Alemanha caminha para novas eleições após colapso do governo, aumentando desafios para Europa
Jörg Kukies será o novo ministro das Finanças alemão
O chefe de governo da Alemanha, o social-democrata Olaf Scholz, nomeou nesta quinta-feira (7) um novo ministro das Finanças após demitir o liberal Christian Lindner, uma decisão que provocou o colapso da coalizão governista de centro-esquerda na quarta-feira, aumentando os desafios para a Europa com a vitória de de Donald Trump nos Estados Unidos, e abre o caminho para eleições antecipadas no Parlamento.
Jörg Kukies, de 56 anos, será o novo chefe da pasta financeira. Assessor de Scholz e especialista em questões econômicas, ele assume o ministério num governo em crise, que já não tem maioria no Parlamento e no qual apenas restam representantes dos partidos Social-Democrata (SPD) e Verdes — após a saída de Lindner, a maioria dos liberais abandonou o Executivo, com exceção do ministro dos Transportes, Volker Wissing, que anunciou a permanência no governo, mas que vai deixar o partido.
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Scholz prometeu continuar governando até o final do ano e, em seguida, exigir um voto de confiança no Parlamento em janeiro, um teste em que ele pode falhar. Isso abriria caminho para eleições antecipadas, uma raridade na Alemanha desde a Segunda Guerra Mundial, possivelmente em março. Os rivais conservadores do chanceler, no entanto, pediram nesta quinta-feira que a votação da moção ocorra já na próxima semana, o que permitiria acelerar a convocação de eleições antecipadas.
A coalizão entre os social-democratas (SPD) de Scholz, os Verdes e os liberais do FDP "fracassou", disse o líder da União Democrata-Cristã (CDU), Friedrich Merz, antes de destacar que "não há razão para apresentar a questão da confiança em janeiro", como pediu Scholz.
A queda do governo acontece em um momento ruim para a Alemanha, que enfrenta uma grave crise industrial e se encontra atolada em instabilidade política. E também para a Europa, que enfrenta a possibilidade de uma guerra comercial com Washington e um enfraquecimento da Otan, a aliança militar ocidental, após a eleição do republicano Donald Trump como presidente nos Estados Unidos.
Nas últimas semanas, os líderes dos três partidos da coalizão governista praticamente pararam de se falar devido às disputas crescentes nas negociações para um novo orçamento federal — enquanto os social-democratas defendem a recuperação da economia por meio dos gastos, os liberais querem cortes e uma disciplina orçamentária severa.
Vazamento de documento
A coalizão, que governa a Alemanha desde que a ex-chanceler, Angela Merkel, deixou o cargo em 2021, foi um conjunto de parceiros políticos desconfortáveis desde o início. Foi a primeira coalizão de três partidos desde o início da década de 1960, uma das razões, segundo muitos no governo, para sua instabilidade, vazamentos frequentes e paralisia.
Mas o colapso da coalizão é surpreendente para um país há muito conhecido por um consenso lento e previsível que evitou as oscilações políticas de alguns de seus parceiros europeus mais voláteis. Isso pode sinalizar uma nova era de instabilidade política para a Alemanha, à medida que os partidos populistas de extrema direita e extrema esquerda ganham mais popularidade em um cenário político fragmentado.
As especulações sobre o colapso da coalizão cresceram desde a semana passada, depois que Lindner escreveu um documento de posicionamento, que vazou para a mídia, que desafiava as políticas fiscais progressistas de seus dois parceiros de coalizão de centro-esquerda.
Muitas de suas propostas, como o fim das políticas climáticas nacionais ou cortes nos serviços sociais, pareciam ter sido criadas para antagonizá-los. Especialistas viram o documento como uma tentativa de Lindner de ser empurrado para fora da coalizão sem ter que pedir para sair dela. A oposição, que vem pedindo o fim da coalizão, chamou o documento de “papel do divórcio”.
Scholz e Robert Habeck, ministro da Economia e membro do partido dos Verdes, tentaram inicialmente manter a coalizão unida. Apelando para o “pragmatismo” em uma postagem nas mídias sociais na segunda-feira, Scholz continuou: “Os governos de coalizão às vezes podem ser desafiadores. Mas o governo foi eleito, e há questões que precisam ser resolvidas”.
No centro da disputa estava um buraco de aproximadamente 10 bilhões de euros, ou cerca de R$ 61,9 bilhões, no orçamento de 2025.
Na segunda-feira, Habeck procurou manter Lindner no governo, oferecendo-lhe vários bilhões de euros destinados a um subsídio para uma fábrica planejada da Intel para ajudar a equilibrar o orçamento. Dois dias depois, chamou a demissão de “tão lógica quanto desnecessária”, dizendo que muitas ofertas estavam na mesa para atender às demandas econômicas de Lindner.
Apoio da CDU
Scholz anunciou na quarta-feira que os social-democratas governariam com o Partido Verde como um governo minoritário até pelo menos o final do ano. Eles precisarão garantir maiorias parlamentares, caso a caso, para aprovar quaisquer leis. Em algumas questões — notadamente a ajuda à Ucrânia, a reconstrução das Forças Armadas e a repressão à imigração — eles poderão contar com o apoio dos democratas-cristãos da oposição, que têm opiniões semelhantes sobre elas.
— A Alemanha é a maior economia da Europa e o maior contribuinte para o orçamento da UE; eles precisam ter garantias — disse Sudha David-Wilp, diretora regional do Fundo Alemão Marshall, um centro de estudos com sede em Berlim. — E um governo minoritário significa instabilidade para o país e seus parceiros na Europa.
Em última análise, esse acordo só pode funcionar com o apoio tácito da conservadora União Democrata Cristã (CDU), o maior partido de oposição que lidera as pesquisas de opinião para vencer a próxima eleição.
Aspirações parlamentares
A coalizão de Scholz foi apresentada como um recomeço após os anos tranquilos de Merkel. Os parceiros conseguiram administrar com sucesso problemas urgentes no início de seu mandato, depois que a Rússia invadiu a Ucrânia em 2022 e a Alemanha parou de importar gás russo. Mas uma decisão da mais alta corte do país em 2023 forçou o governo a fazer cortes drásticos no orçamento, levando a conflitos entre os parceiros sobre o limite de empréstimos que está ancorado na Constituição.
A ruptura final tem como pano de fundo uma economia alemã estagnada, que deverá sofrer uma contração de 0,2% em 2024, o segundo ano consecutivo de estagnação na Alemanha. O país é o membro mais fraco do G7, o grupo das sete maiores economias do mundo, e entre as nações que usam a moeda euro.
Em um sinal de agravamento dos problemas, a Volkswagen, a maior empregadora industrial da Alemanha, está ameaçando com grandes cortes de empregos e fechamento de fábricas, enquanto luta para que sua marca principal volte a ser lucrativa.
Com a insistência de Lindner em reformas econômicas e sua saída do governo, ele parece ter escolhido o momento certo para sua campanha eleitoral. Os liberais vêm trabalhando para obter 5% de apoio nas pesquisas, o mínimo necessário para entrar no Parlamento. Deixar o governo em uma posição baseada em seus princípios poderia permitir que Lindner obtivesse o apoio dos eleitores para a próxima eleição, quando ela for realizada. (Com AFP e The New York Times)