Zeca Pagodinho volta às raízes e dialoga com a realidade brasileira em "Mais Feliz"
O novo álbum do músico já está disponível nas plataformas digitais
Dos maiores sambistas do Brasil, Zeca Pagodinho está de volta com novo álbum. “Mais Feliz”, com o músico batizou o trabalho, é fruto da experiências dos seus 60 anos de vida. O trabalho chega depois do "De Santo Amaro a Xerém (Ao Vivo)" - 2018, em parceria com Maria Bethânia, e de "Ser Humano" (2015). A sonoridade é inconfundível. O CD é uma verdadeira caminhada pelo Brasil, pelas raízes e pelos sentidos. O álbum completo foi disponibilizado nas plataformas digitais (YouTube, Spotify, Deezer) nesta terça-feira (17).
Mais Feliz O novo trabalho de Zeca chega ao público com 14 músicas, sendo 11 inéditas e três regravações. Zeca aposta, desta vez, em sambas que tratam do cotidiano carioca, como “Carro do ovo” (de Marcos Diniz e Rosania Alves) e “Quem casa quer casa” (Rafael Delgado e Ronaldo Barcellos), sobre todo o processo de um casal para alugar o seu primeiro “cafofo”, passando pelas regiões de Bangu, Marechal Hermes, Cabuçu e Vigário Geral. No entanto, ele dedica um espaço à crítica política, pondo as cartas na mesa em “Na cara da sociedade”, samba de Serginho Meriti e Claudemir. “Sou carioca, mas sei que meu Rio não anda legal”, canta Zeca na letra do samba. O samba de Serginho e Claudemir também faz menção sutil à disputa religiosa que atinge o Rio (“é hora de nos apegarmos a todos os santos”).
O álbum conta com as participações de Xande de Pilares, que divide com Zeca o samba "Dependente do Amor", de Gilson Bernini e Brasil do Quintal, e traz como música de trabalho a faixa título "Mais Feliz", com Toninho Geraes e Paulinho Resende, a outra regravação do disco. Há, também, o resgate de um sucesso que é dividido com dois talentos que renovaram o cenário instrumental brasileiro: “Apelo”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, reaparece com interpretação tocante de Zeca, acompanhado do bandolim de Hamilton de Holanda e do violão de 7 cordas de Yamandu Costa. Tem música para todos os gostos, incluindo uma versão que puxa para o forró com “Um é ruim, outro é pior”, de César Procópio, Fernando Procópio e Serginho Procópio. Além dessas, sambas de Monarco, Nelson Rufino, Marquinhos Diniz e outros.
"Mais Feliz" fpi lançado nesta terça-feira (17) - Crédito: Divulgação
O samba vem ganhando um outro conceito. Antigamente, o samba só aparecia para retratar o núcleo pobre e a realidade das favelas. A faixa que quebra ainda mais barreiras e cruza épocas é “O sol nascerá (a sorrir)”, de Cartola e Elton Medeiros. Neste samba, escolhido para a abertura da novela das 19h da TV Globo, “Bom sucesso”, Zeca tem a companhia de Teresa Cristina, portelense da gema que, recentemente, viajou o mundo exportando a obra do fundador da Mangueira.
Uma novidade em “Mais feliz” é que o raro Zeca compositor dá as caras em duas faixas. Tem a primeira dobradinha com Moacyr Luz em “Enquanto Deus me proteja”; e tem a parceria musical de décadas com Arlindo Cruz e Marcelinho Moreira em “Nuvens brancas de paz”, uma ode aos grandes nomes da Portela. Esta, por sinal, foi uma das últimas músicas que ele fez antes de Arlindo se retirar de cena para se recuperar de complicações decorrentes de AVC, em março de 2017.
O CD tem um certo quê de tristeza, pois, tratando-se de tradicionalidade, este é o primeiro álbum do artista carioca gravado sem a presença afetiva, no estúdio, de Arlindo Cruz, amigo e parceiro de Zeca desde os anos 1980. Sentido com a ausência do compadre, que participou de todos os momentos importantes durante os 40 anos de carreira, Zeca dedicou o álbum a Arlindo, quando postou em rede social o bilhete que escreveu para entrar como dedicatória no encarte da edição em CD do álbum: "Quero dedicar essa obra ao meu ‘cumpadre’, amigo e parceiro Arlindo Cruz. Esperando na próxima (que) ele esteja junto comigo no estúdio. Como sempre foi”.
É a memória afetiva de uma vida vivida nos sambas, em becos, encruzilhadas e vielas, que Zeca traz e continua cumprindo à risca sua missão: a de fazer sorrir, refletir e formar a roda para o povo sambar e bater na palma da mão.