Desenrola: contas de luz, gás e esgoto pressionam orçamento dos mais pobres
Dívidas com essas faturas representam mais de 20% dos débitos das famílias. Programa de renegociação vai atender público com renda de até dois salários mínimos
Apesar de terem sido citadas quando o Desenrola, de renegociação de dívidas, foi anunciado pelo governo federal, débitos com concessionárias, como as de água e esgoto, luz e gás, ainda não poderão ser renegociados dentro do programa.
Eles devem fazer parte da segunda fase do programa, que começa em setembro e será voltada para brasileiros com renda de até dois salários mínimos e dívidas de até R$ 5 mil. Nessa etapa, o devedor poderá consultar uma plataforma digital na qual as instituições financeiras farão uma espécie de “leilão de acordos”.
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Ganha quem oferecer as condições mais vantajosas ao consumidor. Para atender esse público, o governo entra com R$ 8 bilhões no Fundo de Garantia de Operações (FGO). Funciona como uma proteção aos bancos caso o devedor não pague parte das parcelas.
Para especialistas, o adiamento da inclusão desse tipo de dívida afeta principalmente consumidores mais pobres, que podem ficar mais tempo com o nome negativado e até ter os serviços essenciais cortados.
Pelo Mapa da Inadimplência do Serasa, em dezembro do ano passado — data limite de inscrição do débito para participação do programa — 22,25% das dívidas das famílias brasileiras eram com as contas básicas de consumo. A fatia que esse tipo de dívida representa no orçamento caiu do fim de 2022 para cá, mas de maneira tímida. No levantamento de maio, correspondia a 21,45%.
Já a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), faz um recorte por renda. Pela edição do último ano, esses débitos pesavam no orçamento de 2,1% das famílias com renda de até 10 salários mínimos (R$ 12,1 mil, na época).
Recorrer ao cartão
O percentual relativamente baixo se dá pelo fato de que esses débitos, quando não são pagos, afetam imediatamente a vida das famílias: sem o pagamento, os serviços são interrompidos. Ainda assim, a inadimplência nesse tipo de despesa foi crescente no ano passado, principalmente entre os mais pobres, como observa a economista da CNC Izis Ferreira.
Ela destaca que a situação era ainda mais sensível em momentos do ano em que a inflação estava mais alta. Naquele cenário, com o orçamento apertado, muitos consumidores recorreram ao cartão de crédito para quitar contas de consumo, numa solução que acabava transformando uma despesa recorrente numa dívida com juros mais altos:
—Alcançamos 12% de inflação em determinado momento de 2022, com impacto principalmente em alimentação, transportes e medicamentos. As famílias precisavam escolher: vou comer e comprar remédios ou quitar dívidas?
Izis avalia que a não inclusão inicial dessas contas de consumo no Desenrola prolonga o quadro de inadimplência, deixando quem deve por mais tempo sem consumir:
— Quando você está inadimplente, independentemente se é a fatura do cartão ou a conta da internet, você fica alijado do mercado de consumo e crédito. Não ter o nome automaticamente limpo (como o programa prevê), nesses casos, é prejudicial ao consumidor, que terá de esperar mais tempo para renegociar o que deve, e os juros e outros encargos vão continuar correndo nesse período.
Ione Amorim, economista e coordenadora do programa financeiro do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), diz que famílias que têm dívidas com contas de consumo e com bancos, ao terem o nome limpo, podem acabar recorrendo novamente ao crédito para quitar faturas de água, luz e gás.
A maior parte das dívidas dos cerca de 70 milhões de inadimplentes no país é com cartão de crédito, que tem juros de 450% ao ano.
— Quando o acordo é firmado contemplando dívidas bancárias, há a renegociação dos juros, o que é positivo. Incluir as concessionárias deveria ser uma prioridade, pelo impacto na vida das famílias — afirma.