BRASIL

"Drible" no arcabouço fiscal que incomodou Fazenda foi sugestão da Casa Civil, indicam documentos

Governo quer também ampliar o acesso ao vale-gás para 20,8 milhões de famílias até 2026, ante 5,6 milhões de famílias atualmente. Ministério de Rui Costa não comentou

O ministro Rui Costa (Casa Civil), o presidente Lula e o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) durante evento com anúncios para o setor de gás, incluindo novo modelo para vale-gás O ministro Rui Costa (Casa Civil), o presidente Lula e o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) durante evento com anúncios para o setor de gás, incluindo novo modelo para vale-gás  - Foto: Ricardo Botelho/MME

O “drible” no arcabouço fiscal previsto no projeto de lei do novo auxílio-gás foi idealizado na Casa Civil, mostram documentos do Ministério de Minas e Energia obtidos pelo Globo via Lei de Acesso à Informação (LAI). Da forma que foi enviada ao Congresso Nacional, a proposta inclui um mecanismo permitindo que o gasto com o programa fique e fora do Orçamento.

O projeto incomodou a Fazenda, que tenta mudar o texto. A proposta também gerou ruídos no mercado, que teme novas problemas de drible das regras fiscais. A Casa Civil, procurada, não comentou.

Os documentos do MME solicitam a manifestação do Ministério da Fazenda, que é coautor do projeto, mas a equipe econômica vem se mostrando incomodada com a brecha no arcabouço fiscal imposta no projeto e vem tentando suprimir essa parte da proposta. Oficialmente, a Fazenda diz que “tratou-se de uma determinação do presidente da República”.

 

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mede forças nos bastidores do governo com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, que, por sua vez, é aliado de Alexandre Silveira, titular do MME. Após a “derrota” inicial com o envio do projeto ao Congresso, Haddad conversou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre as preocupações com o financiamento do programa e conseguiu aval para discutir a proposta com a Casa Civil.

As tratativas já foram iniciadas, mas ainda sem desfecho, segundo interlocutores a par do assunto. A Fazenda está estudando um outro desenho, não só para bancar o novo vale-gás, mas também da política pública em si. Há uma avaliação na equipe econômica de que o formato proposto pelo MME não é o ideal, ainda que a forma de funcionamento atual também seja considerada ineficiente.

O projeto prevê alterar a forma como o benefício é concedido para as famílias de baixa renda. Hoje, elas recebem o auxílio em dinheiro e o governo quer dar desconto no botijão direto nas distribuidoras de gás. A proposta foi apresentada no dia 26 de agosto em um evento com a presença de Lula no Ministério de Minas e Energia.

O governo quer também ampliar o acesso ao vale-gás para 20,8 milhões de famílias até 2026, ante 5,6 milhões de famílias atualmente. Com isso, o custo do programa sairia de R$ 3,5 bilhões este ano e chegaria a R$ 13,6 bilhões em 2026. No ano que vem, o custo seria de R$ 5 bilhões.

Mas no Orçamento de 2025 os gastos com o auxílio gás são de apenas R$ 600 milhões. Isso porque o governo já está considerando a alternativa prevista no projeto enviado ao Congresso para bancar o programa, que gera renúncia de receitas pela União. A proposta permite a transferência que recursos da União ligados ao pré-sal sejam repassados diretamente à Caixa, que vai operar o programa, sem passar pelo Orçamento. Assim, o governo conseguiria aumentar os gastos com o programa sem afetar o limite de despesas do arcabouço fiscal, que já está no teto permitido.

Os documentos do MME mostram que todo o processo de mudança do formato do vale-gás foi conduzido desde o início pela Casa Civil. “O tema foi endereçado à Secretaria Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis em reunião com a Casa Civil da Presidência da República no dia 2 de agosto de 2024”, diz a nota técnica do Departamento de Combustíveis Derivados de Petróleo.

No caso das propostas de funcionamento e financiamento do novo programa, o documento diz que estão contidas em uma “apresentação trazida pela Casa Civil”. Os modelos são descritos em figuras, com um passo-a-passo.

O documento explica que o financiamento começa com um termo de adesão da Petrobras e outras empresas com a União, passa pelo depósito na Caixa de suas obrigações com o Tesouro Nacional, e, por fim, estabelece que a redução de receitas do governo federal deve estar prevista na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Inclusive, na versão inicial exposta no documento, além dos recursos do pré-sal, os custos do auxílio gás também poderiam ser bancados com a parcela dos dividendos devidos pela Petrobras ao Tesouro Nacional. Essa opção, contudo, foi excluída antes do envio ao Congresso.

Tanto a área técnica do MME quanto a consultoria jurídica recomendam que sejam ouvidos o Ministério do Planejamento e a Fazenda. “Este Departamento de Combustíveis Derivados de Petróleo entende que a temática abordada exorbita, como já explanado, as competências do Ministério de Minas e Energia, sendo premente, portanto, que sejam consultados o Ministério da Fazenda e o Ministério do Planejamento e Orçamento, os quais têm competência acerca dessas temáticas orçamentária e fiscal”, diz o documento.

Em outra parte, o mesmo documento diz que a manifestação das duas pastas é “imprescindível”. Em despacho ao ministro Alexandre Silveira, o Secretário Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Substituto, Renato Dutra, afirmou, contudo, que não se faria necessária manifestação formal do Planejamento já que o projeto de lei “não ocasionaria, ao Erário, a geração de nova despesa, nem tampouco a renúncia ou redução de receita”.

Questionada, a Casa Civil não retornou os contatos.

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