Chuvas no RS reabrem debate sobre volta de estoques reguladores de preços de alimentos
Conab retomou política no ano passado, e só há milho em armazéns
Abolida no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, a retomada da política de estoques reguladores anda a passos lentos e voltou ao debate por conta das chuvas no Rio Grande do Sul, principal fornecedor de arroz ao país. Não há um único grão do produto nos armazéns públicos administrados pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Como o estado é responsável por 70% da produção de arroz no país, o temor é o produto ficar mais escasso. Esse receio de que altas afetem, principalmente, pequenos comerciantes e consumidores, levou o governo a autorizar a Conab a importar até 1 milhão de toneladas de arroz. A empresa dará preferência ao produto oriundo do Mercosul, isento de tarifas de importação.
Os estoques servem para intervir no mercado: a Conab faz leilões de compra, para aumentar o preço ao produtor. Ou, na outra ponta, vende os produtos no mercado, para evitar altas especulativas e garantir o abastecimento.
Segundo dados da estatal, de milho há cerca de 400 mil toneladas nos estoques. Açúcar, algodão, café e farinha de mandioca não existem nos armazéns públicos. Há pouco mais de 20 anos, havia cerca de 1 milhão de toneladas de arroz estocados.
— Os estoques públicos foram zerados e 30% dos armazéns foram desativados — afirmou Edegar Pretto, presidente da Conab.
Pretto disse que, de 91 armazéns públicos, restam 64. A Conab contratou 14 armazéns particulares e começou, no ano passado, a formação de estoques de milho.
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Ex-ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff e ex-senadora Kátia Abreu elogiou a opção pela retomada dos estoques reguladores.
— Quem poderia imaginar em março que compraríamos arroz em maio — ressaltou.
Porém, José Carlos Hausknecht, sócio e diretor da MB Agro, afirmou que a política de estoques reguladores pode desestimular os agricultores porque reduz os preços dos produtos.
— Há muito tempo não temos política de estoques reguladores. É uma política bastante controversa, uma vez que pode desestimular os agricultores a plantarem, pois abaixa o preço recebido por eles, ainda mais quando é feita com importação de produto — disse ele.
Para Hausknecht, uma política de estoques reguladores deveria comprar produtos nacionais, quando existe excesso de oferta e os preços estão baixos, e vender quando sobem. O especialista destaca que o país não enfrenta um grave problema de desabastecimento, pois a maior parte da colheita já havia sido feita antes das inundações na grande maioria dos municípios gaúchos.
— Além disso, o Brasil já importa de países vizinhos como o Paraguai e exporta parte da produção para outros países. Seria o caso apenas das empresas importarem um pouco mais — afirmou.
A seu ver, uma medida que vai ajudar e é mais eficiente consiste na retirada temporária do Imposto de Importação, para facilitar as empresas buscarem arroz de fora. Construir um estoque regulador em momentos de escassez de produto, ressalta, acaba elevando os preços.
— Se formos importar 1 milhão de toneladas para formar estoque, deverá haver um aumento de preços no arroz do Paraguai e Argentina. Portanto, não faz sentido fazer isso agora.
O pecuarista Pedro Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira e ex-secretário de política e comercialização do Ministério da Agricultura no governo Fernando Henrique Cardoso, observa que é preciso ver se a Conab está preparada para fazer essa operação de importação.
Ele lembra que serão usados para atender a uma situação de calamidade recursos do Orçamento, que poderá contribuir para um déficit nas contas públicas.
— A Conab está preparada para essa ação? Compra, transporte e distribuição? — perguntou Camargo.