Como a Austrália vai (ou não) manter crianças e adolescentes longe das redes sociais
Críticos dizem que ainda há grandes questões não apenas sobre como a nova lei será aplicada, mas também sobre se a proibição realmente protegerá os jovens
A Austrália aprovou uma lei para impedir que crianças menores de 16 anos criem contas em plataformas de mídia social. O projeto de lei, que o governo chama de um movimento “líder mundial” para proteger os jovens online, foi aprovado no Senado nesta quinta-feira com o apoio dos dois principais partidos do país.
A câmara baixa do Parlamento o havia aprovado no início da semana.
“Isso é sobre proteger os jovens, não puni-los ou isolá-los”, disse Michelle Rowland, ministra das comunicações da Austrália.
Ela citou a exposição a conteúdo sobre abuso de drogas, transtornos alimentares e violência como alguns dos danos que as crianças podem encontrar online. A legislação tem amplo apoio entre os australianos, e alguns grupos de pais têm sido defensores vocais.
Mas ela tem enfrentado reações adversas de uma aliança improvável de gigantes da tecnologia, grupos de direitos humanos e especialistas em mídia social. Os críticos dizem que há grandes questões sem resposta sobre como a lei será aplicada, como a privacidade dos usuários será protegida e, fundamentalmente, se a proibição realmente protegerá as crianças.
O que está na lei?
A lei exige que as plataformas de mídia social tomem “medidas razoáveis” para verificar a idade dos usuários e proíba menores de 16 anos de abrir contas. O governo não especifica quais plataformas serão cobertas pela proibição — isso será decidido posteriormente —, mas o governo nomeou TikTok, Facebook, Snapchat, Reddit, Instagram e X como sites que provavelmente serão incluídos.
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Três grandes categorias de plataformas serão isentas: aplicativos de mensagens (como WhatsApp e Messenger Kids, do Facebook); plataformas de jogos; e serviços que fornecem conteúdo educacional, incluindo o YouTube. Aqueles com 15 anos ou menos também ainda poderão acessar plataformas que permitam que os usuários vejam algum conteúdo sem registrar uma conta, como TikTok, Facebook e Reddit.
Rowland disse que a restrição à criação de contas, em vez de conteúdo de forma mais ampla, atenuaria os danos associados à vida online — como “notificações e alertas persistentes” que poderiam afetar o sono e a capacidade de concentração dos jovens — ao mesmo tempo em que limitaria o efeito da lei na população em geral.
Os defensores da proibição dizem que atrasar a exposição das crianças às muitas pressões das mídias sociais lhes daria tempo para desenvolver uma “identidade mais segura”, ao mesmo tempo em que tiraria a pressão dos pais para policiar a atividade online de seus filhos.
Mas especialistas em mídia digital e alguns grupos de pais disseram que a natureza fragmentada das plataformas torna pouco claro do que ela pretende proteger as crianças. Uma abordagem mais eficaz seria tratar o problema desde a raiz, exigindo que as empresas de mídia social fizessem um trabalho melhor de moderação e remoção de conteúdo prejudicial, disse Lisa Given, professora de ciências da informação na Universidade RMIT, em Melbourne.
A nova lei “não protege as crianças contra danos potenciais nas mídias sociais”, defende Given. “Na verdade, ela pode criar outros problemas ao excluir os jovens de informações úteis, além de abrir uma série de preocupações com a privacidade para todos os australianos.”
Como será aplicado?
Isso ainda não está totalmente claro. O projeto de lei afirma que as empresas de mídia social devem tomar medidas razoáveis para avaliar as idades dos usuários, mas as plataformas são deixadas para decidir como fazer isso. Aqueles que não cumprirem podem ser multados em até 49,5 milhões de dólares australianos (cerca de R$ 193,7 milhões).
Em uma medida que foi adicionada em resposta a preocupações com privacidade, a lei estabelece que fornecer um documento de identidade emitido pelo governo não pode ser a única opção que as plataformas de mídia social oferecem aos usuários para verificar sua idade. Outros métodos sugeridos pelo governo incluem as chamadas tecnologias de garantia de idade, como usar um escaneamento facial para determinar a idade aproximada de um usuário ou estimá-la com base no comportamento online.
Algumas dessas tecnologias já estão sendo testadas. O Facebook, por exemplo, está ensinando a IA a estimar a idade dos usuários observando coisas como as mensagens de aniversário que eles recebem. O governo australiano está conduzindo seu próprio teste dessas ferramentas, e os resultados informarão como ele define as “medidas razoáveis” que as plataformas de mídia social devem tomar.
Mas Daniel Angus, diretor do Digital Media Research Centre na Queensland University of Technology, disse que não era realista para o governo basear sua lei, mesmo em parte, nesse tipo de tecnologia, que geralmente é impulsionada por IA, em grande parte ainda em desenvolvimento e de forma alguma infalível. Ele acrescentou que "há enormes, enormes preocupações com privacidade em torno dessas, enormes preocupações com rastreamento. Tudo isso permite, de alguma forma, a capacidade de rastrear usuários online".
Qual foi a resposta?
Pesquisas mostram que a maioria dos australianos é a favor da proibição. Grupos de pais têm sido amplamente favoráveis — embora alguns digam que a lei não vai longe o suficiente e deveria cobrir mais plataformas.
Alguns pais que culpam as mídias sociais pela morte de seus filhos têm sido particularmente ativistas pela proibição, como Kelly O'Brien, que disse que sua filha de 12 anos, Charlotte, cometeu suicídio após sofrer bullying dentro e fora das mídias sociais. “Ao darmos esses telefones aos nossos filhos, estamos dando a eles armas, estamos dando a eles o mundo na ponta dos dedos”, disse Kelly a um meio de comunicação australiano.
As empresas de mídia social criticaram a lei. Elon Musk, o dono do X, disse na plataforma que ela “parece uma maneira secreta de controlar o acesso à internet por todos os australianos”. A Meta, empresa controladora do Facebook e do Instagram, disse que a proposta “ignora a realidade prática da tecnologia de garantia de idade, bem como as opiniões da maioria das organizações de saúde mental e segurança juvenil do país”.
O LinkedIn argumentou que não deveria estar dentro do escopo da proibição porque, em parte, “simplesmente não tem conteúdo interessante e atraente para menores.”
Alguns especialistas descreveram a proibição como performativa. “O uso principal desta legislação — não vamos fingir o contrário — é fazer parecer que nosso Parlamento está tomando uma posição”, escreveu Annabel Crabb, uma das principais jornalistas da emissora nacional da Austrália. Grupos de direitos humanos também levantaram preocupações.