Com dólar a R$ 6, Banco Central deve acelerar de novo ritmo de alta da taxa Selic
Em novembro, o aumento foi de 0,50 ponto, já mais forte do que a primeira elevação do ciclo, de 0,25 ponto em setembro
A passagem de bastão de Roberto Campos Neto para Gabriel Galípolo na liderança do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) deve ser marcada por um aumento mais forte da taxa básica de juros. Com o dólar a R$ 6, piora da inflação e economia muito aquecida, o colegiado não deve ter outra alternativa senão acelerar mais uma vez o ritmo de aperto da Selic nesta semana, de acordo com analistas do mercado.
A maioria das apostas é de uma alta de 0,75 ponto percentual, de 11,25% para 12% ao ano, que já seria o maior patamar da Selic em um ano. Mas não está descartado um ajuste mais duro, de 1 ponto percentual, para 12,25% ao ano. Em novembro, o aumento foi de 0,50 ponto, já mais forte do que a primeira elevação do ciclo, de 0,25 ponto em setembro.
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No último encontro, o Copom não se comprometeu com nenhum passo específico e disse que os "ajustes futuros" seriam ditados "pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta". Mas as apostas migraram de vez para nova aceleração após a apresentação do pacote fiscal pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
A reação negativa do mercado financeiro, principalmente devido ao anúncio conjunto do aumento da isenção do Imposto de Renda, levou o dólar a superar a marca de R$ 6 pela primeira vez e a continuar renovando recordes na última semana.
O Copom já vinha alertando sobre os impactos dos desdobramentos fiscais para os ativos financeiros, como o câmbio, e para a política monetária e indicando que regras críveis eram importantes para uma trajetória mais favorável da Selic.
O dólar mais alto se traduz em aumento de preços de produtos e serviços que usam componentes importados, impactando negativamente a inflação. Também pesa para um câmbio mais depreciado atualmente a expectativa para o governo de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos em 2025.
No Copom de novembro, foi considerada uma cotação do dólar de R$ 5,75 nas projeções de inflação oficiais do BC, que já estavam acima da meta de 3,0%. O colegiado esperava que o IPCA terminasse 2024 em 4,6% (já acima do teto de 4,5%), 2025 em 3,9% e chegasse ao 2º trimestre de 2026, foco atual da política monetária, em 3,6%.
Essas projeções tendem a piorar, não só pelo câmbio, mas pelo desempenho recente da inflação e da atividade econômica. O Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre (0,9%) mostrou que a economia continua muito forte.
Por fim, as estimativas de inflação se distanciaram ainda mais da meta de 3,0%. Neste ano, o BC e o mercado financeiro esperam que a inflação fique fora do limite de tolerância (4,5%). Para 2025 e 2026, as estimativas na Focus pularam de 4% para 4,4% e de 3,61% para 3,81%, nessa ordem.
— Tem muita informação nova desde o último Copom e sua combinação indica aceleração da inflação. Houve uma piora substancial do risco inflacionário — resume o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani.
Padovani espera que a Selic suba 0,75 ponto nesta quarta-feira, para 12%, e alcance 13,50% em maio.
A economista e sócia da Tendências Consultoria Alessandra Ribeiro tem a mesma expectativa para a dose de aumento dos juros na reunião desta semana, mas acredita que a taxa deve alcançar 14% no fim do ciclo, em junho.
Segundo ela, o BC precisará ser mais duro do que em novembro devido à piora da percepção de risco do país, evidenciada pelo patamar do câmbio, à economia muito aquecida e ao distanciamento das expectativas de inflação.
Mas a economista acredita que não será necessário dar um choque de juros, com um aumento de 1 ponto, porque considera que o estresse do mercado tende a se acomodar na medida em que ocorra a aprovação das medidas de contenção de gastos apresentadas pelo governo.
— Há sinalização de um andamento um pouco mais rápido no Congresso. Isso pode gerar uma acomodação no mercado, nada maravilhoso, mas sai do pico de estresse. Veio um encaminhamento fiscal, abaixo do desejado, mas endereçando algumas questões sensíveis, como salário mínimo, BPC e abono salarial — disse.
Último ato
Os dois economistas avaliam que foi acertada a estratégia do BC de não se comprometer com um ritmo de alta de juros e que isso deve se repetir esta semana. Padovani lembra, contudo, que a comunicação da gestão de Campos Neto no BC foi alvo constante de críticas.
São exemplos desde as declarações que culminaram no racha da reunião de maio deste ano tanto o forward guidance formal em 2020, quando o Copom levou a Selic a 2%.
Para além da mínima histórica dos juros, Campos Neto ficará marcado por ter atuado como primeiro presidente do BC autônomo, uma agenda que defendeu enfaticamente, e que mostrou seus desafios com a troca de governo. O atual comandante da autoridade monetária se tornou o alvo favorito das críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
A partir do ano que vem, Lula terá maioria no Copom. Segundo Alessandra Ribeiro, as últimas indicações para o BC foram positivas, principalmente a de Nilton David para a diretoria de Política Monetária, atualmente ocupada por Galípolo.
— Mas o mercado vai testar o Copom. Será o teste do pudim reunião após reunião. Para ver se o BC está reagindo conforme o cenário econômico vai pedindo.