Coreana retira candidatura e destrava escolha de nova líder da OMC
A OMC está sem diretor-geral titular desde julho, quando o brasileiro Roberto Azevêdo deixou o cargo
A ministra do Comércio da Coreia do Sul, Yoo Myung-hee, retirou sua candidatura à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), abrindo caminho para a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala e para a solução de pelo menos um dos entraves impostos à entidade pela gestão do ex-presidente dos EUA Donald Trump.
Após meses de processo sucessório entre oito candidatos, Yoo e Okonjo-Iweala chegaram em outubro à fase final da disputa, que é normalmente decidida por unanimidade entre os 164 membros. Os EUA, no entanto, se recusaram a retirar seu apoio a Yoo no final do ano passado, travando a escolha.
A OMC está sem diretor-geral titular desde julho, quando o brasileiro Roberto Azevêdo deixou o cargo, um ano antes do final de seu mandato.
No comunicado em que anunciou a retirada da candidatura, Yoo disse que a decisão veio após "consulta com os principais países, como os Estados Unidos", segundo a mídia sul-coreana. O novo presidente americano, Joe Biden, já havia prometido fortalecer organizações multilaterais e reverter políticas de seu antecessor e, após sua posse, os EUA apoiaram uma declaração pedindo "a rápida nomeação de um novo diretor-geral da OMC" e a confirmação do evento mais importante da entidade, a 12ª Conferência Ministerial.
Uma reunião ordinária do conselho geral da OMC está marcada para os dias 1º e 2 de março, mas a escolha do diretor-geral vai depender da confirmação, pelo Senado americano, do novo representante de Comércio dos EUA - a indicada por Biden é a conselheira comercial Katherine Tai.
O mesmo motivo - falta de representantes da nova gestão - levou os EUA a manterem, em 25 de janeiro, outra barreira imposta pela gestão Trump à OMC: o bloqueio de seu principal instrumento de solução de disputas, o Órgão de Apelação.
Ao se recusar a apoiar a candidata nigeriana, a gestão Trump argumentou que ela não tinha experiência em comércio exterior. Okonjo-Iewala de fato não ocupou cargos específicos nessa área, mas especialistas no tema dizem que ela demonstrou conhecimento profundo sobre comércio durante o processo de seleção.
Às críticas de inexperiência, a nigeriana respondeu que comércio está na base dos altos cargos de finanças e desenvolvimento que ela ocupou, e que o que mais faz falta no momento à OMC é um diretor-geral com forte habilidade de negociação.
Okonjo-Iweala tem agora mais chances do que nunca de se tornar a diretora-geral da OMC -a primeira mulher e a primeira africana- mas a entidade continuará sob pressão dos Estados Unidos, que contestam suas regras e decisões já desde a gestão de Barack Obama.
Entre as principais críticas estão a atitude da OMC em relação à China, que se beneficiou do sistema de comércio internacional para catapultar suas exportações, sem que a entidade conseguisse frear os subsídios do Estado chinês às empresas do país.
Analistas que defendem ampla reforma da OMC dizem que seu sistema de regulação, criado para lidar com economias de mercado ocidentais, não tem ferramentas para conter o sistema chinês, que fecha o mercado a estrangeiros, força investidores a tranferir tecnologia e subsidia exportações.
Os entraves à OMC deixados por Trump
Órgão de Apelação
O quê - Trump bloqueou a indicação de membros do órgão de apelação que analisa as decisões iniciais sobre controvérsias. Sem novas nomeações para substituir mandatos que expiraram, o órgão não tem o mínimo de 3 do total de 7 juízes para ouvir um caso.
Por quê - Assim como a gestão Obama, Trump apontou práticas irregulares do órgão de apelação, como ultrapassar os prazos de decisão sem pedir autorização às partes, ou manter membros em um caso mesmo ao final de seu mandato. Sob Trump, os EUA propunham substituí-lo por arbitragem bilateral, sem estabelecer precedentes, mas isso poderia favorecer partes mais fortes. Os EUA também se consideram prejudicados em análises sobre seus mecanismos de combate a dumping.
Efeito - na prática, o braço de soluções de controvérsia da OMC foi imobilizado e o de negociações comerciais foi afetado, por causa da insegurança jurídica. Um mecanismo paralelo foi criado, mas usá-lo deixa aberta a porta para que a parte vencida conteste a decisão.
Como resolver - questões técnicas podem ser resolvidas com mandatos mais longos do membros, por exemplo. Para temas mais políticos, como o das medidas antidumping, será preciso acordo. O economista Peter Morici, por exemplo, professor da Universidade de Maryland, propôs que Biden retomasse a nomeação de juízes, condicionada a uma exceção americana para solução de controvérsias com a China, para forçar uma solução ao protecionismo estatal do país asiático.
Guerras comerciais
O quê - O governo Trump deu as costas aos acordos multilaterais e ao papel da OMC para negociar regras e julgar disputas; iniciou guerras comerciais e priorizou acordos bilaterais, que tendem a favorecer a nação mais forte.
Por quê - mesmo antes de Trump, os EUA veem favorecimento à China, que continua a desfrutar de tratamento preferencial garantido a países em desenvolvimento, em detrimento aos interesses americanos em decisões da OMC. Uma gota d'água foi decisão contra subsídios americanos a painéis solares nacionais, sob o argumento de que eram injustos com fornecedores estrangeiros, apesar de subsídios dados pela China a seus produtores.
Efeito - Reduziu o poder político da OMC.
Como resolver - abrir dentro da entidade a discussão sobre como financiar a recuperação da economia de forma sustentável sem ferir regras da OMC.
Novo diretor-geral
O quê - A gestão Trump negou apoio à economista nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, impedindo consenso na escolha do novo diretor-geral. Em outubro de 2020, a decisão foi adiada, à espera das eleições americanas.
Por quê - Os EUA afirmaram que Okonjo-Iweala não tem experiência em comércio internacional, e por isso mantiveram seu voto na sul-coreana Yoo Myung-hee. Um hipótese foi a de que a gestão Trump a considera próxima demais do ex-representante comercial Robert Zoellick, com quem trabalhou no Banco Mundial. Um terceiro motivo seria simplesmente enfraquecer a OMC.
Efeitos - aprofundou a crise política por que passa a OMC.
Como resolver - a retirada de Yoo abre camiinho para a escolha de Okonjo-Iweala, mas ainda é preciso reunião de membros e consenso entre eles.
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PRINCIPAIS CASOS DO BRASIL NA OMC
Embraer-Bombardier:
O embate entre as duas empresas começou em 1996, quando a empresa canadense questionou junto à OMC os subsídios concedidos à Embraer por meio do programa "PROEX-Equalização". Em resposta, o Brasil iniciou disputa contra o Canadá em razão dos subsídios concedidos pela província de Quebec à Bombardier. O Brasil obteve autorização para retaliar o Canadá em montante semelhante àquele que havia sido obtido pelo governo canadense contra o Brasil. Isso levou os países à mesa de negociação, o que resultou, em 2007, na revisão das regras de crédito de exportação de aeronaves. Em 2017, o Brasil entrou com nova queixa.
Estados Unidos/Algodão:
O Brasil questionou os subsídios concedidos pelos EUA à produção doméstica e à exportação de algodão no período 1999-2002. Diante da recusa americana em cumprir as decisões do Órgão de Apelação da OMC, o Brasil obteve o direito de retaliar os EUA, no valor de US$ 829 milhões para o ano de 2009. Os EUA acordaram em pagar ao Brasil compensação com recursos destinados a projetos de desenvolvimento e modernização da cotonicultura brasileira.
Incentivos à indústria brasileira:
Em 2016, a OMC considerou ilegais alguns programas de política industrial brasileira, questionados por União Europeia e Japão, e determinou o encerramento deles. Parte dos programas acabou no governo Michel Temer, como PATVD (televisão digital), Inclusão Digital (venda no varejo de alguns produtos de informática) e Inovar Auto (setor automotivo). A lista também incluiu a Lei de Informática e o PADIS (semicondutores).
Fontes: Ministério das Relações Exteriores e OMC (Organização Mundial do Comércio).