CCJ da Câmara aprova PEC que parcela precatórios e abre caminho para Bolsa Família turbinado
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A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira (16) a proposta do governo que parcela dívidas da União reconhecidas pela Justiça (precatórios). O objetivo do texto é abrir espaço no Orçamento de 2022 para outras despesas, como a expansão do Bolsa Família.
O parecer pela admissibilidade da PEC (proposta de emenda à Constituição) recebeu 32 votos favoráveis e 26 contrários. A proposta agora segue para uma comissão especial da Câmara, que discutirá possíveis ajustes no texto.
O avanço foi observado mesmo com vários discursos contrários por parte da oposição, que chamou a PEC de tentativa de calote e a comparou a uma pedalada no teto de gastos (norma constitucional que impede despesas federais de subirem mais do que a inflação). A PEC abre um espaço de R$ 33,5 bilhões no Orçamento de 2022. Sem uma flexibilização, a conta das sentenças judiciais será de R$ 89,1 bilhões no ano que vem -o que dificulta acomodar despesas no Orçamento e força o governo a buscar outras saídas.
O relator, deputado Darci de Matos (PSD-SC), defendeu que a PEC não fere a Constituição. "A narrativa que o parcelamento é um calote não procede", afirmou. Um dos principais argumentos do relator é que a Constituição já prevê um mecanismo de parcelamento. A regra só permite a flexibilização do precatório que supere 15% do total devido, o que na prática é inócuo diante da dificuldade de o número ser alcançado.
Além do próprio relator, um dos únicos a defender a PEC no momento das discussões foi o deputado Capitão Alberto Neto (Republicanos-AM). "Vai sair de onde esse dinheiro [para os precatórios]? Vai pegar um empréstimo e pagar juros? Vai tirar da saúde, da infraestrutura, do social?", questionou.
"Precisamos baixar a guarda. O presidente recuou, fez um gesto grande de distensionamento com o STF [Supremo Tribunal Federal). É pelo bem da nação", disse Neto.
A oposição dominou os discursos deslocando uma série de lideranças para criticar a proposta, o que postergou a decisão ao longo do dia. Elas defenderam que a matéria é inconstitucional, dribla o teto de gastos e fere até mesmo garantias fundamentais da população frente ao Estado. O deputado Rui Falcão (PT-SP) afirmou que haverá judicialização em massa e que o governo tenta fingir que cumprirá o teto de gastos. "Há uma saída, que o governo quer evitar, que é pagar rompendo o teto", afirmou.
"[Mas] o teto é a Bíblia, é o dogma, então vamos romper o teto fingindo que não estamos rompendo o teto", criticou Falcão. "Como o sagrado mercado diz que não se pode romper o teto, vamos fingir, vamos fabular que estamos no estrito cumprimento legal da emenda 95 [que criou o teto]", disse.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) afirmou que precatório é matéria julgada, sobre a qual não cabe discussão. "O Poder Judiciário toma a decisão de que há uma dívida, e o Legislativo vai autorizar e dizer que é constitucional o governo não cumprir o que foi determinado pelo Judiciário? O governo procura legalizar um calote", afirmou Rosário.
Também criticaram a PEC deputados como Gleisi Hofmann (PT-PR), Alessandro Molon (PSB-RJ), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Orlando Silva (PCdoB-SP). O governo chegou a citar nos últimos dias receios com o prosseguimento da PEC no Congresso. Articuladores citam o fato de PECs demandarem apoio de três quintos dos parlamentares (ou seja, de 49 senadores e 308 deputados).
A última de interesse do Executivo votada no Congresso, a do voto impresso, foi barrada na Câmara por obter 79 votos aquém do necessário – mesmo sendo defendida pessoalmente por Bolsonaro.
Diante das resistências, uma nova PEC passou a ser sugerida pelo vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). A ideia é tirar precatórios do teto de gastos, mas o Ministério da Economia resiste à solução.
Paralelamente, o governo passou a buscar uma saída via Judiciário para flexibilizar os pagamentos. Mas a saída não era um consenso na Corte antes e ficou ainda mais prejudicada pelas ameaças de Bolsonaro ao STF no 7 de Setembro. Interlocutores do Judiciário intensificaram o discurso de que o caminho não deve ser dado pelo Tribunal.
A posição foi reforçada pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. "Não me parece que sejamos nós o 'locus' desse tipo de questão, de maneira inicial", afirmou, dizendo que a Corte deve analisar o assunto posteriormente no caso de um questionamento sobre a solução encontrada.
Guedes confirmou a interferência do 7 de setembro nas negociações. "Eles [STF] estavam nos ajudando, quando veio esse barulho [ameaças de Bolsonaro]. E agora estamos de volta ao mesmo lugar de antes", afirmou Guedes na sexta-feira (10) a investidores.
ENTENDA A PEC DOS PRECATÓRIOS
- R$ 89,1 bi
É o total a ser pago com sentenças judiciais em 2022, se não houver PEC ou outro tipo de flexibilização
- R$ 33,5 bi
É a estimativa de economia com a PEC em 2022
Regras da PEC:
- Parcela em até dez anos o precatório superior a R$ 66 milhões;
- Parcela em até dez anos os precatórios que, em ordem decrescente, fizerem a soma dos valores superarem 2,6% da receita corrente líquida do governo;
- Todo precatório abaixo de R$ 66 mil fica fora do parcelamento;
PEC também prevê novo fundo da União, voltado à liquidação de passivos
Origem dos recursos do fundo:
- Venda de imóveis da União;
- Venda de participação societária de empresas;
- Dividendos recebidos de estatais (menos as despesas de estatais dependentes);
- Outorga de concessões e de delegações de serviços públicos;
- Antecipação de valores do excedente de óleo em contratos de partilha de petróleo;
- Arrecadação gerada pela redução de benefícios tributários (no primeiro ano);
Destinação dos recursos do fundo:
- Pagamento da dívida pública;
- Pagamento de precatórios que seriam parcelados.