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Entrevista

Bolsonaro é fera ferida e não vai parar, diz Arminio Fraga

Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea InvestimentosArminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimentos - Foto: Divulgação

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) é uma '"fera ferida" e "acuada" diante de seus baixos índices de aprovação e deve tornar constantes os ataques à democracia, como os do 7 de Setembro.

Na opinião do ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, 64 anos, esse comportamento deve afetar a recuperação da economia, retraindo investidores, elevando as taxas de juros e pressionando o dólar e a inflação.

"Do ponto de vista econômico, é absolutamente paralisante", afirma. Segundo ele, a esperada recuperação do setor de serviços, que representa 70% do PIB (Produto Interno Bruto), vai acontecer em "um ambiente muito adverso para o emprego, para o empreendedorismo e para o investimento em geral".


Ex-presidente do Banco Central (1999-2002), Armínio Fraga é sócio-fundador da Gávea Investimentos e do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde. É graduado em economia pela PUC-Rio e doutor pela Universidade Princeton

Pergunta - O mercado reagiu de maneira muito incisiva e negativa aos novos arroubos autoritários no 7 de Setembro, que subiram de tom. Como isso afeta a economia daqui para frente?

Armínio Fraga -
Isso reforça uma ameaça antiga. Vem lá de trás, com ele já eleito, mas não empossado, dando sinais nesse caminho. Com o tempo, isso se confirmou.

Começou com essa estratégia meio inspirada no Steve Bannon [ex-estrategista-chefe de Donald Trump] de perseguir a imprensa, o mundo da cultura, o terceiro setor e a ciência. A coisa evoluiu, as tensões com os outros Poderes vinham num crescendo, e agora isso levou a esses dois discursos.

Eu interpreto que a ausência de violência nas ruas pode ter sido tática. Não posso acusar ninguém, mas era a minha expectativa que, se tivesse havido violência, teria sido algo muito negativo para o governo.

Como os índices de aprovação do governo vêm caindo e parecem muito restritos ao grupo mais próximo, e insuficientes para uma reeleição, começa a ficar claro que podemos estar diante de um comportamento de fera ferida, de fera acuada. E isso é sempre um perigo.

Meu receio a essa altura é que isso será uma constante daqui até o fim deste governo.

Do ponto de vista econômico, é absolutamente paralisante. De um lado, temos um governo engessado porque não prioriza direito o gasto, e não é de hoje, fazendo com que o investimento público seja muito baixo, com sérios problemas de qualidade. E isso começa a impactar nos temas clássicos. No crescimento e na desigualdade, num círculo vicioso.

É assim que vejo essa história toda, terrível.

Embora esse ruído todo seja horrível, alguns analistas acreditam que o segundo semestre será de respiro por conta da volta da atividade no setor de serviços, responsável por 70% do PIB. Como avalia esse "cabo de guerra": de um lado, Bolsonaro atrapalhando; de outro, os serviços voltando?

AF -
Era o esperado na medida em que a pandemia fosse controlada. As coisas estão melhorando e é digno de nota que o povo brasileiro quer se vacinar, ao contrário de muitos países ricos, como os EUA e na Europa, onde entre um terço e um quarto da população não quer, algo impressionante. Pelo menos esse problema o Brasil não tem.

Mas o que está acontecendo com essa variante delta assusta bastante, fazendo com que a situação seja mais próxima de uma endemia do que de uma pandemia. Não se sabe com certeza ainda o quanto as coisas vão melhorar. Mas isso tudo está acontecendo em um ambiente muito adverso para o emprego, para o empreendedorismo e para o investimento em geral.

Você usou o termo "fera ferida". Acha que o comportamento do presidente é apenas irracional ou tem algo de estratégia?

AF -
Hoje fica difícil negar que ele tem uma estratégia, claramente. Não é boa, nem a que a gente precisa, mas ele tem. Isso se depreende não tanto do discurso, que é agressivo e tosco, mas da prática. Essa estratégia está dando errado e é muito perigosa. E o mercado, de certa maneira, responde a isso.

Temos um aumento significativo das taxas de juro e uma inflação que assusta, principalmente com nosso histórico, que não permite brincar com isso. Sem uma âncora fiscal, o que o Banco Central pode fazer também é limitado. Isso tudo se espelha no dólar, que está muito mais caro do que poderia estar num ambiente mais calmo, ainda de preço de commodities favorável.

A curva de juros já mostra taxas bem acima de 10% em um horizonte de cinco anos, assim como a inflação embutida nessas taxas. Isso já seria o suficiente para assustar qualquer país. Mas, com nosso histórico de inflação, é bem grave.

O que preocupa muito é o apetite para investimentos. Com frequência se fala muito do investimento estrangeiro, que sempre tem o seu peso, mas o que me preocupa mesmo é o interno. Se não temos confiança dentro, quem está fora e olhando para a América Latina hoje, praticamente toda se arrebentando, não vai se arriscar.

Nosso assunto é interno e, enquanto nação, não temos conseguido nos organizar para embarcar numa trajetória de desenvolvimento com D maiúsculo, sustentado e inclusivo, e que deveria estar ao nosso alcance. Não é um problema insolúvel do ponto de vista técnico e econômico. Ao contrário. O Brasil tem muito espaço para melhorar.

Um governo mais arrumado, com uma visão boa do futuro, equilibrada, acho que faz esse país crescer de 3% a 4%, sem exagerar no otimismo. Tem muito espaço para melhorar, muito mesmo.

O que temos na perspectiva eleitoral, por enquanto, é Bolsonaro e o ex-presidente Lula no segundo turno, com uma vitória do petista na segunda rodada. Não apareceu ainda uma terceira via. O que esperaria de um outro governo Lula, tendo o país já passado por oito anos com o ex-presidente?

AF -
Vai caber a ele se posicionar. Torço para que ele não ganhe e acho que está na hora de aparecer outra alternativa. E isso seria importante, mesmo que não ganhe, para enriquecer o debate.

Vamos ver o que o Lula diz. Todo mundo sabe que ele, do ponto de vista de um projeto inclusivo e sustentável, até do ponto de vista ambiental e fiscal, começou bem. Isso é inegável. Depois, foi entornando e quis fazer a dedo a sucessora dele [Dilma Rousseff]. Deu no que deu.

Ele vai ter de convencer a população de sua proposta. É fácil olhar o lado positivo, mas não podemos nos esquecer que, depois, o PT no poder jogou fora a melhor oportunidade de desenvolvimento que esse país já teve. Sem falar nas outras facetas [suspeitas de corrupção] do governo, que não são exclusivas do PT. O PT não inventou isso, mas se abraçou também nas práticas.

Eu achava que o PT teria um horizonte de tempo para dar uma arrumada no país. O [ex-presidente] Fernando Henrique [Cardoso] fez bastante isso, com o redesenho do Estado. As coisas estavam bem encaminhadas e o Lula turbinou aspectos importantes na questão social.

Acho que o Brasil ainda não passou de um ponto em que não haja retorno. Mas deveríamos estar tão melhores O Brasil vai ter, outra vez, a oportunidade de buscar um caminho melhor. Mas não dá para nos iludirmos. Para que dê certo, muita coisa vai ter que acontecer. E a política vai ter de encontrar alguma forma mais produtiva de trabalhar.

Mas o que precisamos neste momento é sobreviver a essa sandice que está aí. Essa é a ordem do dia. Precisamos pensar e buscar caminhos. O Brasil precisa estar pronto, independente de quem ganhe, desde que não seja essa turma atual.

 

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