Arcabouço fiscal não é "bala de prata" e criará colchão para o país, diz Haddad
Nova regra fiscal prevê alta real de gastos e piso para investimentos; entenda
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou nesta quinta-feira (30) a proposta do novo arcabouço fiscal, a regra de controle das contas públicas que vai substituir o teto de gastos. Ao defender a proposta, Haddad afirmou que a norma irá criar um “colchão” para o país atravessar momentos difíceis da economia e defendeu a necessidade de o Brasil recuperar a credibilidade nas contas públicas.
A nova regra prevê:
Um crescimento real das despesas entre 0,6% e 2,5% ao ano. Esses são o piso e o limite máximo de avanço dos gastos, sempre acima da inflação.
Piso para os aportes em investimentos. Esse piso será de R$ 75 bilhões mais a inflação do ano.
As contas públicas terão uma meta de voltarem ao azul em 2024.
Gastos do Fundeb e com a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem ficarão fora da regra.
Haddad afirmou que a fórmula proposta pelo governo não é uma "bala de prata" para resolver a situação das contas públicas e adiantou que haverá um novo pacote para ampliar a arrecadação do governo em até R$ 150 bilhões por ano.
— Isso aqui (o novo arcabouço fiscal) não é uma bala de prata que resolve tudo. É o começo de uma longa jornada. É um plano de voo de como vamos enfrentar o problema da economia brasileira.
O ministro afirmou que o governo atuará para recompor a base tributária que garante a arrecadação do governo, mas negou que isso vá representar um aumento da carga sobre os contribuintes. Ele defende a maior cobrança sobre aqueles que hoje quase não pagam imposto e descartou a criação de impostos como a CPMF.
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— Temos muitos setores que estão demasiadamente favorecidos com regras de décadas. Vamos, ao longo do ano, encaminhar medidas para dar consistência a esse anúncio. Sim, contamos com setores que estão beneficiados e setores novos que não estão regulamentados — disse. — Vamos fechar os ralos do patrimonialismo brasileiro e acabar com uma série de abusos que foram cometidos contra o Estado brasileiro.
O ministro disse que todos serão beneficiados se quem não paga impostos passarem a pagar.
— Se quem não paga imposto, passar a pagar, todos nós vamos pagar menos juros. É isso que vai acontecer. Agora para isso acontecer, aquele que está fora do sistema tem que vir para o sistema.
Regra 'crível'
Ao lado de Haddad durante apresentação da regra fiscal, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, afirmou que o foco principal da nova regra não é diminuir despesas, mas sim ampliar a qualidade dos gastos.
— Depois dos primeiros números já checados, podemos garnatir que essa regra fiscal é crível, é possível e temos condição de cumpri-la. Porque ela tem flexibilidade e permite que façamos ajustes para atingir as metas. Estamos convictos que, se o Congresso aprovar esse arcabouço, conseguiremos atingir a meta: diminuir as despesas dentro do possível com qualidade do gasto público. E vamos procurar zerar esse déficit e ter possibilidade de superávit em 2025 — afirmou a ministra.
O que vai determinar o crescimento dos gastos será:
As despesas do governo deverão crescer abaixo da expansão das receitas.
Os gatos só poderão subir o equivalente a até 70% da variação da receita. A receita apurada será entre julho e um junho, já que o Orçamento é enviado em agosto. Em 2024, por exemplo, a receita considerada será entre julho de 2022 e junho de 2023.
Não poderá, porém, haver crescimento menor que 0,6% acima da inflação e superior a 2,5% real, por ano.
A regra irá estabelecer bandas de superávit primário.
As contas públicas terão uma meta de voltarem ao azul em 2024. A previsão, para este ano, é de um déficit primário (receitas menos despesas, descontando o pagamento de juros da dívida púbica) de 0,5% do PIB. Em 2024, este déficit ficaria zerado. E, em 2025, haveria um superávit de 0,5% do PIB.
Essas metas de resultado primário seriam cumpridas dentro de bandas, com um intervalo de 0,25% para mais e para menos. Para este ano, a margem é de um déficit entre 0,25% do PIB e 0,75% do PIB.
Durante a entrevista, o ministro da Fazenda disse que, como as novas regras preveem que o crescimento das despesas esteja atrelado ao das receitas, o país poderá formar uma espécie de "colchão" para atravessar momentos difíceis na economia.
— Você faz colchão na fase boa para poder usar na fase ruim e não deixar que o Estado se desorganize. Você dá segurança, não só para empresário que quer investir, mas para famílias que precisam do apoio do Estado no que diz respeito aos serviços essenciais — afirmou o ministro.
Caso o resultado das contas venha melhor do que a banda superior da meta anual, o excedente poderá ser usado para financiar os investimentos. Por outro lado, se o governo não conseguir atingir sequer o piso da meta de primário, o crescimento das despesas ficará limitado a 50% da alta das receitas no ano seguinte.
Porém, as despesas federais sempre crescerão ao menos 0,6% ao ano acima da inflação. Não será possível um incremento menor ou mesmo redução, mesmo se a receita cair. Ou seja, mesmo que um futuro governo queira reduzir o tamanho do Estado, não será possível.
Da mesma forma, o máximo que as despesas poderão crescer serão de 2,5% ao ano acima da inflação.
— O mantra é dar estabilidade e previsibilidade — disse o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.
As metas de resultado para as contas públicas (seja déficit ou superávit) serão definidas para um ciclo de quatro anos a partir de o começo de um governo. Por exemplo: o governo Lula definirá as metas entre 2024 e 2027. Hoje, as metas são definidas anualmente. O novo arcabouço não poderá permitir a alteração das metas.
A ideia do arcabouço fiscal é equilibrar despesas, mas manter o crescimento do investimento público. Pela meta da equipe econômica, esse indicador saltaria 2,2% do PIB, este ano, para 4,2% em 2030. A meta é ambiciosa. Para se ter uma ideia, entre 2002 e 2010, o melhor momento do investimento público foi de 2,6% do PIB em 2010.
Dívida em alta
O governo ainda apresentou diferentes cenários para a dívida pública. No mais otimista deles, a dívida do governo seria equivalente a 73,58% do PIB em 2026. Hoje, a dívida é de 73,1% do PIB (R$ 7,3 trilhões). Portanto, a dívida não entraria numa trajetória de queda durante o governo Lula. Para Haddad, porém, o que faz a dívida cair é o crescimento econômico.
— Com uma boa regra e condições sustentáveis de crescimento, esse problema (dívida elevada) desaparece do cenário — disse
Depois de polêmicas sobre a possibilidade de o arcabouço reduzir espaço para investimentos, Haddad afirmou que a regra tem “100% de consenso” dentro do governo.
Saúde e educação
O governo ainda antecipou que avalia mudanças nas regras de correção para saúde e educação. Esses pisos tiveram trava após a aprovação do teto de gastos do governo Temer, em 2016. Com a revogação do teto, volta a valer a previsão constitucional anterior, que fixava os gastos com essas áreas sociais como um percentual da receita do governo.
A Constituição prevê uma obrigação para gastos com saúde e educação proporcional à arrecadação do governo. As vinculações constitucionais são as seguintes:
As despesas com essas áreas, porém, seguem dentro da regra geral. Se houver, por exemplo, uma alta maior de saúde, outras despesas serão prejudicadas.
— Nós entendemos que há critérios que podem ser melhores que a mera indexação — afirmou Ceron.