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Americanas: entenda em nove pontos como funcionava o esquema de fraude

Contratos de publicidade e dívidas com fornecedores foram usados para turbinar números da Americanas, aponta documento

Loja AmericanasLoja Americanas - Foto: Tânia Rego/Agência Brasil

A Polícia Federal deflagrou, na manhã desta quinta-feira (25), a Operação Disclosure contra os ex-diretores da Americanas, acusados de fraudes contábeis que, conforme divulgado pela própria empresa, chegam ao montante de R$ 25,3 bilhões.

A operação Disclosure, realizada em parceira com o Ministério Público Federal, levou cerca de 80 policiais federais para as ruas do Rio de Janeiro.

Os agentes cumprem dois mandados de prisão preventiva e 15 mandados de busca e apreensão. . Segundo o colunista Lauro Jardim, está entre os alvos o ex-CEO Miguel Gutierrez, que vive em Madri, na Espanha, há pelo menos um ano.

Em junho do ano passado, a Americanas admitiu, pela primeira vez, que sua antiga diretoria realizou uma série de fraudes para esconder a real situação da companhia.

Antes chamadas pela empresa de "inconsistências contábeis", as operações foram detalhadas em comunicado ao mercado financeiro em que a nova diretoria relata os resultados preliminares da investigação independente que está sendo conduzida na empresa.

O documento mostra como a empresa fez uso de contratos de propaganda e financiamentos a fornecedores fictícios ou maquiados para tentar maquiar seus números.

O resultado dessas operações foi uma fraude de mais de R$ 20 bilhões que, segundo o novo presidente da Americanas, Leonardo Pereira, que assumiu o comando da empresa após o pedido de recuperação judicial, gerou um lucro artificial. Com base neste resultado contábil maquiado, foram pagos os bônus para a diretoria, dividendos para acionistas e impostos.

Em junho do ano passado, em depoimento à CPI da Americanas na Câmara, Pereira explicou que a fraude ocorria por meio de lançamentos com sinais opostos no balanço da empresa, em alguns casos adicionando valores e em outros subtraindo montantes, o que dificultava a detecção da irregularidade. Por isso, não é possível somar as rubricas das fraudes descritas.

O tamanho da fraude é de cerca de R$ 20 bilhões, reiterou o CEO da Americanas em seu depoimento à CPI.

"Para não haver confusão: R$ 40 bilhões é a dívida que está em recuperação judicial, R$ 20 bilhões é o tamanho da fraude. Dentro desses R$ 20 bilhões, a afirmação é injusta com todos os analistas de todas as casas de investimento que recomendavam a compra da ações das Americanas. Era impossível perceber a olho nu essa fraude" afirmou Pereira, detalhando como as operações eram lançadas com sinais inversos:

"O que se apresentava dentro do balanço da companhia para análise de seus investidores era uma posição consolidada, era mais R$ 18,1 bilhões do efeito do risco sacado (as operações com fornecedores nas quais houve fraude) aumentando o contas a pagar, porque estava indevidamente (lançado no balanço) e do outro lado menos R$ 17,7 bilhões do efeito do VPC (verbas de propaganda). Portanto, um analista a olhos de mercado ia enxergar apenas R$ 400 milhões ali dentro."

Entenda, em nove pontos, como a empresa conseguiu esconder por tanto tempo essa fraude bilionária e as consequências que o documento revelado podem ter:

1. Contratos de publicidade artificiais
A antiga diretoria da Americanas, de acordo com o fato relevante, teria usado uma série de contratos fictícios de propaganda, "artificialmente criados para melhorar os resultados operacionais" da empresa.

Esse tipo de contrato movimenta a chamada Verba de Propaganda Cooperada (VPC). Para reduzir custos, as varejistas promovem ações de publicidade de produtos de seus fornecedores. Ao fazer essa "cooperação", a empresa ganha um desconto na hora de pagar pelos artigos adquiridos.

2. Instrumento comum do varejo
André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, especializada em varejo, afirma que o instrumento é "comumente" usado no setor e, historicamente, é considerado um ponto que demanda a atenção das empresas de auditoria contábil. No passado, esse tipo de contrato já foi fonte de problemas em balanços de varejistas. O exemplo mais recente aconteceu com o Carrefour, em 2010.

"Faz sentido que a indústria beneficiada na propaganda dê uma contrapartida financeira. Isso envolve uma negociação. No caso da Americanas, ao que parece, essas negociações e contratos não existiam na realidade" explica.

3. Contrato sem lastro
As contrapartidas contábeis desses contratos de VPC "não tiveram lastro financeiro associado" e foram em sua maior parte lançados como "redutores da conta de fornecedores", de modo a reduzir o custo da mercadoria vendida, segundo o fato relevante da Americanas. Ao todo, esses redutores somam R$ 17,7 bilhões no balanço da varejista. Outros R$ 4 bilhões aparecem no balanço como ativo da companhia.

4. Fraude clássica
Para o advogado Antônio Mazzucco, do escritório Mazzucco e Mello, que representa credores não financeiros da Americanas na recuperação judicial da varejista, o caso é uma fraude clássica.

— Criou-se um ativo que não existia na Americanas. É a típica fraude contábil. Esses contratos eram fictícios e geraram créditos sem lastro para a companhia — afirma.

5. Duração é uma incógnita
O documento não revela por quanto tempo esse esquema funcionou, apenas diz que os lançamentos ocorreram por "um significativo período" e atingiram o saldo de R$ 21,7 bilhões no fim de setembro do ano passado.

Pimentel afirma que não está claro se todos os contratos de propaganda cooperada da Americanas eram falsos.

— Esse comunicado serve para a Americanas dar uma resposta ao mercado e dizer que está trabalhando. Mas não diz por quanto tempo houve esse problema, quanto isso afeta a margem e os resultados — diz.

6. Favorecidos
Mazzucco diz que o documento é favorável aos membros do conselho de administração da Americanas, entre eles o acionista Carlos Alberto Sicupira, que junto com Marcel Telles e Jorge Paulo Lemann forma o trio de acionistas de referência da Americanas.

"Se houve fraude nas contas apresentadas e somente os diretores sabiam, os acionistas podem mover uma ação contra os administradores da empresa. Ocorre que quem elegeu os supostos bandidos foi o conselho de administração. Além disso, um conselho se reúne regularmente e avalia negócios e relatórios gerenciais. Uma fraude desse tamanho extrapola as demonstrações financeiras. Vejo com sérias reservas o documento" ressalta Mazzucco.

Dizer que o conselho de administração está isento de responsabilidade porque a diretoria da empresa fraudava, apenas em VPCs, R$ 21,7 bilhões, além de contratos de empréstimo que eram cadastrados como dívida como fornecedor, é "questionável", pondera o advogado.

7. Responsabilização e desdobramentos
Em suas quatro páginas, o documento assinado pelas Americanas afirma que os membros da diretoria estatutária da companhia foram os responsáveis pela fraude, buscando "ocultar do conselho de administração e do mercado em geral a real situação de resultado e patrimonial da companhia".

Pimentel, da consultoria Performa Partners, diz que essa afirmação deve sofrer questionamentos na Justiça.

"A companhia formalmente admitiu que houve um crime. O plano de recuperação judicial da Americanas diz que os stakeholders (credores) têm de abrir mão do direito de litigar com a companhia. É improvável que se mantenha desse jeito na Justiça" afirma Pimentel.

8. Outras novidades do documento
Há também mais R$ 2,2 bilhões em operações de capital de giro também mal classificadas, ainda de acordo com o fato relevante. Para a advogada Beatriz Trovo, especialista em mercado de capitais, é provável que esse montante "tenha sido contabilizado no balanço, mas em uma 'linha' errada".

Segundo a Americanas, "a indevida contabilização dessas operações de financiamento nos demonstrativos financeiros da Americanas não permitiu a correta determinação do grau de endividamento da companhia ao longo do tempo".

O documento ainda afirma que "foram identificados lançamentos redutores da conta de fornecedores oriundos de juros sobre operações financeiras, que deveriam ter transitado pelo resultado da companhia" de R$ 3,6 bilhões em 30 de setembro. Para Pimentel, essa cifra teria impacto significativo no resultado da varejista.

Beatriz Trovo afirma que o imbróglio deve resultar em ainda mais atrasos na divulgação de resultados da Americanas. A companhia já está atrasada na divulgação das demonstrações relativas ao quatro trimestre de 2022 e ao primeiro trimestre deste ano.

9. O esquema que já era conhecido
A operação de risco sacado, ou forfait, que deu origem ao escândalo envolvendo a Americanas em janeiro, também aparece no fato relevante citada como fraude de R$ 18,4 bilhões.

Risco sacado é uma modalidade de operação por meio da qual um varejista compra mercadorias de um fornecedor usando uma triangulação com uma instituição financeira, que antecipa o pagamento ao fornecedor e cobra dele e do varejista juros e encargos pelo serviço.

Desde 2016, a Comissão de Valores Mobiliários, órgão regulador do mercado de capitais, orienta as empresas a classificar essas operações como dívida bancária, mas a Americanas colocava os valores desse tipo de operação bancária na conta de fornecedores, como se não fosse uma dívida com instituições financeiras.

Veja algumas das pessoas que são alvo da investigação:

ex-CEO Miguel Gutierrez

Anna Christina Soteto

Anna Saicali

Carlos Eduardo Padilha

Fabien Picavet

Fabio Abrate

Jean Pierre Ferreira

João Guerra Duarte Neto

José Timotheo de Barros

Luiz Augusto Henriques

Marcio Cruz Meirelles

Maria Chirstina Do Nascimento

Murilo dos Santos Correa

Raoni Lapagesse Franco

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