Com dificuldades fiscais, governos federal e estaduais deixam de arrecadar 7% do PIB com incentivos
Relatório elaborado por pesquisadores da FGV faz parte de projeto mundial de calcular esse item de despesas em diversos países
Enquanto o governo federal discute um pacote de corte de gastos, governadores em todo o país têm dificuldades de fechar as contas. No entanto, um montante significativos de impostos deixam de ser arrecadados pelos estados e pela União devido a incentivos fiscais a atividades econômicas.
O “gasto tributário” — referente à renúncia na arrecadação de tributos — nos orçamentos da União e dos estados deverá atingir 6,9% do PIB este ano, ligeiramente abaixo dos 7,2% de 2023, estima o Relatório Nacional sobre Gastos Tributários, divulgado nesta quarta-feira, no Rio.
Os gastos tributários se referem ao quanto um governo deixa de arrecadar com tributos quando oferece uma renúncia para determinados grupos de contribuintes — por exemplo, uma redução na alíquota cobrada sobre determinado setor da economia.
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O benefício pode ser oferecido para empresas ou pessoas físicas. E não podem ser classificadas assim renúncias ou isenções generalizadas, como os trabalhadores que ganham abaixo do limite de cobrança do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) ou os acionistas e sócios de empresas, que não pagam o mesmo tributo sobre lucros e dividendos porque não há essa cobrança na legislação brasileira.
Falta de padrão e transparência
Segundo Manoel Pires, coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do FGV Ibre e um dos autores do relatório, a falta de padrão na definição do que é gasto tributário dificulta o trabalho de calcular os valores envolvidos.
A conta parte da arrecadação e da comparação com uma estimativa do quanto seria a receita pública caso o tributo fosse cobrado conforme o padrão.
— Uma das principais críticas que se faz a esse tipo de política é exatamente a opacidade delas. Medir já quase é um ato heroico. Elas foram feitas para serem escondidas, de certa forma, e isso acarreta dificuldade de identificação, de mensuração, de avaliação de impacto e é uma fonte de desigualdade muito grande, porque quem consegue isso acaba conseguindo porque tem acesso ao Legislativo e ao governo — afirmou Pires.
Segundo o estudo, “em comparação com outros países, sejam eles ricos ou emergentes”, o gasto tributário como proporção do PIB não é elevado no Brasil, mas a falta de transparência dificulta até mesmo a visão internacional.
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Até porque a organização dos governos é diferente, disse Pires. Países de grande território e organizados em federação, como Brasil, Índia e Canadá, têm a particularidade de ter elevados gastos tributários a cargo de governos subnacionais.
— Uma grande contribuição do relatório foi consolidar séries históricas e descer até o nível dos estados para entender o problema — disse Pires.
Salto em 20 anos
Segundo o estudo, os gastos tributários no Brasil saltaram nos últimos 20 anos. Em 2002, eram 2,1% do PIB. A elevação se deu tanto porque essas despesas passaram a ser melhor calculadas e divulgadas, especialmente pelos governos estaduais, quanto porque houve um aumento da renúncia mesmo, como forma de dar um “alívio” no aumento da carga de impostos que houve do fim dos anos 1990 até a primeira década deste século, explicou o pesquisador do FGV Ibre.
O relatório divulgado nesta quarta-feira defende também uma padronização nacional sobre o que é ou não gasto tributário, aproveitando um impulso que já será dado pela Reforma Tributária, que criará o Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O novo sistema de tributos aumentará a transparência sobre esse tipo de gasto, na avaliação de Pires:
— A reforma ajuda no sentido de uniformizar o sistema tributário. De cara, vai reduzir o gasto tributário sobre o consumo.
Ajuste nas contas
A melhor estimativa de quanto é o gasto tributário no país também poderá ajudar no ajuste dos desequilíbrios nas contas do governo. Para Pires, o ajuste tem que ser feito, ao mesmo tempo, tanto sobre as receitas quanto sobre as despesas — embora muitos analistas sobrem medidas que cortem os gastos.
— Temos que atacar os dois (mais receitas e menos despesas) onde há mérito para atacar. Quando escolhe um em detrimento do outro, está eliminando uma parcela importante da solução para o problema. Essa polarização entre ajuste pelas receitas ou ajuste pelas despesas tem fragilizado um pouco o sucesso do ajuste — resumiu o pesquisador.
O relatório integra um banco de dados mundial sobre esse tipo de gasto público, elaborado pelo CEP e o Instituto Alemão de Desenvolvimento e Sustentabilidade (Idos, na sigla em inglês). O seminário, que ocorre na manhã desta quarta-feira, tem o apoio da Samambaia Filantropias.