Economista Tania Bacelar faz análise do ano de 2019
A Folha de Pernambuco e a Ceplan Consultoria Econômica e Planejamento firmam uma parceria consolidada na série Cenários 2019
O especial traz um panorama econômico do Brasil e de Pernambuco a partir de indicadores econômicos, estudos e pesquisas com perspectivas e abordagens sobre os desafios e oportunidades de 2019. Nesta entrevista, Tania Bacelar, doutora em Economia pela Universidade de Paris I Panthéon-Sorbonne e diretora da Ceplan, faz reflexões pertinentes e sinaliza dias melhores.
O ano começou com um novo presidente da República e a expectativa de um novo período de crescimento da Economia brasileira após uma histórica recessão. O Brasil tem condições de decolar em 2019?
Não vejo evidências de que a economia nacional vai conseguir forte crescimento neste ano. A recessão passou mas a retomada será lenta. O ambiente internacional também não está muito favorável, com destaque para a previsão de redução de ritmo de crescimento das principais economias mundiais.
Para o Brasil, prevalecem previsões de um crescimento modesto para padrões já experimentados pelo país (algo em torno de 2,5%, em 2019). O desafio que será priorizado é o de realizar reformas e isso vai envolver muita energia dos governos e da sociedade, enquanto que os resultados não serão tão imediatos.
Vejo 2019 como ano de definição de rumos, mais que de decolagem. Já quando se pensa no médio prazo, alguns fatores presentes hoje tem potencial de consolidar um processo de recuperação econômica mais consistente: inflação sob controle, a Selic (taxa básica de juros) no menor patamar histórico, alto nível de reservas cambiais – num momento de boa situação da balança em transações correntes com o exterior - e capacidade produtiva ociosa.
Tais fatores, associados a um programa consistente de investimentos, a uma melhoria do quadro fiscal e a uma boa política de atração de capitais privados, sob regras de mercado claras e transparentes, possibilitariam um impulsor de recuperação da economia, com efeitos positivos sobre o mercado de trabalho e a renda das famílias.
Qual sua opinião sobre as primeiras medidas tomadas pelo novo governo?
O primeiro mês terminou com poucas iniciativas relevantes, o que é normal em se tratando de uma fase de instalação e considerando que o processo eleitoral foi atípico (poucas ideias detalhadas). A primeira medida - a flexibilização da posse de armas - vai estimular a produção, aqui e no exterior, mas, com razão, despertou muita polêmica.
Pode estimular a violência e atesta a falta de capacidade do Estado em cuidar da segurança dos cidadãos. Nesse sentido, é um retrocesso. O aumento dado ao salário mínimo, seguindo estritamente a estimativa da inflação foi sintoma do que pode vir a ocorrer na política que define esta variável estratégica da economia nacional para os trabalhadores. A legislação que o define será revista posto que sua vigência expirou e nesta primeira decisão, prevaleceu a preocupação com o impacto fiscal.
Por sua vez, a prorrogação dos incentivos da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – Sudene, foi um primeiro gesto positivo em direção ao Nordeste, assim como a manutenção do Ministério do Desenvolvimento Regional num contexto de enxugamento das estruturas ministeriais. Resta ver qual será a proposta de política de desenvolvimento regional que virá. Finalmente, uma preocupação: economia tem a ver com produtividade cujo fator fundamental é uma boa educação. Nesse aspecto o país não vai bem e, a julgar pelas falas iniciais das autoridades da área educacional, a situação pode piorar.
Ficou um legado dos governos petistas que pode servir de alicerce para o sucesso econômico do novo governo?
Penso que a experiência de estimular o consumo popular merece ser analisada e colocada na agenda. O consumo das famílias é o grande motor da demanda interna brasileira mas o dinamismo da renda das classes D e E, facilitado também pelo crédito, foi uma novidade. Dinamizar a renda ao mesmo tempo em que a concentração da renda diminuía – mesmo que modestamente - foi um resultado importante do período petista.
Essa trajetória questionou o DNA brasileiro de fazer a economia crescer concentrando renda, que tende a prevalecer no país. Num próximo momento, seria importante combinar o estímulo ao consumo - associado à melhoria da renda das famílias - com a promoção do investimento, em especial em inovação. Elas não são estratégias excludentes, mas se retroalimentam. O avanço das políticas sociais que vinha do final do século XX e uma conjuntura econômica favorável, ampliou – em especial no início da era petista – o diálogo entre políticas econômicas e políticas sociais e foi, assim, uma herança importante face a tradicional prioridade central ao crescimento econômico.
A moralização da política com punição de corruptos que atuavam na esfera pública é uma necessidade para a retomada do investimentos estrangeiros ou o interesse no mercado brasileiro é suficiente?
Um ambiente de negócios favorável à atração de investimentos estrangeiros inclui baixos níveis de corrupção. Mas a moralização da política é um desafio central, independentemente de sua importância na dinâmica do investimento. É um valor em si.
O Brasil é reconhecido como um lugar importante para investir, tanto que atrai volume significativo de Investimento Direto do Estrangeiro (IDE), mesmo com a dificuldade de enfrentar a questão da corrupção. E são investimentos produtivos, vale a pena destacar, embora muitas vezes se destinem a comprar ativos já existentes.
Apesar de ter experimentado dois anos de forte recessão em ambiente de intensa exposição da questão da corrupção, o país passou de sétimo a quarto país a mais atrair IDE, superado apenas por Estados Unidos, China e Hong Kong, segundo o Relatório Mundial de Investimentos publicado pela Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), em 2017.
O presidente Jair Bolsonaro pode elevar nossa Economia seguindo o estilo Donald Trump ou as diferenças entre o Brasil e os Estados Unidos impedem que isso aconteça?
As diferenças são grandes e o “estilo Trump” está gerando problemas internos, como o impasse gerado pela proposta de construção do muro na fronteira com o México, e externos, a exemplo da guerra comercial com a China.
Os EUA são a maior economia do mundo e detém a moeda hegemônica, ainda. O Brasil não tem esta importância no contexto mundial e tem problemas sérios a enfrentar. Um estilo mais negociador combina melhor com o perfil brasileiro. Bravatas, ao estilo Trump, podem nos custar caro.
O Pré-sal continua a ser um grande ativo para o Brasil? Como o governo pode atrair investidores para exploração desta riqueza?
O mercado do petróleo continua a ser muito importante na economia – e na geopolítica – mundial e o Brasil tem no Pré-sal um ativo inestimável. Os investidores estão ávidos depois da mudança no regime de exploração. O complexo Petróleo & Gás é um dos focos do bloco de investimentos a se realizar no país.
Trazer investidor para ele não é problema. O debate é mais instigante: o que queremos que fique para a sociedade brasileira no futuro, resultante da exploração desta riqueza não renovável, num ambiente mundial e nacional no qual a energia baseada nos fósseis perde peso para outras formas de geração?
E, por falar nelas, Pernambuco, atualmente, conta com investimentos importantes em energias limpas e renováveis e com um parque tecnológico de destaque que é o Porto Digital. É possível, portanto atrair os investimentos relacionados a cadeias tradicionais, como a de Petróleo & Gás e, ao mesmo tempo, investir nas atividades que marcarão o século 21, patrocinando a transição econômica do Estado.
Os investimentos que mudaram o perfil econômico de Pernambuco na última década podem naufragar pela falta de sinergia política entre o governo estadual e o federal?
A articulação política entre o governo estadual e federal conta muito no Brasil. O ciclo exitoso recente de Pernambuco teve por trás a sinergia entre Lula e Eduardo Campos, sem dúvida. Os tempos são outros e a construção de novas sinergias é um desafio importante.
As orientações e escolhas estratégicas do novo governo federal para o Nordeste ainda não estão claras. Importante atuar para defini-las. Nesse contexto, a proatividade das lideranças políticas, empresariais, científicas e da sociedade pernambucana é fundamental neste momento.
O que Pernambuco precisa fazer, de imediato, para voltar a gerar empregos e recuperar os investimentos recebidos em Suape?
Gerar empregos é um desafio central em Pernambuco. A crise recente impactou fortemente o mercado de trabalho estadual. A taxa de desemprego explodiu no Estado, chegando a cerca de 18% - bem acima da média nacional.
Na Região Metropolitana do Recife (RMR) ela é ainda maior. Além disso, as novas bases da economia do século 21 estão revolucionando o mercado de trabalho. O que amplia o desafio a enfrentar, posto que “receitas tradicionais” tendem a não ser tão efetivas como foram no passado. Portanto, este desafio merece tratamento prioritário.
As cadeias produtivas implantadas em Suape, por exemplo, têm potencial para serem completadas e dinamizadas, notadamente as dos segmentos petroquímico e de petróleo e gás. São investimentos de grande porte conquistados pelo Estado e com capacidade de gerar desdobramentos, e inclusive de gerar receitas significativas para o Governo.
Mas há outras. Ao mesmo tempo, a economia criativa mobiliza muita gente - já viram a equipe de produção de um filme, por exemplo? Complexos logísticos idem, o turismo e os serviços educacionais e de saúde – imaginem o movimento de trabalhadores num hospital, e outros serviços modernos. Portanto, há muito a fazer e os resultados não serão imediatos.
Quais as saídas para o restabelecimento da imagem do Estado como locomotiva do Nordeste?
Não gosto dessa imagem de “locomotiva”, pois o trem da economia pode ser estimulado por várias iniciativas e portanto por várias “composições” e não apenas por uma locomotiva. O Nordeste, embora tenha elementos semelhantes na sua base natural e na sua estrutura produtiva, é uma região portadora de grande diversidade.
Esse mosaico de potenciais é que tem que ser o lastro de uma proposta para seu desenvolvimento e Pernambuco espelha bem esta ideia. Seu tecido econômico atual já expressa o potencial que lastreia nossa rica diversidade. Por seu lado, a imagem de um estado sintonizado com as tendências da economia do século 21 também dialoga com Pernambuco e ela deve ser reforçada.
Qual sua expectativa do novo governo concluir obras regionais como a Transposição do São Francisco, a ferrovia Transnordestina e a recuperação de estradas e ferrovias?
A agenda de investimentos em infraestrutura econômica, cujos exemplos estão na pergunta, estará na ordem do dia brasileiro e pernambucano. E considero que uma diretriz central é a de priorizar concluir o que se começou. A sociedade não suporta mais o cenário de “obras inacabadas”, que atestam falhas de planejamento, decisões espúrias ou simples incompetência...
Ao mesmo tempo, vamos precisar discutir novos modelos de financiamento dos projetos de infraestrutura econômica. A crise fiscal e a necessidade de patrocinar outros tipos de investimento deixam claro que o modelo de financiamento exclusivamente público que prevaleceu no século 20 não será mais hegemônico. Os modelos e formatos de articulação entre entes públicos e privados é o novo desafio, e o Brasil tem pouca experiência neste campo. Temos muito a aprender com outros países.
Em Pernambuco, ficamos meio 'travados' por conta de experiências pouco exitosas de Parcerias Público-Privadas, mas outros estados avançam. É importante aprender com o que fizemos e seguir em frente. Pela orientação do novo Governo Federal este debate será inevitável. Pernambuco e o Nordeste precisarão ousar, pois as abordagens tradicionais tendem a nos ser desvantajosas.
A maior densidade econômica das áreas mais ricas do país tende a viabilizar melhor os investimentos e um novo ciclo concentrador pode operar. Por sua vez, uma nova agenda de prioridades precisa ser discutida, com visão estratégica e considerando as tendências da economia do século 21. Isso remete, por exemplo, a projetos não citados na pergunta, mas estratégicos para Pernambuco.
Dou o exemplo do “Arco Metropolitano”. Como viabilizá-lo? Ele interessa a muitos empreendedores, poderia dar vida a novos potenciais do território que o abrigará e teria efeitos sociais importantes. A mobilidade na RMR, hoje, torna difícil a vida de muita gente. E a expansão da infraestrutura de fibra ótica, qual a prioridade que vai merecer? Como articulá-la à melhoria da educação e da pesquisa, à elevação da produtividade de nossos serviços... e tantos outros impactos? Passo estratégico foi dado nesse sentido. É importante ousar mais!