'Corte primeiro, conserte depois': como Elon Musk reduz custos em suas empresas
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Em uma manhã de sábado em dezembro de 2022, Elon Musk convocou executivos financeiros do Twitter, empresa que ele havia comprado seis semanas antes, para uma teleconferência. Em seguida, ele se concentrou em uma planilha que continha os gastos da empresa de mídia social.
Musk estava furioso, disseram três pessoas que participaram da ligação. Mesmo depois de o Twitter ter demitido mais de três quartos de seus funcionários — deixando-o com pouco mais de 1.500 trabalhadores, em comparação com quase 8 mil anteriormente —, os gastos da empresa ainda pareciam fora de controle, afirmou o bilionário aos participantes.
Nas seis horas seguintes, Musk leu a planilha linha por linha e pediu aos funcionários que explicassem cada item. Ele ordenou que alguns itens — como serviços de transporte para executivos — fossem cortados completamente.
Em um momento, ele confrontou um funcionário responsável por um contrato multimilionário relacionado à segurança do site e disse que sua empresa de veículos elétricos, a Tesla, gastava muito menos na mesma tarefa. Quando o funcionário contestou, Musk afirmou que ele não fazia mais parte do Twitter.
A reunião foi característica da abordagem que Musk adota para cortar custos. Frugal ao extremo, o empresário de 53 anos esteve profundamente envolvido na redução de orçamentos de suas empresas, incluindo Tesla, SpaceX e Twitter, que ele renomeou como X.
Ao longo de quase três décadas como empreendedor de tecnologia, Musk aperfeiçoou sua política de economia ao analisar minúcias e cortar o máximo possível — frequentemente preferindo cortar demais a cortar de menos, segundo 17 funcionários atuais e antigos e outras pessoas familiarizadas com suas estratégias.
Talvez mais importante, Musk tem sido brutalmente pragmático com os cortes, dando pouca atenção a normas e convenções. O magnata da tecnologia não hesita em reduzir custos a ponto de processos corporativos — e, às vezes, até mesmo a segurança dos produtos — entrarem em colapso, filosofando que ele pode simplesmente consertar as coisas mais tarde, segundo essas pessoas.
E ele não tem medo de ofender, deixando de pagar fornecedores para negociar melhores preços e ignorando fornecedores tradicionais para fabricar peças mais baratas do zero.
— Ele costumava ser um deus. Mas agora você percebe que ele é apenas um homem de negócios. E ele quer cortar tudo até o osso — disse Jim Cantrell, primeiro vice-presidente de desenvolvimento de negócios da SpaceX.
Papel no governo Trump
Agora, Musk, cuja fortuna ultrapassa US$ 307 bilhões, está prestes a levar suas táticas de economia ao governo federal. Na terça-feira, o presidente eleito Donald Trump nomeou Musk e Vivek Ramaswamy, outro aliado de seus aliados, para liderar o novo Departamento de Eficiência Governamental.
Trump afirmou que o departamento promoverá uma “mudança drástica” ao realizar cortes significativos em agências inchadas da burocracia federal até 4 de julho de 2026.
Musk parece aproveitar o mandato, postando repetidamente no X para seus mais de 205 milhões de seguidores nas últimas semanas sobre como o governo federal tem sido ineficiente e perdulário.
Ele também já começou a afiar o machado.
“A magnitude absoluta do desperdício governamental é impressionante de se ver!”, escreveu ele na quarta-feira.
A perspectiva de Musk aplicar seus métodos ao governo dos EUA trouxe memórias perturbadoras para alguns que vivenciaram seus cortes.
Em um comício de Trump no mês passado, Musk prometeu eliminar US$ 2 trilhões, ou 30%, do orçamento anual dos EUA. Recentemente, ele sugeriu que os funcionários do governo enviassem listas semanais de realizações para justificar seus empregos. E cogitou que o governo precisaria de apenas 99 agências, e não mais de 400.
— Ficou claro que eles chegaram com muitas suposições sobre a força de trabalho e o valor que equipes inteiras traziam para a empresa — disse Lara Cohen, vice-presidente de marketing do Twitter, demitida após a aquisição por Musk, referindo-se ao bilionário e seus assessores. — Eles não estavam interessados em ouvir as pessoas que faziam o trabalho, especialmente se isso questionasse suas suposições. Isso levou a muitos erros.
Ainda que a abordagem de Musk nos orçamentos às vezes tenha causado caos, seus cortes podem ter ajudado a salvar pelo menos uma de suas empresas da falência e impulsionado outras à frente dos concorrentes. Ele construiu a Tesla e a SpaceX em negócios líderes que dominaram seus setores enquanto mantinham os custos baixos.
No X, Musk empreendeu uma campanha de austeridade particularmente abrangente, realizando demissões em massa, ignorando contas de aluguel de escritórios e, certa vez, desligando pessoalmente um servidor para acelerar o fechamento de um data center e parar de pagar aluguel.
Funcionários, analistas e usuários previram que os cortes de custos levariam a plataforma social ao colapso — mas, apesar de pequenas falhas, ela continuou funcionando.
Ainda assim, reduzir gastos no X, na Tesla e na SpaceX não é o mesmo que cortar despesas nacionais, que estão sujeitas a uma rede complexa de leis e processos. O Congresso define o orçamento federal, e quaisquer cortes significativos podem atingir programas de benefícios, gerando reações de partes interessadas.
A ausência de resultados apocalípticos nas empresas de Musk, apesar dos cortes, tem alimentado sua confiança.
— Sou muito bom em melhorar a eficiência — afirmou ele em um podcast neste mês.
Musk não respondeu aos pedidos de comentário.
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‘Eu como meu boné’
Desde seus primeiros dias como empreendedor de tecnologia, Musk sempre foi avesso a custos. Em 1995, após fundar seu primeiro negócio no Vale do Silício — uma empresa de software para jornais chamada Zip2 —, ele dormia no escritório para evitar pagar por um apartamento e tomava banho em uma unidade próxima da YMCA.
Mais tarde, Musk fundou uma empresa que evoluiu para a firma de pagamentos eletrônicos PayPal, comprada pelo eBay em 2002 por US$ 1,5 bilhão. Musk reservou US$ 100 milhões de sua parte do lucro para uma empresa privada de voos espaciais, a SpaceX, que ele fundou no mesmo ano, acreditando que poderia fabricar foguetes mais baratos que o governo dos EUA.
A SpaceX eliminou componentes desnecessários das partes dos foguetes, simplificando-os de maneira que os tornava mais baratos e rápidos de fabricar. Cantrell contou que certa vez disse a Musk que os tanques de combustível dos primeiros foguetes da empresa custariam US$ 1 milhão ou mais.
— Isso ofendeu Elon profundamente — contou Cantrell. — As palavras dele para mim foram: “Se custar isso tudo, eu como meu boné.”
Musk começou a examinar tanques usados por caminhões e na indústria de petróleo para ver se seriam mais baratos do que aqueles que grandes empresas de foguetes utilizavam, disse Cantrell. A SpaceX acabou comprando rolos de aço e soldando peças para construir seus próprios tanques por algumas centenas de milhares de dólares.
Chester Crone, executivo da Moog, que fabrica peças de alta performance para espaçonaves, disse que a empresa vendeu dispositivos que utilizam energia para forçar um movimento físico para um dos primeiros foguetes da SpaceX. Mas, após a primeira compra, executivos da SpaceX pediram à Moog para reduzir radicalmente o preço da peça.
— “Não queremos por US$ 100 mil” — conta Crone, recordando as palavras dos executivos da SpaceX. — “Queremos por US$ 10 mil.”
Em seguida, a SpaceX perguntou se poderia simplesmente comprar o design para fabricar a peça ela mesma. A Moog recusou, e a SpaceX procurou outra solução.
— No fim, se ele não gosta do preço que está obtendo de um fornecedor, ele encontra uma alternativa — disse Crone sobre Musk, acrescentando que a Moog raramente vende para a SpaceX desde então.
Procurada pela reportagem, a SpaceX não respondeu a um pedido de comentário.
Em 2010, a SpaceX lançou seu foguete Falcon 9, que custa cerca de US$ 550 milhões (ajustados pela inflação) para ser fabricado, segundo Mo Islam, cofundador e CEO do boletim informativo da indústria espacial Payload. O Falcon 9 é usado para todos os lançamentos comerciais da SpaceX. A Nasa, agência espacial americana, estimou que construir o mesmo sistema poderia ter custado até US$ 4 bilhões.
A frugalidade de Musk não apenas economizou dinheiro para a SpaceX, mas também criou um boom comercial no setor espacial. Atualmente, colocar um quilograma de carga em órbita custa cerca de US$ 2.600, em comparação com os US$ 65 mil do ônibus espacial da Nasa, agora aposentado.
Câmeras ou sensores de radar
Na Tesla, onde Musk se tornou CEO em 2008, suas táticas de baixo custo ajudaram a tornar os veículos elétricos da empresa lucrativos, enquanto rivais como Ford e General Motors ainda perdem dinheiro em cada veículo elétrico vendido.
Musk também usou cortes como técnica motivacional na empresa. Quando a Tesla lançou o SUV Model X, em 2015, Musk retirou os cereais gratuitos dos escritórios da empresa, disseram dois ex-funcionários. Isso economizou alguns milhares de dólares por mês e enviou a mensagem de que Musk estava disposto a cortar — e cortar profundamente — para manter a empresa, então em dificuldades, funcionando.
Por vezes, as medidas de eficiência de Musk podem ter colocado a segurança dos carros da Tesla em risco. Desde 2021, ele se recusou a usar sensores de radar na tecnologia de direção autônoma da Tesla, optando por confiar apenas em câmeras para imitar a visão humana. O custo de uma câmera é cerca de um quinto do de um sensor de radar, ou menos, nos preços atuais.
Em contraste, empresas líderes em veículos autônomos, como a Waymo, utilizam radares e, às vezes, sensores, além de câmeras.
Vítimas de acidentes ou seus sobreviventes entraram com várias ações judiciais, alegando que a tecnologia da Tesla falhou em reconhecer sinais de parada, veículos e outros obstáculos, resultando em ferimentos e mortes. A Administração Nacional de Segurança no Tráfego Rodoviário dos EUA está investigando se o sistema de direção autônoma baseado em câmeras da Tesla foi responsável por quatro colisões, incluindo uma que matou um pedestre.
Musk se recusou a mudar de ideia.
— A visão é realmente como os humanos dirigem — disse ele durante uma teleconferência com investidores em abril.
A Tesla, que não respondeu a pedidos de comentário, aumentou constantemente os gastos com inteligência artificial e outros projetos de pesquisa e desenvolvimento ao longo dos anos, chegando a US$ 3,3 bilhões nos primeiros nove meses de 2024, ante US$ 2,9 bilhões no ano anterior. Mas a receita aumentou mais rapidamente: os gastos com pesquisa, como percentual das vendas, caíram para 4,5% neste ano, contra 4,8% em 2021.
Demissões em massa
Os cortes mais drásticos de Musk foram no Twitter. No dia em que concluiu a compra da plataforma por US$ 44 bilhões, em outubro de 2022, ele demitiu os quatro principais executivos da empresa "por justa causa", uma decisão com a qual ele calculou poder economizar US$ 128 milhões em compensações. (Os executivos processaram Musk por retenção de pagamentos rescisórios.)
As demissões foram apenas o começo. Musk exigiu cortes em massa antes do prazo de novembro de 2022 para o pagamento de bônus em toda a empresa. Embora os bônus tenham sido eventualmente pagos, Musk eliminou mais de 75% da força de trabalho nos primeiros seis meses de gestão.
Os cortes e as saídas foram tão abrangentes que deixaram a empresa "com um conhecimento institucional drasticamente reduzido", disse Eddie Perez, que liderava a equipe de integridade cívica do Twitter e saiu em setembro de 2022:
— Havia muita incerteza e improvisação.
Musk também buscou eliminar mais de US$ 500 milhões em gastos não relacionados à mão de obra. Na véspera do Natal de 2022, ele voou para Sacramento, Califórnia, para fechar o data center do Twitter na cidade. Ele estava irritado com as negociações de aluguel com a empresa proprietária do imóvel e exigiu que o Twitter saísse do espaço imediatamente, disseram dois ex-funcionários.
Contra o conselho de seus funcionários, Musk desconectou um servidor enquanto estava lá para apressar a saída, disseram as pessoas. Isso interrompeu uma ferramenta usada para monitorar atividades ilegais no Twitter, forçando os funcionários a trabalhar durante os feriados para reconfigurar a infraestrutura da plataforma e enviar servidores para seus dois data centers restantes nos EUA.
O Twitter logo passou por várias interrupções. Mas as mudanças geraram mais de US$ 100 milhões em economia anual, anunciou a empresa um ano depois. O X não respondeu a um pedido de comentário.
Musk às vezes voltou atrás depois de cortar muito profundamente. Ele tentou recontratar alguns trabalhadores que demitiu do Twitter. Em abril, ele também trouxe de volta alguns funcionários de uma unidade da Tesla que constrói estações de carregamento, semanas depois de demitir todos os 500 deles.
No fim, porém, nenhum detalhe era pequeno demais para economizar um pouco. Em dezembro de 2022, Musk parou de pagar pelos serviços de manutenção e limpeza nos escritórios do Twitter, deixando latas de lixo transbordando e banheiros vazios. No escritório da empresa em Nova York, um funcionário levou papel higiênico para o trabalho e o pendurou no banheiro com um cabide de metal como um carretel improvisado.