Reforma tributária

Cerveja x cachaça: entenda a briga das indústrias de bebidas por causa do "imposto do pecado"

Cervejeiras querem que o Imposto Seletivo tenha gradação por teor alcoólico, enquanto a indústria da cachaça pleiteia tratamento igual. Especialistas alertam para risco de retrocessos

Cerveja e CaipirinhaCerveja e Caipirinha - Foto: Pexels

Eles fazem parte do mesmo setor. Mas não se entendem quanto ao novo imposto que deve ser criado com o objetivo desestimular o consumo dos produtos que vendem. Dentro da indústria de álcool, os fabricantes de cerveja e de destilados divergem sobre o Imposto Seletivo, previsto na Reforma Tributária.

O Imposto Seletivo aparece na PEC como um tributo de caráter extrafiscal, de competência da União, e voltado para "produção, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente". A alíquota e incidência serão definidas por meio de lei complementar.

Na indústria de álcool, fabricantes de cerveja e cachaça estão em lados opostos. De um lado, os destilados esperam que o imposto tenha a mesma alíquota para todo o tipo de bebida e alegam que "álcool é álcool". Do outro, cervejarias defendem que o "imposto do pecado" tenha uma gradação de alíquota que varie de acordo com o teor alcoólico do produto.

O setor do álcool, junto com o de tabaco, já é sobretaxado no sistema atual a partir de alíquotas maiores do IPI, de competência federal, e do ICMS, de atribuição estadual. Com a reforma, os tributos da União serão reunidos no CBS e, dos estados, no IBS.

Em relatório publicado em agosto, o Ministério da Fazenda, aponta que "em termos gerais" o IS incidirá sobre fumo e bebidas, "de forma a arrecadar montante equivalente à tributação atual (de ICMS, PIS/Cofins e IPI)".

O tributo é comum em outros países que adotam o sistema de IVA, como propõe a reforma no Brasil. Lá fora, ele costuma ser chamado de "Sin Tax" ("Imposto do Pecado", em português) ou o de "Excise Tax" (algo como "Imposto Especial sob Consumo"). O formato, no entanto, muda de lugar para lugar.

Cerveja x cachaça: todo álcool é álcool?
Para a indústria de cerveja, o objetivo é garantir que o sistema siga a mesma lógica do tributo na Inglaterra, entre os maiores consumidores de cerveja no mundo. O imposto britânico tem gradações diferentes. Para bebidas com teor alcoólico inferior a 3,5%, incidem alíquotas menores. Produtos com teor maior que 8,5% são mais onerados.

"Nós produzimos a bebida alcoólica com menor teor alcoólico do país. O nosso IPI tem um racional parecido com esse (de gradação da alíquota). No imposto seletivo, você deveria fazer a tributação por conteúdo de álcool puro" defende Márcio Maciel, presidente executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), que representa as duas maiores fabricantes do país.

Na tabela do IPI, cerveja, vinho, aguardente e vodca têm tratamentos diferentes. As alíquotas podem variar de 3,9%, caso da cerveja de malte, até 19,5% para a vodca, gim e rum.

Carlos Lima, diretor de Mercado e Estudos Econômicos do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), espera que a reforma tributária ponha fim a essa diferença. Ele defende também que a reforma não gere aumento de carga, sob o efeito de "aumentar o mercado ilegal":

"Não acredito que essa seja a melhor forma de desestimular consumo. Mas tendo Imposto Seletivo, a gente espera que não haja aumento de tributação para a cachaça, que já é extremamente taxada, e o tributo seja isonômico. A gente não pode perpetuar a distorção que existe hoje no mercado de bebidas."

Indústria de cigarro quer garantia de "neutralidade"
Os fabricantes de tabaco afirmam que o objetivo do setor e a demanda que têm levado aos parlamentares, sobre o IS, é a garantia da neutralidade, ou seja, que a reforma não aumente a carga para a indústria. O principal argumento, além de alegarem que os impostos já são altos, é de que uma tributação maior terá como efeito negativo o aumento do contrabando de cigarros.

"O que a gente tem defendido é que realmente tenha essa neutralidade. Temos levado as autoridades dados sobre mercado ilegal que mostram que, quando se aumenta a tributação, gera-se um incentivo para o crescimento desse mercado. Estamos começando a fazer um trabalho de interlocução com o Senado" diz Giuseppe Lobo, gerente executivo da Associação Brasileira da Indústria do Fumo (Abifumo).

Entre as preocupações do setor privado, está a abrangência do Imposto Seletivo e a possibilidade que ele seja usado como um instrumento arrecadatório e possa ser ampliado em momentos em que o governo precise de mais arrecadação. Outra questão é a incidência: se ele será monofásico (apenas em uma parte da cadeia) ou não.

O advogado e economista Eduardo Fleury, consultor do Banco Mundial, lembra que reduzir consumo não é o único objetivo do Imposto, mas incluir no preço do produto o custo social que ele gera - no sistema de saúde, por exemplo. Ele, em geral, é aplicado em um elo da cadeia, geralmente o distribuidor ou o fabricante.

"Nós, de certa forma, já temos esse imposto. A ideia é mesmo fazer com que aquele produto seja mais caro, levando em consideração o que o governo gasta com saúde e outros impactos. A lógica é essa" explica Fleury.

Quanto pode ser alíquota do IS
Organizações de saúde temem que o desenho do Seletivo acabe deixando brecha para haver uma redução de tributos de determinadas indústrias em relação ao que é pago atualmente.

"Para o tabaco e álcool, a grande questão é evitar que a alíquota do imposto seletivo não baixe a carga tributária que hoje é aplicada, muito pelo contrário. Toda a experiência do tabaco provou que a medida mais custo efetiva para redução de consumo é a questão tributária" avalia Marília Sobral Albiero, Coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde.

Empresas e representantes das indústrias do álcool e tabaco consultadas pelo GLOBO dizem que ainda não calcularam as alíquotas do IS que manteriam a neutralidade tributária - ou seja, sem aumento de carga - porque, antes, precisam saber qual será a alíquota padrão.

Durante audiência pública na Câmara dos Deputados, no mês passado, o advogado e professor da EPPG/FGV, mostrou alguns cálculos sobre o tema, com base nos dados de arrecadação e tributação atual e a projeção de um IVA dual de 27%.

O pesquisador indica que a alíquota do IS que manteria a carga atual do cigarro seria de 42,40%, a depender da incidência do imposto na cadeia, seja na produção ou no varejo. No caso do álcool, em um cenário que leva em consideração apenas a cerveja, o valor seria de ao menos 34,58% - para que nenhum estado perca a receita, a alíquota teria de ser 55%, segundo o pesquisador.

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