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BRASIL

Despesas indevidas com BPC chegam a R$ 14,5 bilhões por ano, calcula ex-presidente do INSS

Para Leonardo Rolim, apenas envelhecimento da população não explica aumento nas concessões; programa social de um salário mínimo entrou na mira da equipe econômica para ser contido

Os  dados mostram que aumentou mais o número de pessoas trabalhando do que o de contribuintes para previdênciaOs dados mostram que aumentou mais o número de pessoas trabalhando do que o de contribuintes para previdência - Foto: Pedro França/Agência Senado

O governo gasta por ano R$ 14,5 bilhões com pagamentos indevidos do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que entrou na mira da equipe econômica no pacote fiscal, embora as medidas de contenção envolvendo o programa tenham sido desidratadas pelo Congresso Nacional.

Os pagamentos indevidos representam cerca de 12% do custo estimado do BPC para 2025. O levantamento foi feito por Leonardo Rolim, ex-presidente do INSS — órgão responsável pela operacionalização dos pagamentos do benefício — e um dos mais conceituados especialistas em Previdência e Orçamento do país.

O BPC é um benefício com o valor equivalente a um salário mínimo (hoje de R$ 1.518) e é pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda.

 

O modelo de cálculo
O cálculo de Rolim foi feito com base no histórico de concessões entre 2011 e 2024. A conta mostra um aumento que ele considera fora da curva no número de novos beneficiários, sobretudo a partir de 2022, e que não seria justificado pelos números de envelhecimento da população e de pessoas com deficiência — os dois públicos-alvo do programa.

Para chegar a essa conta, Rolim considerou a média móvel de 12 meses de beneficiários do programa. O número de benefícios saltou de 4,71 milhões no período encerrado em junho de 2021 para 6,3 milhões em outubro de 2024 (últimos dados disponíveis). Ele destaca que foi uma elevação de 33,4% entre os dois momentos, muito acima da curva de crescimento do benefício nos anos anteriores.

Rolim calcula que, mantida a curva de crescimento no número de benefícios até fevereiro 2020 (antes da pandemia de Covid-19), seriam cerca de 1,02 milhão de benefícios a menos. Isto significaria uma redução de despesa de R$ 14,5 bilhões em 2024.

— Apesar de não ter ocorrido nenhuma mudança significativa nas regras de acesso ao BPC, verificou-se um elevado aumento no número de requerimentos e no número de benefícios emitidos, especialmente no benefício para pessoas com deficiência. Trata-se de movimento iniciado ainda no governo anterior, em 2022 — disse o especialista.

O governo pretendia atacar o problema no pacote de contenção de despesas anunciado em dezembro e enviado ao Congresso, mas parte das medidas de controle foram “desidratadas” no Legislativo. E também houve veto por parte do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, após acerto costurado com senadores.

A estimativa para este ano é de que os pagamentos do BPC terão um custo de R$ 118,3 bilhões.

Um decreto que regulamentou a lei que criou o auxílio restringe a concessão a pessoas com deficiência grave e moderada. Entretanto, pessoas com deficiência leve e que têm o benefício recusado pelo INSS recorrem à Justiça e, geralmente, são atendidas.

Um terço por via judicial
Os processos judiciais ficam restritos à perícia médica e não envolvem uma avaliação biopsicossocial, uma análise do indivíduo considerando aspectos médicos, psicológicos e o contexto social em que a pessoa está inserida — procedimento usual no INSS.

Uma possibilidade de restrição prevista na proposta original do pacote do Ministério da Fazenda, e que tinha aval da Câmara dos Deputados, incluía na lei a distinção clara dos conceitos “moderado” e “grave” para a concessão do BPC a pessoas com deficiência. Mas esse ponto foi vetado pelo presidente Lula, após acordo para facilitar a aprovação da proposta no Senado.

Segundo Rolim, a introdução dos conceitos na legislação teria potencial para reduzir gastos do governo com decisões judiciais.

De acordo com dados do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), as ordens judiciais representam um terço dos gastos do governo com o BPC. Ou seja, de cada três benefícios, dois são pela via administrativa e um por ordem judicial.

— O que foi proposto pelo governo no projeto de lei atacaria com muita força o aumento indevido e injustificado das despesas do BPC, considerando o perfil da população. O projeto já foi muito desidratado no Congresso. O veto (de Lula) foi uma pena — afirmou Rolim, acrescentando que o BPC pago a pessoas com deficiência leve tem sido um dos principais motivos do aumento das despesas nos últimos anos.

Na avaliação do especialista, outra causa da alta de gastos com o benefício são as irregularidades, sobretudo no critério de renda.

Medidas classificadas como pente-fino, como revisões cadastrais frequentes, uso de biometria e exigência de inscrição no Cadastro Único do MDS na concessão do BPC — que restaram da proposta do governo — são positivas, mas são ações de alcance reduzido, considerando a necessidade atual de reduzir gastos, avalia Rolim.

Para Paulo Tafner, economista especializado em Previdência, os efeitos do pente-fino no BPC são demorados. Ele estima uma economia de R$ 10 bilhões em dois anos e afirma que as projeções de gastos para este ano com pagamentos da Previdência, incluindo o BPC, estão subestimadas. A estimativa dele é de uma despesa adicional entre R$ 20 bilhões e R$ 22 bilhões.

— O veto do presidente Lula foi um ato de irresponsabilidade. Na prática, mostrou que ele não está preocupado com o equilíbrio das contas públicas, não encampou a proposta da Fazenda — afirmou Tafner.

PT contra a Fazenda
Na pandemia, durante o governo Jair Bolsonaro, o Congresso aprovou uma lei que permitiu o pagamento do BPC a mais de um integrante da mesma família, o que já vinha ocorrendo por decisões judiciais.

O projeto da equipe econômica do ministro Fernando Haddad previa revogar essa autorização, mas a medida foi retirada do texto na Câmara dos Deputados, com amplo apoio do partido do governo, o PT.

Também caiu na Câmara a tentativa de mudar o conceito de núcleo familiar para avaliar a composição da renda, entre outras medidas, como impedir o acesso do programa a quem tem terreno (inclusive terra nua) acima do limite de isenção do Imposto de Renda. A ideia era adotar no BPC a mesma composição familiar do Bolsa Família.

— A estimativa de impacto fiscal com mudanças no BPC nos primeiros anos caiu de R$ 2 bilhões para R$ 1 bilhão , pois a proposta inicial de vedação de dois membros da família receberem apenas um benefício era a maior economia e acabou caindo no Congresso — calcula Arnaldo Lima, da Polo Capital.

Segundo ele, o BPC continuará pressionando as contas públicas enquanto estiver indexado ao salário mínimo, seja na regra de acesso ou no valor do benefício, e em meio ao envelhecimento populacional.

Ministro defende medidas
O ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, disse ao GLOBO que as mudanças feitas no programa vão reduzir fraudes e garantir o benefício a quem tem direito sem precisar recorrer ao Judiciário.

A lei sancionada prevê que a concessão do benefício às pessoas com deficiência “fica sujeita a avaliação, nos termos de regulamento”. Porém, não exige que a deficiência seja declarada “moderada” ou “grave” — o trecho que foi vetado por Lula. O governo editará o regulamento citado na lei para avaliação de pessoas com deficiência.

— A mudança aprovada ajuda a fechar duas portas. Uma, contra fraudes diretas por usuários, com sistema de biometria, atualização do cadastro a cada dois anos e cruzamento de dados sobre renda. A outra dará maior transparência no conceito de deficiência, evitando que o Judiciário se torne uma porta de entrada, onde pessoas que não preenchem requisitos da lei ficassem recebendo anos e anos até que se decida que não era devido — afirmou.

As mudanças aprovadas pelo Congresso preveem a obrigatoriedade de biometria, mas não será exigida nas localidades de difícil acesso, ou em razão de dificuldades de deslocamento do requerente, por motivo de idade avançada, estado de saúde ou outras situações excepcionais.

A nova lei também reduziu a necessidade de recadastramento de quatro para dois anos e permitiu que, caso isso não seja feito, o benefício seja suspenso, desde que comprovada a ciência da notificação para o cadastro. Além disso, facilitou o compartilhamento de informações e estabeleceu que na concessão do benefício será obrigatório o registro do código da Classificação Internacional de Doenças (CID), garantida a preservação do sigilo.

Proteção universal
Para a procuradora da República e professora da Universidade Mackenzie, Zélia Pierdoná, o desenho atual do BPC pressiona as contas públicas e vai na contramão do que existe em todo o mundo. Segundo ela, as regras precisam ser reformuladas para que o modelo ofereça uma proteção universal, como o sistema foi originalmente criado na Inglaterra após a Segunda Guerra Mundial.

— O desenho atual do BPC só existe no Brasil e é resultado do populismo do Legislativo e do Judiciário — critica Pierdoná.

Além da concessão a pessoas com deficiência leve — com capacidade laboral e interpessoal — os juízes dão sentenças sem observar o critério de renda de até um quarto do salário mínimo per capita (hoje em R$ 379,50 por pessoa da família). Casos antes específicos, permitindo concessão até meio salário mínimo per capita, viraram regra, diz Pierdoná.

Política fiscal deu o tom em 2024. E em 2025, como ficam os investimentos?

O economista Marcos Mendes, pesquisador do Insper, defende que o valor do BPC passe por mudanças para se tornar mais justo. No caso de um idoso, quem contribuiu durante toda a vida para a Previdência Social recebe o mesmo valor do BPC de quem nunca recolheu ou não tem contribuição em valor suficiente.

Uma das sugestões seria elevar a idade mínima para o BPC idoso, hoje de 65 anos, para acabar com a “concorrência desleal” em relação ao benefício previdenciário.

— O BPC constitui uma transferência de renda não associada à reposição de renda do trabalho, constituindo benefício de valor muito elevado quando comparado com outras transferências de renda, como o Bolsa Família — diz Mendes.

Na reforma da Previdência, em 2019, o governo Bolsonaro incluiu na proposta a redução do valor do BPC para 70% do salário mínimo, mas concedendo o benefício a partir dos 60 anos. A integralidade seria obtida aos 70. O Congresso barrou a medida.

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