As faces e consequências do fim do auxílio emergencial
Enquanto o Governo Federal debate sobre a continuidade do benefício, pessoas passam fome e precisam aceitar trabalhos precários para sobreviver
As últimas parcelas do auxílio emergencial foram pagas à população na última semana de janeiro, mesmo com a continuidade da pandemia da Covid-19. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o seu fim pode fazer com que até 3,4 milhões de pessoas caiam na extrema pobreza em 2021, sobrevivendo com menos de R$10 por dia. Enquanto os órgãos governamentais debatem a sua continuidade, existem brasileiros passando fome, necessidade e precisando aceitar trabalhos precários para sobreviver.
Em uma casa alugada, com pouco mais de 10m² e um único cômodo, Nauane da Silva vive com sua filha Maria Luiza, de apenas um ano. Com o fim do auxílio, a sua única renda fixa está sendo o Bolsa Família, no valor de R$41. Somente o aluguel de onde mora é R$200. “Antes da pandemia eu fazia faxinas, mas agora as pessoas estão com medo para não levar doença. A situação sem o auxílio está muito complicada, porque não tem de onde eu tirar a renda e o que eu recebo do Bolsa Família não dá para suprir com toda a necessidade”, disse Nauane.
Devido a necessidade, Nauane está aceitando o serviço que aparece, seja uma faxina ou fazer o cabelo de alguma conhecida. Mas como existe o receio com o novo coronavírus, a demanda continua insuficiente para suprir o que precisa. “Existe político que diz para seguir a vida normalmente, que é para trabalhar, mas como as pessoas vão trabalhar se não tem emprego? Como quer que a pessoa siga uma vida normal se a doença ainda está aí, cada vez mais piorando?”, questiona Nauane.
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Sem oportunidade de emprego, a saída para pessoas em situações precárias tem sido o trabalho informal, assim como Nauane. A necessidade por uma renda, porém, faz com que aceitem condições longe das ideais. “Uma das alternativas para essas pessoas, embora não apresente um futuro promissor, mas dada a urgência do tema, é procurar empreitadas e serviços de curta duração para que possam satisfazer as suas necessidades de curto prazo. O que está se observando é uma crescente precarização das relações de trabalho. Essa massa de mão de obra sem uma alternativa tende a aceitar contratos informais irregulares. Então a consequência mais óbvia é a precarização das relações”, explica João Rogério Alves Filho, economista e sócio-diretor da PPK Consultoria.
Quem passa por situação parecida é Elídia dos Santos. A mãe de Maria Heloísa, de oito anos, estava prestes a ser contratada como babá antes da pandemia. A doença, porém, a obrigou a mudar os planos. “Eu procuro ser muito esforçada, então eu sempre tenho os meus escapes. Faço uma faxina, cuido do filho de alguém, se precisar passar uma roupa eu passo, lavo, faço qualquer coisa. Eu sempre procurei me manter. Pois sempre fui acostumada a ter meu salário, minha independência e hoje está muito difícil”, relata Elídia.
As histórias de Elídia e Nauane têm um ponto comum. Nos momentos mais difíceis da pandemia, como o que estão passando, as duas contaram com a ajuda da Central Única das Favelas de Pernambuco (Cufa/PE). “Quando as coisas começaram a faltar, a Cufa ajudou bastante com a doação de cestas básicas e de um auxílio. Nesse momento eu peço para que as pessoas que doam, continuem, porque não está sendo fácil para muitas pessoas, eu sou uma prova viva da importância que a Cufa tem para a gente”, afirma Elídia.
Elídia dos Santos, sua filha Maria Heloisa e Jeovanna, criança que toma conta para ter uma renda / Crédito: Rafael Furtado/Folha PE
A Cufa/PE trabalha diretamente nas comunidades oferecendo assistência para milhares de pessoas que passam por situações como as que vivem Nauane e Elídia. Eles sabem da importância de qualificar os trabalhadores das favelas para o mercado de trabalho, mas a prioridade, neste momento, é suprir as necessidades básicas da população. “A gente vem fazendo esse trabalho assistencialista pensando em garantir a segurança alimentar das famílias e também pautando uma série de cursos com parceiros voltados para a questão do empreendedorismo. Mas como a gente vai pensar em colocar os moradores da favela para empreender se eles estão com a barriga vazia? Com a fome não se negocia”, indaga Altamiza Melo, presidente da Cufa/PE.
A atuação direta da Cufa/PE nas comunidades permite que eles tenham uma visão direta das consequências do fim do auxílio para essas pessoas. “A maioria dos trabalhadores das favelas possuem um emprego informal, como diarista, faxineira e manicure. Muitos outros que possuíam carteira assinada também precisaram entrar nesse segmento. Porém, nesse período, a procura por esses serviços está mais escassa. Com isso, estamos percebendo o aumento no número de pessoas catando lixo, pedindo dinheiro nas ruas e até mesmo da criminalidade”, explica Altamiza Melo.
O professor de sociologia da Universidade Federal de Pernambuco, Sidartha Soria, explica esse fenômeno social que Altamiza relatou: “Os efeitos do fim do auxílio são como uma cascata. À medida que a renda vai acabando, há o aumento da insegurança alimentar, uma elevação nos níveis de tensão e o desespero social. Tudo isso pode resultar na elevação da criminalidade e início, até mesmo, de saques e desordem social”.
Por fim, além dos impactos sociais, o fim do auxílio também irá influenciar os resultados da economia brasileira. “Do ponto de vista econômico, o que se espera é uma redução significativa da demanda agregada. Isso quer dizer que as pessoas vão consumir menos. Se as pessoas consomem menos, os agentes econômicos produzem menos, logo pode-se concluir que a atividade econômica vai se retrair. Ou seja, o crescimento econômico esperado para compensar o ano de 2020 irá ser prejudicado”, explica o economista João Rogério Alves Filho.