Auxílio Brasil: Juro do consignado no mercado é quase três vezes o cobrado de aposentados do INSS
Taxa chega a 4,96% ao mês, ou 78,8% ao ano. Bancos já fazem pré-cadastro
Os juros oferecidos no empréstimo consignado para beneficiários do Auxílio Brasil, chegam a ser quase três vezes a taxa cobrada dos beneficiários do INSS. Bancos e instituições financeiras se anteciparam à regulamentação da medida e já começaram a fazer pré-cadastros de quem recebe o Auxílio Brasil. A taxa de juros chega a 4,96% ao mês — ou 78,8% ao ano — o que preocupa especialistas.
No caso de aposentados e pensionistas do INSS, os juros estão em 26,9%.
A possibilidade foi liberada pelo governo Bolsonaro, que editou em março a medida provisória (MP) 1.106/2022, aprovada em julho deste ano pelo Senado. O texto também permite a concessão de consignado a quem recebe os R$ 1.212 do Benefício de Prestação Continuada (BPC/Loas), o que já foi regulamentado pelo INSS, que paga o valor do piso nacional a idosos acima de 65 anos e pessoas com deficiência carentes.
A MP limita a 40% dos atuais R$ 400 do Auxílio Brasil o percentual da renda mensal que pode ser comprometido com o pagamento da parcela. Correspondentes bancários, que fazem a intermediação da concessão de consignados para diferentes bancos e instituições financeiras, já começaram a recolher dados pessoais, como CPF e código familiar do Auxílio Brasil, em um pré-cadastro de beneficiários.
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Num correspondente de Madureira, na Zona Norte do Rio, representantes oferecem crédito de R$ 1.600 com taxa de juros mensal de 4% pela financeira Facta e o Banco Pan. O valor será descontado do benefício em 24 parcelas de R$ 160, o que significa que o consumidor vai pagar R$ 3.840 — R$ 2.240 a mais do que o crédito contratado.
Num correspondente de Niterói que opera o consignado do BMG, o limite de crédito é um pouco maior: o empréstimo de R$ 2.070 pode ser quitado também em 24 parcelas de R$ 160, com taxa mensal de juros de 4%, num total de R$ 3.840 — ou seja, R$ 1.770 além do crédito obtido.
Em outro local, também em Madureira, quem recebe o Auxílio Brasil pode se pré-cadastrar para pegar R$ 2.087 e pagar em 24 vezes de R$ 160, com juros de 4,96% ao mês. A oferta também é pela financeira Facta. Neste caso, o beneficiário também paga R$ 3.840 — isto é, R$ 1.753 a mais do que o montante contratado.
Risco de endividamento
O crédito consignado é concedido com desconto das parcelas em folha de pagamento ou benefício. Por ter como garantia o desconto direto, esse tipo de operação de crédito pessoal é um dos que oferecem os menores juros do mercado (de 2,14% ao mês para aposentados e pensionistas do INSS).
Coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim avalia que a possibilidade de pré-cadastro é “abusiva”. Ela também afirma que o risco de endividamento desse público com a medida é alto:
"Correspondentes bancários estão se antecipando e colocando a proposta para os consumidores de forma abusiva. Já há reclamações de pessoas que foram levadas pelo discurso, entregaram documentos, dados pessoais e assinaram documentos, mesmo que o crédito não esteja liberado".
O instituto tem acompanhado relatos de beneficiários que já estão sendo assediados tanto por telefone quanto por WhatsApp sobre consignado.
"É muito preocupante. Estamos falando de uma população extremamente vulnerável, e que muitas vezes não entende os riscos de contratar crédito, ainda mais com uma margem (de comprometimento da renda) tão grande. Como cobrar esses juros de quem tem a menor situação econômica, que justamente é assistido por um programa social?", questiona Ione.
Grandes bancos não pretendem oferecer o consignado aos beneficiários do Auxílio Brasil. O Bradesco afirmou que está avaliando, mas em princípio não deve operar a linha. Os bancos Inter e Santander informaram que não têm o serviço, e o Itaú não tem perspectiva de vir a oferecer. O BMG não se manifestou.
O Globo entrou em contato com a Facta, que não retornou. O Banco Pan afirmou que se prepara para oferecer o consignado e que sua atuação será limitada ao previsto na proposta do governo.
Para o advogado Guilherme Justino Dantas, do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados, a espera pela regulamentação da medida explica os juros altos:
"Nessa fase de pré-cadastro, as financeiras ainda não sabem se poderão de fato contar com a garantia do Ministério da Cidadania. Acredito que, com a regulamentação, as taxas devem cair".