Com acordo com UE eclipsado, China e Ucrânia dominam discussões em viagem de Lula a Bruxelas
Diferenças entre blocos afastam negociação comercial de cúpula da Europa com América Latina e Caribe; China e guerra gerarão divergências
A participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na III Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) e da União Europeia (UE) marca a retomada dos encontros entre as duas regiões depois de uma pausa de oito anos, em um momento de retomada também da imagem do Brasil no exterior.
Sob a impossibilidade de avançar nas negociações do acordo comercial Mercosul-UE, uma das principais divergências entre as regiões acabou sendo como tratar a guerra na Ucrânia no texto da declaração final.
Apesar da expectativa, o acordo Mercosul-UE não entrará na agenda oficial. Ambos os blocos apresentam divergências sobre temas como compras governamentais e meio ambiente, o que deve postergar as negociações. O governo brasileiro não gostou do documento chamado de side letter enviado pelos europeus, que prevê sanções comercias em caso de descumprimento de compromissos ambientais.
Ofensiva chinesa
O entendimento de fontes do governo é de que alguns países europeus usam o argumento ambiental para esconder sua vontade de proteger seu mercado agrícola interno da competição brasileira — seria o caso de França e Irlanda.
O Brasil já preparou uma contraproposta ao documento, mas o texto acaba de ser enviado aos parceiros do Mercosul para avaliação. Um consenso não deve sair tão cedo. Hoje e amanhã em Bruxelas, o tema do acordo deve aparecer em reuniões bilaterais, como no encontro de Lula com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o primeiro compromisso oficial do presidente.
Leia também
• Lula diz que pretende concluir acordo "equilibrado" com UE neste ano
• Participação de Lula na Celac marca retomada de encontros com a União europeia; entenda
• Presidente Lula chega a Bruxelas para cúpula Celac-EU
A China será o “elefante na sala” do segundo compromisso do dia. Lula participa da abertura do fórum empresarial União Europeia-América Latina, momento em que os europeus devem abordar o Global Gateway. A iniciativa é uma estratégia da UE para investimentos em infraestrutura ao redor do mundo, mas o foco na América Latina, neste caso, é explicado pelo temor causado pelo avanço da presença da China na região. O entendimento é de que os europeus devem reforçar sua presença na região, destino cada vez mais importante de investimentos chineses. Na quarta-feira passada, o jornal Financial Times publicou um editorial afirmando que os europeus estavam chegando atrasados à América Latina.
A guerra na Ucrânia é uma das principais divergências que vem ocupando a cabeça e o tempo dos negociadores de ambas as regiões em Bruxelas. Enquanto os europeus tinham a expectativa de inserir no texto da declaração final da cúpula uma condenação explícita da Rússia, os latino-americanos —sobretudo Brasil, Cuba e Venezuela — preferem uma linguagem mais neutra.
"Questão" Maduro
Segundo fontes do governo brasileiro, o Brasil concorda em tratar do tema reconhecendo que é caro e sensível e que há diferentes posições dentro dos dois blocos. Esses interlocutores lembram que o Brasil condena a invasão da Ucrânia, posição estabelecida na ONU, mas afirmam que, para o país, a versão ideal para o texto final da cúpula seria chamar a atenção para a necessidade de solucionar controvérsias pacificamente e pedir para que as partes dialoguem. O governo quer focar os debates em temas birregionais e considera que, apesar de Ucrânia ser um tema existencial para os europeus, a III Cúpula EU-Celac não é sobre o país, e, sim, sobre temas de interesse para as duas regiões.
Outro tema sensível é o governo da Venezuela sob Nicolás Maduro, que não deve comparecer à cúpula e enviou em seu lugar a vice-presidente Delcy Rodríguez. Enquanto os países europeus são unânimes na condenação a Maduro, os países latino-americanos mantêm posições divergentes sobre o governo venezuelano.
A “questão Maduro” é diferente do debate sobre a guerra na Ucrânia, de toda forma, já que a Venezuela é membro da Celac, diferentemente do país do Leste Europeu, que não é membro da UE, portanto não tem voz para mexer no texto. Os próprios negociadores venezuelanos têm o poder de vetar menções negativas a seu governo.
Além da participação na cúpula, onde o principal tema a ser discutido será a arquitetura financeira internacional, o presidente Lula deve também manter encontros bilaterais. Símbolo da retomada da imagem do Brasil no exterior da esperança de maior cuidado do país com o meio ambiente — tema caro à população europeia — Lula deve se reunir com a premier da Dinamarca, Mette Frederiksen.
Fundo Amazônia
Nessa reunião, a expectativa do governo brasileiro é que ela anuncie investimentos do seu país para o Fundo Amazônia. Segundo fontes do governo do Brasil, os governos europeus têm interesse doméstico em participar do fundo, pois o impacto positivo com o público interno de estar contribuindo para o fim do desmatamento compensa o investimento financeiro.
Além da líder dinamarquesa, Lula deve se reunir também com o rei belga, Philippe, e seu premier, Alexander de Croo, a premier de Barbados, Mia Mottley, e a presidente do Parlamento Europeu, Roberta Metsola.
Amanhã pela manhã, ele se reúne com líderes de partidos progressistas europeus, encontro organizado pelo líder socialista e ex-premier da Súecia Kjell Stefan Löfven. Participa também o premier espanhol Pedro Sánchez, que ligou a Lula na semana passada para convencê-lo a participar da cúpula na Europa apesar de hesitações do brasileiro, que cogitava enviar seu vice, Geraldo Alckmin.
Ainda não está decidido se Lula participará ou não do encerramento da Cúpula dos Povos amanhã. Sua porta-voz, Paula Polanco, tem a expectativa de que o presidente participe do evento e espera também que ele convença os líderes europeus a mudarem sua linguagem com relação à guerra na Ucrânia.