Caso Americanas e juros altos devem levar à reorganização do varejo, dizem executivos
Presidente da Via, dona de Casas Bahia e Ponto, e conselheiro do Mercado Livre, analisam tendências do setor
Roberto Fulcherberguer, presidente da Via (varejista dona das marcas Casas Bahia e Ponto), e Stelleo Tolda, conselheiro do Mercado Livre, afirmaram, nesta terça-feira (14), que a alta de juros no Brasil e no mundo, por um lado, e o caso Americanas, por outro, devem levar a uma consolidação no varejo brasileiro. A uma plateia de investidores e executivos em São Paulo, ambos disseram que as plataformas concorrentes de Americanas já se beneficiam de ganhos em participação de mercado com as dificuldades da Americanas (que está em recupereção judicial).
— Quem não construiu de maneira sustentável o seu negócio, em um momento como esse, é um grande fornecedor de market share (participação de mercado). A gente enxerga esse evento que acabou de acontecer (caso Americanas) como um desafio de curto prazo, porque assusta todo o ecossistema financeiro, mas é uma grande oportunidade no médio e longo prazo porque tem muito share para ser capturado e muitos consumidores órfãos de plataforma nesse momento — afirmou Roberto Fulcherberguer durante a CEO Conference, evento promovido pelo banco BTG Pactual.
Já Tolda afirma que o maior impacto no setor vem da alta nas taxas de juros, que mudou o jogo no varejo ao encarecer o custo do crédito e a sinalizar para investidores que a rentabilidade é importante. No cenário de juros baixos, a expansão de vendas no segmento ocorria com comprimento das margens. Para o executivo, o cenário de juros menores "não vai voltar durante muito tempo.
— O cenário (era) de uma competitividade muito agressiva, ao ponto de prejudicar as empresas. O que aconteceu a partir desse momento, seguido também do aumento de juros nos Estados Unidos, foi uma mudança de mentalidade no geral, das empresas e dos investidores. As empresas que não fizeram nada ou não foram ágeis o suficiente para reagir estão carregando um problema que vai potencialmente aparecer mais ainda lá na frente — disse Tolda.
O caso Americanas, afirmou Tolda, teve como efeito encarecer ainda mais o crédito. — Os spreads de crédito estão mais caros, não só porque o juro de base aumentou, mas também porque o risco de crédito é maior (após o rombo da Americanas) — ressaltou o conselheiro do Mercado Livre.
— Nós, a Via e outros players (varejistas) devem se benecificar atraindo seller (vendedores em plataformas de marketplace) e consumidores também — disse Tolda.
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A entrada no Brasil de operadores asiáticos, a exemplo de Shopee e Shein, por exemplo, ocorreu no cenário em que "o dinheiro era de graça", segundo Tolda. Mas agora as plataformas "não podem se dar ao luxo de cometer loucuras", disse, em alusão à queima de caixa feita na estratégia de ganho de mercado.
— Acho que vem aí uma organização, alguns players que chegaram têm uma desorganização tributária muito grande, acho que em algum momento o Brasil vai olhar para isso e vai focar, organizar isso. Perde uma parte da competitividade na hora em que isso acontecer — ressaltou Fulcherberguer. A fala faz alusão a uma crítica dos operadores mais tradicionais sobre eventual sonegação de impostos cometidas pelas novas entrantes no mercado, que vendem majoritariamente produtos importados.
Tolda afirmou acreditar "num potencial de consolidação ainda maior" do mercado varejista, o que implicaria a redução dos níveis de competição e eventualmente, a saída de operadores do mercado brasileiro. Já Fulcherberguer diz que não veremos, no Brasil, uma consolidação nos moldes da ocorrida no varejo americano, em que a Amazon cresceu rapidamente e se tornou hegemônica. — Quando a Amazon aconteceu lá atrás, o varejo inteiro ficou assistindo a Amazon acontecer. Só que já aconteceu lá e o varejo todo aqui se preparou ou vem se preparando para isso. Não tem esse efeito de um chega e ganha tudo — disse o presidente da Via.
— Esse ajuste que tivemos aí do ano passado (alta de juros) e do evento neste ano (caso Americanas) de certa forma começa a mostrar, como diria Warren Buffet, que a maré baixou e a gente sabe quem está nadando pelado. (...) A gente vai ver uma consolidação que diz respeito a essa acomodação, mas acho que os players que estão mais bem posicionados no que diz respeito à sua estratégia, à sua estrutura de capital, tendem a sair ganhadores de share (participação de mercado) — afirmou Tolda.
Apesar disso, Tolda e Fulcherberguer ressaltaram que Mercado Livre e Via não têm, no momento, priorizado aquisições de concorrentes para ganhar participação de mercado.