CONCURSO PÚBLICO

Cotas para concurso: entenda como funciona a política para PcD's e grupos raciais

Política pública destina vagas para minorias em todo Brasil; veja como Pernambuco se posiciona nas cotas para concurso

Cotas para concurso: entenda como funciona a política para PcD's e grupos raciaisCotas para concurso: entenda como funciona a política para PcD's e grupos raciais - Foto: Ricardo Fernandes/Folha de Pernambuco

A política de cotas para concursos públicos no Brasil destina vagas a pessoas com deficiência (PcDs) e grupos raciais historicamente marginalizados. 

Os direitos da sociedade a cargos públicos é um assunto de grande relevância para milhares de concurseiros que se dispõem a realizar os certames abertos pelo Brasil. Inclusive, para as minorias que enxergam na carreira pública a chance de uma estabilidade financeira e mudança de vida.

A reserva de vagas para pessoas com deficiência está prevista na Constituição Federal de 1988. 

Já as cotas raciais para concursos são mais recentes. Em vigência desde 2014, a “Lei de Cotas”, destinadas a candidatos negros e pardos, estabelece que a reserva de vagas de, pelo menos 20%, é obrigatória para os certames realizados pela administração pública federal, autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União.

Vagas para PcD em concursos

A legislação brasileira visa dar visibilidade e funcionalidade às pessoas com deficiência, que historicamente foram relegadas a posições secundárias na sociedade e no serviço público.

No que diz respeito aos direitos PcD em concursos públicos da esfera Federal, a reserva de vagas é de no mínimo 5% e no máximo 20% das oportunidades ofertadas em edital. 

Para que esses percentuais sejam válidos, contudo, é preciso que a seleção ofereça cinco vagas ou mais.

De início, é preciso verificar quais deficiências são aceitas no certame. “Para que o candidato possa ser formalmente enquadrado na condição de PcD, ele precisa ter uma deficiência física, auditiva, visual ou intelectual. A legislação também permite a existência concomitante de duas ou mais deficiências”, explicou o advogado especialista em concursos públicos, Ygor Werner.

Os concursos públicos muitas vezes exigem uma avaliação específica por uma comissão de especialistas para confirmar a deficiência do candidato. 

Essa etapa de perícias médicas ou avaliação biopsicossocial, é crucial para ratificar ou rejeitar os documentos apresentados pelos candidatos. 

“As deficiências em concursos públicos são comprovadas por meio de laudos, exames e relatórios médicos elaborados por especialistas. Esses documentos já existem no histórico de saúde do candidato, pois muitos deles recebem acompanhamento médico contínuo ao longo da vida”, acrescentou o advogado.

Ygor Werner, advogado especialista em concursos. 

Validação

A professora de geografia, Michelly Juliane, 31 anos, é portadora de esclerose sistêmica, uma doença autoimune do tecido conjuntivo rara e crônica, caracterizada por alterações degenerativas e formação de cicatrizes na pele, articulações e órgãos internos.

Ao se reconhecer e ser atestada como uma pessoa com deficiência em decorrência de sua doença, Michelly começou a concorrer em concursos utilizando as cotas para PcD. 

“Fui aprovada no concurso para professora do Estado e cheguei a assumir. Logo em seguida, o concurso da Prefeitura do Recife me ‘chamou’ e, por incrível que pareça, minha perícia foi negada. Cheguei a me espantar, pois ambos os certames tinham a mesma banca examinadora. E em questão de oito meses deram pareceres diferentes”, explicou.

A professora entrou com o recurso, inclusive, usando o argumento da discrepância de posição da banca e anexando todos os seus laudos médicos e exames. “Como a minha doença é rara, muita gente não conhece e aí o próprio médico da perícia acabou não acreditando que eu sou PcD, por ele não ver uma deficiência aparentemente física”, destacou.

Cotas raciais

Nos últimos anos, a aplicação de cotas em concursos públicos no Brasil tem recebido atenção crescente. Estas políticas visam promover a igualdade de oportunidades, corrigir desigualdades históricas e garantir maior diversidade nos serviços públicos.

Para Nicole Carvalho, educadora física aprovada recentemente no concurso da Secretaria de Saúde do Recife através da lei de cota racial, a política é fundamental para compensar as desigualdades na sociedade, ampliando vozes e garantindo a presença de pessoas negras em todos os setores.

“Acho que as cotas são essenciais. Elas ajudam a equilibrar as desigualdades que existem na sociedade e permitem que mais vozes sejam ouvidas e que pessoas negras ocupem todos os espaços.”

Aplicação em concursos

Em 9 de junho de 2014, a Lei 12.990 foi sancionada garantindo que 20% das vagas dos concursos realizados por órgãos e entidades da administração pública federal fossem destinadas a pessoas negras sempre que o número de vagas for igual ou superior a três. 

O tempo de validade chegou ao fim no dia 9 de julho deste ano, mas o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, prorrogou a aplicabilidade do modelo atual até que o Congresso e Governo concluam novas regras para o tema.

A aplicação da lei é complexa devido à autonomia legislativa dos estados e municípios para regulamentar a porcentagem, podendo resultar num aumento ou diminuição no número de vagas reservadas aos cotistas.

Segundo o art. 3 da lei de cotas, os candidatos negros concorrerão concomitantemente às vagas reservadas e às vagas destinadas à ampla concorrência, conforme a sua classificação no concurso.

O contador Cesar Timoteo foi uma das pessoas que se inscreveram para concorrer ao certame pelas cotas raciais, mas atingiu uma nota que o permitiu assumir o cargo sem usufruir do direito. 

“O edital foi bem claro quanto às etapas, e, apesar de não ter precisado, eu vejo as cotas como algo muito importante, assim como toda política pública”, pontuou o técnico em contabilidade.

Fraudes e heteroidentificação

Desde 2012, o STF considera legítima a política de cotas étnico-raciais em processos seletivos públicos, baseada na autodeclaração.

Candidatos que se autodeclararem pretos ou pardos podem concorrer às vagas destinadas a esta modalidade prevista na Lei.

Para evitar fraudes, é legítimo o uso de mecanismos adicionais, como entrevistas e comitês de heteroidentificação.

A Lei 12.990/2014 menciona a possibilidade de declaração falsa e as sanções correspondentes, obrigando a administração pública a criar mecanismos de verificação.

Túlio Lucena, cirurgião-dentista, aprovado no concurso da prefeitura de Mossoró - RN, contou sobre sua experiência ao passar pelas comissões de heteroidentificação.

"Na primeira vez, o processo foi rápido e, dias depois, vi meu nome indeferido. Fiquei triste, mas recorri, apresentando fotos e questões sobre o limbo identitário dos pardos no país. No resultado final, fui deferido."

O critério de avaliação é o fenótipo, ou seja, as características físicas visíveis que identificam socialmente um indivíduo como negro. Em casos de fraudes, a eliminação do candidato é imediata.

O advogado Ygor Werner explicou como são tratadas as fraudes de cotas em concursos públicos.

“Fraudes nas cotas raciais são tratadas imediatamente com a eliminação do candidato. Quem tenta fraudar o sistema é sumariamente excluído do processo seletivo. Além disso, ações formais incluem a notificação aos órgãos de controle, como o Ministério Público ou a Polícia Civil, para que as práticas fraudulentas sejam investigadas criminalmente."

Situação em Pernambuco

Em Pernambuco, a Lei 14.538, homologada pelo deputado Ricardo Costa, estabelece regras para concursos públicos no Estado. Diferente do nível federal, Pernambuco ainda não tem legislação específica garantindo cotas para negros em concursos públicos.

O Projeto de Lei (PL) n.º 464/2023, de Dani Portela (PSOL), visa corrigir essa lacuna legislativa no Estado.

Alinhado à legislação federal, propõe a reserva de 20% das vagas em concursos, no mínimo, para pessoas autodeclaradas pretas, pardas ou de povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas e ciganos).

Já Rosa Amorim (PT) apresentou o PL 680/2023, que garante 30% das vagas para negros e indígenas.

Estas proposições alterariam a Lei 14.538 e já receberam parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). No entanto, ainda não houve aprovação formal da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

Propostas futuras

O PL 1958/2021, aprovado em dezembro de 2023, prorroga por 25 anos e amplia para 30% a reserva de vagas em concursos públicos para negros.

A proposta reserva 30% das vagas em concursos públicos e processos seletivos simplificados de órgãos públicos para pessoas negras, garantindo metade dessas vagas especificamente para mulheres negras.

A reserva será aplicada às vagas que surgirem durante a validade do concurso. O advogado Werner comenta sobre o andamento do projeto e as novidades em relação à legislação atual.

"Segundo o projeto, a sistemática será aplicada em concursos públicos e processos seletivos com duas ou mais vagas, diferente da norma atual, que limita a partir de três vagas. 30% das vagas serão destinadas a mulheres negras, podendo ser redistribuídas aos homens se não houver candidatas suficientes. O projeto foi aprovado pela CCJ do Senado e está na Câmara dos Deputados para análise.”, concluiu.

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