Ala política do governo vê em debandada no time de Guedes tentativa de atrapalhar drible no teto
O gesto foi visto como uma forma de auxiliares de Guedes tumultuarem a aprovação da PEC dos precatórios que vai viabilizar o pagamento de R$ 400 do programa Auxílio Brasil
O pedido de demissão de secretários do Ministério da Economia irritou a ala política do governo Jair Bolsonaro e congressistas.
O gesto foi visto como uma forma de auxiliares do ministro Paulo Guedes (Economia) tumultuarem a aprovação da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos precatórios que vai viabilizar o pagamento de R$ 400 do programa Auxílio Brasil.
A decisão, disseram ministros e congressistas ouvidos pela reportagem, pode impactar negativamente no preço do dólar, por exemplo. Governistas temem a reação do mercado nesta sexta-feira (22).
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Aliados do presidente, no entanto, mantêm o plano de avançar na aprovação da PEC que flexibiliza o teto de gastos. A regra fiscal limita o crescimento das despesas públicas federais.
A ideia do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é votar a PEC no plenário na próxima semana. Nesta quinta-feira (21), o texto foi aprovado em comissão especial mesmo após a debandada de quatro auxiliares de Guedes.
O secretário especial do Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, pediu exoneração com a secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas. O secretário do Tesouro Nacional, Jeferson Bittencourt, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araújo, subordinados a Funchal, também deixaram os cargos.
O Ministério da Economia divulgou uma nota na qual afirmou que as exonerações se deram a pedido por "razões de ordem pessoal".
Funchal, porém, afirmou à sua equipe que deixa o governo por questão de princípios. Ele já havia dito que não apoiaria ações que colocassem em xeque o ajuste fiscal.
À reportagem o ministro João Roma (Cidadania), responsável pelo Auxílio Brasil –programa substituto do Bolsa Família, uma marca de gestões petistas–, disse achar "muito estranha" a saída dos auxiliares de Guedes.
"Eu acho muito estranha essa posição, uma vez que pela manhã ele [Funchal] estava conosco na Casa Civil validando o texto", afirmou Roma. "Pode ter algum interesse estranho nisso [de tomar essa decisão], num dia sensível em que o Brasil faz a tentativa de ajudar as pessoas mais necessitadas", disse.
"Todos participaram da reunião hoje [quinta] pela manhã. Eles devem ter razões pessoais", disse à reportagem a ministra Flávia Arruda (Secretaria de Governo), que, oriunda da Câmara onde está licenciada de mandato de deputada federal, integra o centrão.
"Todos estavam presentes na reunião que discutiu o texto [da PEC dos precatórios que vai ampliar o teto de gastos], esse texto que chegou agora, que está sendo votado, todos eles participaram do envio", afirmou a ministra.
Nos bastidores, integrantes da ala política do governo viram com desconfiança as demissões e se irritaram, uma vez que, segundo eles, a solução encontrada para viabilizar o pagamento de R$ 400 a beneficiários do Auxílio Brasil estava em acordo com a equipe econômica.
A proposta de revisar agora o teto de gastos já circulava no governo havia mais de um ano, mas foi sugerida por Guedes na quarta-feira (20), depois de a Economia concluir que o ideal seria não furar o limite de gastos públicos.
Segundo integrantes do governo, o Ministério da Economia tenta emplacar a versão de que estava contrariado para que Guedes não se desgaste com o mercado e a responsabilidade pela mudança no teto seja repassada para outras alas do governo.
O incômodo não é com a demissão em si de Funchal –políticos o consideravam excessivamente rígido–, mas com o momento do pedido de exoneração.
Os quatro secretários pediram demissão por discordarem das mudanças nas regras do teto. Pediram para deixar o governo dois dos principais nomes do núcleo do time de Guedes, o que comanda as contas públicas.
Nesta quinta, o governo e aliados no Congresso inseriram na PEC que adia o pagamento de precatórios –dívidas reconhecidas pela Justiça– uma mudança na regra de correção do teto de gastos, para expandir o limite para as despesas.
O conjunto das alterações previstas –mudança na regra dos precatórios e no teto– cria um espaço orçamentário de R$ 83 bilhões no ano eleitoral de 2022, de acordo com o relator Hugo Motta (Republicanos-PB).
O valor deve ser usado para ampliar as despesas na área social, além de outros gastos de interesse de aliados do governo, como emendas parlamentares, por meio das quais eles mandam dinheiro para obras e projetos em bases eleitorais.
Pelo plano apresentado para mudar a regra fiscal, a Constituição será alterada para que o teto seja corrigido anualmente pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado em 12 meses de janeiro a dezembro.
Atualmente, o período usado como base para o limite anual considera o IPCA acumulado em 12 meses até junho do ano anterior.
O novo cálculo é retroativo e, de acordo com Motta, seria aberto um espaço de mais de R$ 39 bilhões em relação ao previsto hoje na proposta de Orçamento de 2022.
Outros R$ 44 bilhões, segundo o relator, serão retirados do teto de gastos do próximo ano por causa do adiamento do pagamento de precatórios. A PEC cria um limite para despesas com sentenças judiciais dentro do teto.