DeepSeek: o que há de tão impactante na IA chinesa que abalou big techs americanas?
Somente a Nvidia perdeu US$ 589 bi em valor de mercado com o surgimento do aplicativo chinês que indicou precisar de menos recursos para ter resultados parecidos com americanos como o ChatGPT
O mercado americano vivenciou ontem um “momento Sputnik”. As ações das empresas de tecnologia, especialmente aquelas ligadas à inteligência artificial (IA), derreteram por causa de uma ferramenta chamada DeepSeek, criada pela startup chinesa homônima, com sede em Hangzhou.
Ela superou o famoso ChatGPT, da OpenAI, em downloads, tornando-se o app mais baixado globalmente, e provocou dúvidas no Vale do Silício sobre a liderança dos Estados Unidos em IA.
O modelo de IA do aplicativo é considerado fortemente competitivo com as últimas ferramentas lançadas pela OpenAI e pela Meta. A startup chinesa afirma ainda que sua ferramenta custa muito menos para ser treinada e desenvolvida.
Leia também
• "Feito capaz de mudar o destino de uma nação", chineses comemoram sucesso de DeepSeek
• Nvidia chama o DeepSeek de ''excelente'' avanço em IA e rejeita preocupações
• DeepSeek: IA chinesa que desafia ChatGPT também "fala" português e pode ser baixada no Brasil
A DeepSeek diz ter gasto apenas US$ 5,6 milhões (R$ 33 milhões) para desenvolver seu modelo, uma quantia irrisória em comparação aos bilhões de dólares investidos pelas gigantes americanas.
A expressão “momento Sputnik” foi usada pelo investidor Marc Andreessen, cujo navegador Netscape deu impulso à internet. Ela se refere ao lançamento do Sputnik em 1957. Da União Soviética, foi o primeiro satélite artificial do mundo e marcou o início da corrida espacial com os EUA.
Na rede social X, Andreessen afirmou que o DeepSeek R1 (a versão mais completa da ferramenta) “é um dos avanços mais impressionantes e surpreendentes” que ele já viu.
A Nvidia, que fabrica os chips essenciais para operar sistemas de IA, viu suas ações desabarem quase 17%. Isso representa um tombo recorde de US$ 589 bilhões (cerca de R$ 3,5 trilhões) em valor de mercado — o equivalente a quase sete Petrobras. A empresa agora vale US$ 2,9 trilhões e perdeu o posto de segunda empresa mais valiosa do mundo para a Microsoft. No topo do ranking está a Apple.
Ainda assim, a Nvidia afirmou ontem em nota que o novo modelo da DeepSeek é um “excelente avanço em IA”. “O trabalho da DeepSeek ilustra como novos modelos podem ser criados” utilizando a técnica Test Time Scaling, disse a empresa, “aproveitando modelos amplamente disponíveis e recursos computacionais que estão totalmente em conformidade com os controles de exportação (dos EUA).”
A declaração da Nvidia indica que esta acredita que a startup chinesa não violou as restrições dos EUA, que limitam o acesso a chips avançados americanos, especialmente por empresas da China. E parece descartar as suspeitas de alguns analistas de que a DeepSeek não teria conseguido realmente atingir o avanço que afirma ter feito.
O sucesso do DeepSeek foi tanto sobrecarregou os servidores da empresa, que limitou os downloads da ferramenta e afirmou ter sido alvo de “ataques maliciosos”.
Mas o que o app tem de tão impactante?
O DeepSeek, ferramenta de inteligência artificial (IA) generativa criada pela startup chinesa de mesmo nome, está disponível gratuitamente no Brasil, tem recursos similares aos do ChatGPT, “fala” português e pode ser acessado pelo navegador.
O serviço é gratuito e não há limite de mensagens que podem ser trocadas com o robô. Além de português, chinês e inglês, o sistema está disponível em 69 idiomas, incluindo espanhol, alemão, coreano, croata, francês e esloveno.
A estratégia da startup de oferecer um modelo de IA tão potente quanto os de rivais, de forma aberta ou a custos significativamente menores, gerou alerta na indústria americana. Outro diferencial da DeepSeek está no orçamento envolvido no desenvolvimento de sua IA, significativamente menor que o de concorrentes.
Uma das vantagens competitivas da empresa, fundada em 2023, é ter precisado de menos recursos computacionais para criação de um modelo que é competitivo com os da OpenAI, Meta e Google.
Como acessar a ferramenta?
Interagir e pedir tarefas para o DeepSeek é tão simples como usar o ChatGPT, Meta IA ou Gemini. A IA pode ser acessada pelo computador, no navegador, ou baixada nas lojas de aplicativo da Apple (iOS) e Google (Android).
Como usar o DeepSeek?
Ao abrir a plataforma, o usuário precisa fazer um login de acesso. A primeira página é igual às dos concorrentes. Uma caixa de texto convida o usuário a escrever com a pergunta: “Como posso te ajudar hoje?” Além de conversar com a IA por texto, o usuário pode enviar documentos e imagens, e fazer perguntas com base nos arquivos.
Mas, diferentemente do ChatGPT, a ferramenta ainda não tem o recurso de interação por voz.
Ao receber a resposta, o usuário pode pedir ajustes e fazer perguntas adicionais pela caixa de texto ou clicar em um botão abaixo do texto para que ele seja refeito. Também é possível avaliar o conteúdos, por meio de um botão de “positivo” e “negativo”.
O modelo disponibilizado pela startup no chatbot gratuito é o DeepSeek-V3, que é como o “cérebro” por trás do sistema de inteligência artificial. Lançado em dezembro de 2024, o V3 pode superar o modelo usado no ChatGPT, o GPT-4o, em determinadas tarefas, como aquelas que envolvam raciocínio em programação.
O sistema da OpenAI, no entanto, apresenta melhores resultados em parâmetros como perguntas simples de interpretação.
O que a plataforma pode fazer
Assim como outros sistemas similares de IA, a ferramenta da DeepSeek pode reescrever textos, responder a perguntas sobre tópicos variados, resumir documentos, fazer contas de matemática e revistar códigos de programação, entre outras tarefas.
Da mesma forma que o ChatGPT, a ferramenta traz informações de buscas na internet. Para ativar o recurso, o usuário precisa acionar a aba “Search” (“busca” em inglês). Nesse modo, a IA responde com base em textos que coleta on-line, incluindo sobre acontecimentos recentes.
Além do recurso de buscas, o usuário pode optar por fazer perguntas que usem o DeepSeek R1, um modelo da startup que é voltado para resolver problemas complexos, como cálculos matemáticos e tarefas de programação. Essa opção também fica abaixo da caixa de texto.
Não está livre de ‘alucinações’
Como as concorrentes, a assistente chinesa também pode “alucinar”, ou seja, trazer de forma convincente alguma informação incorreta. Abaixo da caixa de texto, o chatbot alerta que o conteúdo é gerado por inteligência artificial e deve ser usado “apenas como referência”.
Nos termos de serviço, a startup alerta que as respostas “podem conter erros ou omissões”:
“Especificamente, ao usar este serviço para consultar sobre questões médicas, legais, financeiras ou outras questões profissionais, esteja ciente de que este serviço não constitui nenhum aconselhamento ou compromisso e não representa as opiniões de nenhum campo profissional. Se você precisar dos serviços profissionais relacionados, deve consultar profissionais e tomar decisões sob sua orientação”, ressalta o texto.
Cuidados com privacidade
O usuário deve ficar atento também ao compartilhamento de dados e informações sensíveis. A política de privacidade da ferramenta indica que além de dados como e-mail, nome e endereço de IP, a IA coleta informações compartilhadas pelos usuários.
De acordo com a startup, as informações são compartilhadas inclusive para publicidade e análise.
Há casos, ainda, que os dados inseridos pelos usuários são compartilhados com governos: “Podemos acessar, preservar e compartilhar as informações descritas em ‘Quais Informações Coletamos’ com autoridades públicas e policiais, detentores de direitos autorais ou outros terceiros, se acreditarmos de boa-fé que isso é necessário para cumprir a lei.”
— O usuário deve tomar cuidado em relação a absolutamente qualquer tipo de IA — diz Arthur Igreja, especialista em tecnologia e inovação — Ou seja, ter cuidado com a privacidade dos dados, não fazer compartilhamento de dados sensíveis, como documentos corporativos.
O que provocou a debacle?
A chinesa DeepSeek apresentou na semana passada um modelo de IA de menor custo. Wall Street reagiu com quedas bruscas, com a gigante dos microchips Nvidia despencando 16,97%. O declínio da Nvidia reduziu em US$ 589 bilhões a capitalização de mercado da fabricante de chips de IA, a maior perda em um único dia na história do mercado de ações, valendo agora US$ 2,9 trilhões.
A Bolsa foi sacudida por informações que apontam que o robô conversacional da startup chinesa DeepSeek tem um ótimo desempenho, apesar de usar chips com capacidades reduzidas, o que poderia afetar o domínio dos grandes grupos americanos do setor.
'Investidores desconcertados'
"Os investidores estão desconcertados com essa nova reviravolta dos acontecimentos e pelo [temor] de que as empresas americanas especializadas em IA percam influência", resumiu à AFP Sam Stovall, da consultoria financeira CFRA.
Analistas e investidores acreditavam que a vantagem dos Estados Unidos no setor dos semicondutores e sua capacidade de limitar o acesso da China a esta tecnologia garantiria seu domínio da IA.
Mas a DeepSeek assegurou ter gastado apenas US$ 5,6 milhões (R$ 33 milhões, na cotação atual) para desenvolver seu modelo, uma quantia irrisória quando comparada com os bilhões de dólares investidos pelas gigantes americanas.
Wall Street teme que o "chabot" da DeepSeek possa competir com o da OpenAI e seu popular ChatGPT.
No entanto a startup chinesa denunciou nesta segunda-feira que é alvo de um ciberataque "malicioso em grande escala" e deve limitar temporariamente as inscrições de usuários.
A empresa, fundada em 2023, declarou que quem já possui uma conta em seu serviço poderá se conectar normalmente.