Como o Japão, que já foi o maior PIB do mundo, saiu do ranking das 3 maiores economias do mundo?
País asiático perde posto de terceira maior economia do mundo para a Alemanha
A economia do Japão encolheu a um ritmo anualizado de 0,4% nos últimos três meses do ano passado, após uma contração revisada de 3,3% no trimestre anterior, informou o Gabinete do Governo na quinta-feira.
A contração pelo segundo trimestre indica que o país entrou em recessão e o resultado confirma o que o Fundo Monetário Internacional (FMI) indicava em suas projeções ainda em outubro: o país perdeu o posto de terceira maior economia para a Alemanha, que também não vive sua melhor fase.
Os economistas esperavam que a economia tivesse uma expansão de 1,1%. O relatório mostrou que tanto as famílias quanto as empresas reduziram seus gastos.
O país, que chegou a superar brevemente os Estados Unidos como maior PIB global, perdeu o segundo lugar para a China em 2010 e agora sai de vez do ranking das três maiores economias do mundo.
Isso tudo com a perspectiva de ser em breve superado pelos indianos, que deverá ocupar a quarta posição em 2026, segundo o FMI.
Na projeção do Fundo, o Brasil figura em nono lugar, com um Produto Interno Bruto (PIB) estimado em US$ 2,13 trilhões em 2023, ultrapassando o Canadá, com PIB previsto de US$ 2,12 trilhões.
Mas por que o Japão passou de protagonista a coadjuvante no cenário econômico? Entenda:
Industrialização acelerada
O país passou a ser muito ativo em termos de política industrial no pós-guerra, com o Ministério da Indústria e Comércio assumindo papel importante no fomento à indústria. O PIB japonês crescia cerca de 10% ao ano entre 1953 e 1973 e, mesmo após o Choque do Petróleo, a economia conseguia avançar a uma taxa anual de até 4%.
— O Japão conseguiu ter o que chamamos de convergência: uma taxa de crescimento muito alta em referência ao que teve em períodos anteriores — resume Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ e especialista em economia internacional.
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O país chegou a ser visto como ameaça potencial aos interesses e à liderança americana no mundo. O Japão acumulava mega-superávits em função do comércio com os EUA, beneficiando-se da alta demanda por importações daquele país e chegando a ser, em 1985, o principal credor líquido global, posição que tradicionalmente era ocupada pelos americanos.
O ambiente mais favorável criou condições para aumento da demanda interna, compensando a perda do impulso exportador com o crescimento do mercado doméstico. O consumo privado e os investimentos, principalmente em moradia, cresceram na segunda metade dos anos 1990.
Mas as sucessivas valorizações do iene, a realocação de indústrias japonesas no exterior e, em particular, o surto especulativo verificado nos mercados de ativos de Tóquio levaram o Japão a uma crise política e econômica sem precedentes nos anos 1990, conforme aponta Ernani Teixeira Torres Filho, professor da UFRJ, em artigo sobre a crise da economia japonesa.
O Japão sofreu com o estouro da bolha imobiliária e enfrenta até hoje os efeitos da profunda recessão que atravessou no período. Segundo Torres Filho, a economia japonesa praticamente estagnou desde 1992, registrando crescimentos de 0,7% ao ano.
Recessão prolongada e ascensão da China
O consumo das famílias e a formação bruta de capital fixo, indicador de investimentos na economia, perderam força. A indústria japonesa teve de se reestruturar, e a exportação de bens de consumo duráveis amargou perdas. O governo japonês lançou mão da política fiscal para estimular avanços na economia, mas não foi possível sustentar o crescimento.
— A partir da década de 1990, a economia japonesa entra em recessão e desde então não consegue sair. A crise imobiliária acontece e desde então o país tem uma taxa de crescimento muito baixa. O Japão não consegue manter o dinamismo — afirma Prado.
Enquanto sua atividade econômica encolhia, outros países do Sudeste da Ásia foram ganhando participação na economia global. Ao mesmo tempo, houve o forte avanço da China, após as reformas econômicas, que fizeram o país alçar o posto de segunda maior economia do mundo a partir de 2010.
Outro obstáculo ao crescimento é a demografia envelhecida do Japão. O país sofre com a queda da população em idade economicamente ativa, o que aumenta os custos do estado com assistência médica e previdência social.
— A economia japonesa está envelhecida, não há em pauta nenhum grande mecanismo de investimento. Provavelmente, o que você vai ter é uma perda de posição — diz Prado.
Moeda desvalorizada e inflação alta
Desde 2013 o banco central japonês aposta na flexibilização monetária, mantendo as taxas de juros baixas. Mas, por consequência, esse movimento desvalorizou muito o iene (moeda local), um dos fatores que ajudam a explicar a queda no ranking das maiores economias do mundo.
— A Alemanha está numa situação difícil tal como o Japão. Ela lida hoje com os efeitos da guerra da Ucrânia e com a crise energética. Portanto, ela não supera o Japão pelo seu bom desempenho. O que acontece nessa circunstância é a posição das moedas, que é o preço de mercado. A taxa de juro hoje é muito baixa e isso desvalorizou muito o iene — explica o professor da UFRJ.
Juros negativos
A moeda japonesa vem se desvalorizando nos últimos meses, mas o Japão ainda mantém juros negativos para estimular a atividade econômica. Enquanto isso, bancos centrais dos EUA e Europa elevaram suas taxas de juros e fortaleceram suas divisas. O iene caiu cerca de 6,4% este ano em relação ao dólar (a maior queda entre as principais moedas).
A queda do iene japonês para 150,89 por dólar, nesta quarta-feira, trouxe uma complicação adicional ao Banco do Japão (BOJ, na sigla em inglês), que vem ponderando sobre o melhor momento para a saída da política de taxas de juros negativas. Seria a primeira subida da taxa desde 2007.
A recente queda levou o vice-ministro das Finanças para assuntos internacionais, Masato Kanda, a sugerir a possibilidade de intervenção cambial -- o alerta mais forte em meses sobre movimentos especulativos do mercado. Ele reiterou que o governo e o BOJ estão em contato estreito e que respeita qualquer decisão da política monetária.
Boa parte dos analistas agora esperam que o presidente do banco central do Japão, Kazuo Ueda, aumente a taxa em março ou abril. A alta da divisa japonesa veio após a divulgação de números da inflação nos EUA mais elevados do que o previsto, reduzindo as expectativas de um corte antecipado das taxas por parte do Federal Reserve, o que favorece o plano de aperto monetário no Japão.
Outro fator que dá sinal verde ao aumento dos juros é a inflação. Os preços têm se mantido acima da meta de 2% do Banco do Japão desde abril de 2022.
— É realmente difícil aferir (o que vai acontecer). Mas a economia japonesa está passando por uma situação difícil. Enquanto China, Índia e Rússia crescem de maneira acelerada, EUA, Japão e Europa estão crescendo menos — conclui Prado.