Chuva derruba preço da energia no mercado livre, mas consumidor comum sai perdendo
Entidades do setor elétrico dizem que o cenário reflete uma distorção no modelo de cálculo desse preço
A previsão da chegada de chuvas sobre os reservatórios das hidrelétricas derrubou o preço de negociação da energia no mercado livre. Mas o consumidor residencial, em vez de se beneficiar, está sendo prejudicado com esse movimento, segundo especialistas do setor.
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Entidades do setor elétrico dizem que o cenário reflete uma distorção no modelo de cálculo desse preço. A Abrace (Associação Brasileira dos Consumidores de Energia) pede uma intervenção emergencial do governo no mercado para resolver o problema ainda durante a crise hídrica.
A decisão poderia ser tomada pela Creg (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética) ou pelo CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico).
Depois de passar 13 semanas no valor máximo de R$ 583,88 por MWh (megawatt-hora), a energia no mercado livre está sendo negociada esta semana por cerca de R$ 200 por MWh, mesmo que os reservatórios ainda estejam em níveis historicamente baixos.
A queda abrupta, dizem especialistas, reflete um problema no cálculo desse valor, que é conhecido como PLD (preço de liquidação de diferenças) e é o balizador das negociações de energia na CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).
Hoje, a previsão de chuvas representa 49% do cálculo do PLD. As chuvas passadas representam apenas 12%. "O PLD não está refletindo o preço da energia", diz o presidente do conselho de administração da CCEE, Rui Altieri. "O nível dos reservatórios tem que ter um peso maior."
Esse preço remunera as liquidações de contratos na câmara: quando algum agente precisa de energia extra para cumprir compromissos com seus clientes, vai pagar o PLD a empresas que tenham energia sobrando naquele período.
Assim, quem hoje está descontratado se beneficia da queda, ao contrário do que ocorreu nas semanas em que o preço estava no teto, cenário que provocou problemas financeiros em ao menos duas comercializadoras descontratadas nesse período.
Por outro lado, quem tem energia sobrando acaba recebendo menos. É o caso das distribuidoras de eletricidade, que têm contratos de suprimento de longo prazo mas estão vendendo menos com a migração de clientes ao mercado livre, o aumento da geração própria de energia e a crise econômica.
O presidente da Abradee (Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica), Marcos Madureira, diz que a receita com a venda das sobras de energia poderia beneficiar o consumidor, já que esses ganhos poderiam atenuar a necessidade de reajustes nas tarifas.
"Hoje estamos vivendo uma crise hídrica e quem está pagando a maior parte da conta é o consumidor do mercado regulado [que inclui os clientes residenciais e empresas de menor porte, que não podem migrar ao mercado livre]", diz ele.
O presidente da Abrace, Paulo Pedrosa, lembra que o Brasil está acionando todo o seu parque térmico, incluindo usinas com custo em torno de R$ 2.500 por MWh para poupar água nos reservatórios.
"Ao mesmo tempo, o PLD está caindo para R$ 200. Isso é um absoluto desestímulo à resposta pela demanda, isso estimula o consumo."
Ele diz que mesmo grandes consumidores com contratos de energia de longo prazo são prejudicados, já que pagam uma taxa extra para financiar as térmicas, que hoje está em R$ 63 por MWh.
A Abrace vem questionando o cálculo desde o início do ano, quando a crise hídrica já tinha efeitos sobre os reservatórios, mas o PLD chegou a bater o preço mínimo de R$ 70,71 no início de março.
"O que está acontecendo é uma transferência de renda dos consumidores que têm contratos para agentes do mercado livre de energia", afirma ele. "Muita gente vendeu contrato assumindo risco e agora deveria estar pagando [preços mais altos]."
Abrace, Abradee e CCEE pedem uma revisão da composição do PLD, para que reflita melhor as condições dos reservatórios. A primeira vai além, sugerindo uma intervenção no modelo ampliando o preço mínimo, como foi feito durante o racionamento de 2001.
"Quando olhamos para o ano que vem, podemos ter longuíssimos períodos com custo elevado de encargos [para pagar as térmicas], com PLD chegando ao piso nas regiões Norte e Nordeste quando começar a chover em Belo Monte", argumenta Pedrosa.
A queda do PLD é um dos motivos que levaram as distribuidoras de energia a alertar o governo sobre um rombo na conta das bandeiras tarifárias cobradas sobre a conta de luz. Para essas empresas, os R$ 14,20 por kWh (quilowatt-hora) cobrados na bandeira de escassez hídrica não são mais suficientes para bancar as térmicas.
Segundo Madureira, o problema é resultado do aumento do custo com a compra de combustível para térmicas e com a importação de energia, associado à redução de receita das distribuidoras com menores vendas e preços mais baixos no mercado livre.
Segundo projeção da consultoria MegaWhat, a conta das bandeiras deve fechar o ano com um rombo de R$ 8 bilhões, mesmo após a criação da bandeira de escassez hídrica, que elevou a taxa extra em quase 50% em setembro.
Na quarta (14), a secretária executiva do MME (Ministério de Minas e Energia), Marisete Pereira, disse que o governo está avaliando o pleito, mas sinalizou que não haverá novo aumento da taxa extra.
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R$ 583,88 por MWh
É o valor máximo para o preço de liquidação de contratos no mercado livre de energia. Vigorou por 13 semanas entre o fim de junho e o fim de setembro
R$ 213,50 por MWh
Valor médio para liquidação de contratos de energia nas regiões Sudeste e Centro-Oeste nesta quinta (14).
16,82%
Nível dos reservatórios das hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste na quarta (13), segundo o ONS.
R$ 7,97 bilhões
Rombo projetado pela consultoria MegaWhat para a conta de bandeiras tarifárias ao fim do ano, mesmo com alta de quase 50% na taxa extra da conta de luz.