfarçada para sair do aquário, quando eu saio do aquário, eu dou de cara com o  Caetano, aos prantos. A Paula – que não é muito de chorar, é uma pessoa brincalhona pra caramba – chorando… a Paula chorando, o Pretinho chorando, a Samanta chorando… aí chorou todo mundo.

Ali, eu vi como é importante você homenagear alguém em vida. É muito bacana, porque você acaba vendo a reação e você acaba se envolvendo emocionalmente com essa história. Então, o emocional desse disco é uma coisa assim… fora do comum.

A minha vida está toda dentro desse disco aí, dos meus sete anos, quando comecei a ouvir, até hoje.

"Xande Canta Caetano" não é um disco propriamente de samba. Tem bolero, tem ijexá. Interessante isso, porque uma música como “Gente” parece que foi feita para ser um sambão, como está no disco. Já “Alegria Alegria” surpreende totalmente pelo arranjo, como a música se transformou. A escolha das músicas e a construção dos arranjos, dar uma outra roupagem a elas, como foi esse trabalho, junto com Pretinho?

Primeiro que trabalhar com o Pretinho – e eu nunca havia trabalhado com ele – foi super interessante, porque o Pretinho respira música. Então, o que acontece é que é tudo da cabeça do Pretinho, 100% as viagens do Pretinho. 

O Pretinho já chegou a me ligar de madrugada pra dizer: “Achei!”. E eu: “Achou o quê, Pretinho?”. E ele: “Achei! Amanhã, quando chegar no estúdio, você vai ver”. E ficava aquele mistério. E aí, quando chegava lá, eu era realmente surpreendido.

Na hora que o Caetano comentou de fazer o disco, eu contei a história de “Alegria, Alegria”, que tocava em uma novela que passava na época (“Sem Lenço e Sem Documento”), e achei bonito o som, e fui procurar saber de quem era aquela voz, porque na minha época, lá no morro, a gente não tinha acesso à imagem, a gente só ouvia a voz, televisão preto e branco, radinho de pilha e tal. 

E o Pretinho já achou o ijexá no dia mesmo, falou “eu vou botar um ijexá aí”, o Caetano achou interessante, ele não tinha visto ainda. Foi a primeira música. E a faixa ficou super bacana e realmente surpreende. É um disco que surpreende. Esse disco é 100% Pretinho da Serrinha.

Outra parte interessante é uma coisa que eu sempre admirei, eu sempre gostei de capa de disco. E quanto mais simples, mais interessante. Eu sou da época do LP, eu tenho meus vinis em casa até hoje. E a capa do disco, a simplicidade da capa desperta a curiosidade de ouvir.

Eu dormi num dia e acordei no outro dia, uma barulheira no mundo, o que é que tá acontecendo? É o “Xande Canta Caetano”. Pessoas que nem falam… jornalistas que nunca falaram de música, que só falam de Política ou de Economia, todo mundo falando desse disco no outro dia.

Eu falei “Caramba, Pretinho!” Aí, o Pretinho: “Te prepara, vem muito mais coisa por aí! Te prepara!” 

Mesmo eu não concordando com a categoria em que foi colocada esse disco, mas, eu fiquei feliz. Fiquei feliz pelo reconhecimento, mas, eu fiquei mais feliz ainda porque nós fizemos um disco para dar de presente de aniversário para o Caetano. Nós fizemos o disco para o Caetano Veloso. Ponto. Para agradar o Caetano.

Ele era pra ser lançado em 2022, para comemorar os 80 anos dele, mas, não rolou, mas ele acabou sendo lançado em 2023.

São 10 músicas no álbum, mas, no show, você canta mais músicas de Caetano que não estão no disco, por exemplo, “Luz de Tieta”, tem “Força Estranha”, que você lançou depois… ou seja, o repertório de Caetano é gigantesco, tem pano pra manga para “Xande Canta Caetano” volume 2, volume 3, volume 4… que tal?

É… existe uma conversa, porque quando esse disco virou show, foi até bom, porque tem muitas canções do Caetano que eu queria ter interpretado e o show me deu essa oportunidade. O disco tem 34 minutos e eu tinha que ter, pelo menos, 1 hora e 20, 1 hora e meia de show, e a gente foi colocando canções ali, o que despertou a ideia de gravar “Força Estranha”, que também faz parte dessa minha época de menino.

“Trem das Cores”, que é uma canção que eu gosto, e também o que a Paula chama de Deluxe, eu gravei o “Pecado Original”, que é um samba que ele fez para um filme, “Dama do Lotação” (1977), gravei essa música também. Estamos caminhando para um audiovisual de “Xande Canta Caetano”.

O show está vindo agora só agora para o Recife, como é tua relação com Recife? Você tem boas recordações daqui? Como é a tua relação com a Cidade? 

Minha relação com Recife é igual a minha relação com a minha mãe, é igual a minha relação com a minha família e com meus melhores amigos: é retribuir o carinho com que eu sou tratado. Aí, eu me sinto muito querido.

Então, toda vez que eu tenho alguma coisa para fazer em Recife, eu me preparo emocionalmente, que eu sou um cara muito emotivo, para poder trocar essa energia boa que essa cidade tem. E que bom que eu tô indo com esse projeto “Xande Canta Caetano”, que o pessoal de Recife vai poder ver um outro lado meu, um lado mais romântico, um Xande mais calminho.

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