"Custo oculto" da cadeia de produção de alimentos pode chegar a R$ 81,7 trilhões por ano, diz estudo
No Brasil, prejuízos com a degradação, embutidos nos preços dos alimentos, já são superiores a R$ 2,7 trilhões anuais
Diante do esforço global de combate à fome e dos impactos das mudanças climáticas, o conceito de “sistemas alimentares sustentáveis” ganha força na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) como estratégia que envolve medidas em todos os elos da cadeia — do campo à industrialização e consumo final dos produtos para a segurança nutricional.
Um estudo mundial da organização independente The Food System Economics Commission calcula que o “custo oculto” dos sistemas alimentares — considerando desmatamento, insegurança alimentar, saúde, desperdícios e impactos das mudanças climáticas — pode atingir US$ 15 trilhões por ano (12% do PIB global, o equivalente a R$ 81,7 trilhões) até 2030.
— Esse custo é muito superior ao valor gerado pelo mercado de alimentos no mundo — aponta Virgínia Antonioli, gerente de sistemas alimentares do WRI Brasil. — É uma agenda desafiadora, porque está em risco não só a segurança alimentar, mas a própria sobrevivência dos negócios.
Segundo o estudo, a transição para um modelo mais sustentável demanda investimento anual de US$ 500 bilhões no mundo (cerca de R$ 2,7 trilhões), com capacidade de gerar benefícios de US$ 5 trilhões por ano em 2030 (R$ 27,2 trilhões).
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Mas pesquisadores ressaltam que os custos de novas tecnologias para redução de impactos ambientais deverão elevar os preços dos alimentos no curto e médio prazo até estabilização no futuro. O quadro reforça a necessidade de investimentos públicos via programas sociais neste período de transição.
Efeitos sociais
No Brasil, os custos da degradação, embutidos nos alimentos, já são superiores a R$ 2,7 trilhões ao ano.
— A corda arrebenta para o lado mais vulnerável, principalmente pequenos produtores sem acesso a soluções como os grandes — observa Rafael Loyola, diretor-executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS).
Frente os impactos socioeconômicos já em curso, diz o analista, a agricultura familiar é elemento-chave na atual revisão do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, instituído em 2016. Em agosto, o Ministério do Desenvolvimento Agrário iniciou o processo para inclusão do tema no novo plano do governo federal.
A produção de alimentos convive com o declínio da nutrição do solo em meio às alterações climáticas e eventos meteorológicos extremos.
— Não estamos nada preparados — concorda Rodrigo Castro, diretor da Fundação Solidaridade.
A instituição auxilia 14 mil famílias de pequenos produtores, mobilizando recursos privados em oito cadeias alimentícias, como a do óleo de palma. Ele lembra que os danos nas lavouras reduzem renda no campo e elevam preços da cesta básica, com efeitos sociais também nas cidades.
— Os riscos têm aumentado, mas não são reconhecidos com entregas práticas, que passam pela redução das desigualdades — acrescenta Castro, também membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, que influencia políticas para aperfeiçoar crédito, assistência técnica e regularização ambiental.
Nos assentamentos rurais, a pecuária é o principal vetor de desmatamento.
— Com práticas sustentáveis, demonstramos ser possível reduzir a destruição em 70% e aumentar a renda em 130% — revela Lucimar Souza, diretora de desenvolvimento territorial do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
Agroflorestas
Essas áreas, sob responsabilidade do Incra, ocupam 36 milhões de hectares (7%) da Amazônia Legal, que concentra 40% dos assentamentos do país. Eles representaram 19% do desmatamento na região entre 2010 e 2020, de acordo com o Ipam. A maior parte da degradação ocorre em polígonos superiores a 10 hectares, em assentamentos convencionais. Naqueles voltados a projetos agroextrativistas, os danos são menores.
— São frequentes os relatos de mudanças do clima, com redução de chuvas, e em breve muitos terão necessidade de irrigação, o que significa impacto nos recursos hídricos — diz Souza.
A tendência, segundo ela, é recuperar áreas degradadas por meio de agroflorestas, que aliam produção de alimentos e conservação. Na visão da diretora, “a saída é uma assistência técnica empreendedora, para além da subsistência, com foco na geração de negócios”.